África 1980 – Terceira Aventura

Em 1980, o dia-a-dia em Bissau era ainda muito influenciado pela Luta de Libertação que os guerrilheiros do PAIGC tinham conduzido com sucesso até à Proclamação da Independência em 24 de Setembro de 1973.

Essa Proclamação teve lugar em pleno mato numa região libertada nas Colinas do Boé, poucos meses depois de Amílcar Cabral ter sido assassinado em Conacry e, portanto, pouco tempo antes dos capitães terem derrubado o regime de Marcelo Caetano em Portugal.

Um dia, logo no primeiro domingo da minha nova vida em Bissau, resolvi ir ao “mato profundo”. Não possuía essa experiência. Não tinha sido mobilizado no tempo colonial. Aliás, antes, nunca tinha estado em África. Resolvi, então, ir ver como teria sido. Afigurar cenários de guerra e no próprio local tentar pensar no heroísmo dos soldados que lutaram em lados opostos uns contra os outros. Era uma espécie de homenagem que pretendia viver apenas comigo próprio. Intimamente.

Nesse domingo de Outubro saí da capital pela estrada de Safim, depois Nhacra e por fim Mansoa e Farim. O Renault 4L que me fora distribuído pela Representação da OMS lá fez o percurso sem qualquer problema. A primeira visita foi à antiga parada de um aquartelamento das forças Portuguesas em Nhacra. Era uma zona de transição e segundo me garantiram muito segura e tranquila mesmo na fase mais intensa da Guerra. Sentei-me debaixo de um grande mangueiro a imaginar o ambiente cinco anos antes. Comecei a sentir o que teria sido o imenso esforço dos soldados Portugueses perante condições tão adversas. O inferno do calor, a humidade elevada, a ausência de conforto dos pavilhões improvisados, associados às saudades geradas pelo afastamento e pelo stress de guerra teria sido muito difícil, concluía eu rapidamente. Não tinha passado meia hora já eu estava decidido a mudar de sítio, à procura de melhores condições… Meia hora. Mas quantas meias horas sem outras alternativas terão sido vividas pelos soldados?

A seguir, já depois de Mansoa, sempre guiado por um ex-combantente de etnia Mandinga que estava visivelmente orgulhoso por receber um cidadão Português na sua morança, fui visitar o local onde Simão Mendes, lendário enfermeiro e guerrilheiro, tinha sido morto em acção. Voltei a concentrar o meu pensamento na admiração que deve ser prestada aos que dão a vida pela libertação da Pátria. A todos. É verdade que as lendas só enaltecem alguns heróis. O nome dele, depois da Independência, foi dado ao Hospital Central de Bissau.

A memória do Herói foi, assim, avivada para sempre. Compreende-se.

Senti o respeito devido a todos os que morrem a lutar por causas.

Mais tarde, em 2004, vivi a mesma sensação ao visitar as praias da Normandia. Nas areias onde tinham desembarcado, sessenta anos antes, a 6 de Junho de 1944, tantos heróis que viriam a morrer para libertarem a Europa.

Francisco George
Lisboa, 2012

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