Saúde dos Povos e do Planeta

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” de 19 janeiro 2022

A relação existente entre a Saúde da População e o Ambiente foi há muito identificada, analisada, comprovada e descrita com indiscutível fundamentação científica. Reciprocidade inquestionável. O primeiro trabalho escrito sobre o tema terá sido o “Tratado da Conservação da Saúde dos Povos” que o médico português Ribeiro Sanches (1699-1783) publicou em 1756. Fugido à Inquisição, Sanches editou, em Paris, o seu célebre “Tratado” que é, muito justamente, considerado obra precursora em Saúde Pública.

Passados 100 anos da publicação de Sanches, o médico inglês John Snow (1813-1858) demonstrou que a cólera, em 1856, no contexto da epidemia de Londres, era transmitida pela água de abastecimento captada no rio Tamisa a jusante dos esgotos aí lançados. Desde então, os planos para construir infraestruturas de saneamento básico ganharam novo interesse, particularmente nos centros urbanos da Europa.

Apesar do reconhecimento que essas infraestruturas estão associadas à promoção da Saúde Pública, por exemplo, ao assegurar a qualidade da água destinada a consumo humano, Portugal ficou para trás. Muito para trás. Tanto no tempo dos Braganças, como depois, durante a I República ou o Estado Novo, o valor das obras públicas para a conservação da saúde foi constantemente ignorado. Neste domínio, como em tantos outros, foi 1974 a marcar a distinção entre o tempo antes e o tempo depois.

A partir daí, é o próprio País que se atualiza progressivamente. Governo, câmaras municipais e juntas de freguesia mobilizam engenheiros, arquitetos e empreiteiros de construção civil. Nas cidades, vilas e aldeias sucedem-se grandes obras quer para construírem sistemas de aprovisionamento de água potável e de esgotos quer, também, de recolha e tratamento de resíduos sólidos. Portugal avança no sentido do desenvolvimento sanitário. Há mais cuidado com a preservação ambiental. As doenças infeciosas de transmissão hídrica (de natureza bacteriana ou viral) são prevenidas e controladas. A cólera e a hepatite A, bem conhecidas de todos os portugueses até 1977, deixam de representar problemas em Saúde Pública como anteriormente acontecia.

A poluição ambiental (solo, água e atmosfera) é, finalmente, reconhecida como ameaça séria. O Estado, então, aprova novas leis e cria departamentos especializados em preservação do ambiente.

Simultaneamente, a nível mundial, manifestam-se preocupações sobre os efeitos das alterações climáticas. Exigem-se novos combates e novas medidas para proteção de pessoas e do Planeta.

Observe-se.

É a ação humana, em especial ao longo do século XX, que está na origem da emissão para a atmosfera de gases de efeito estufa (dióxido de carbono, metano…), causadores da transição climática, traduzida pelo aquecimento da Terra.

Imagine-se, como mero exercício intelectual, como seria, em 1900, o ambiente de uma qualquer capital europeia circundada por áreas suburbanas. Imagine-se, logo a seguir, como essa mesma cidade era no ano 2000. Notem-se as alterações dos dois retratos da própria cidade separados somente por 100 anos. As diferenças em número e densidade de unidades fabris, emissão de gases poluentes, combustão de motores alimentada por combustíveis fosseis, tráfego automóvel, transportes públicos, de mercadorias e transportes marítimos de carga ou de turismo e de aviões que aterram e descolam de aeroportos ao redor do centro urbano.

Repare-se, igualmente, que os cientistas estimam que a formação da Terra ocorreu há mais de quatro mil milhões de anos (4 000 000 000), mas que o exercício acima proposto focou a transformação do modo de vida de uma cidade em cem anos (100).

Transição climática poderá ter sempre existido ao longo de 4 mil milhões de anos. Mas, agora, nos últimos 100 anos, há um novo problema, provocado pelo Homem, expresso pela aceleração do processo de transição do clima de crescente aquecimento.

A questão ecológica que se coloca é tudo fazer para desacelerar a transição climática na perspetiva da conservação do Planeta e de quem o habita.   

Francisco George