O Segredo dos Gémeos[1] (I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 30 março 2022

Como se sabe, no âmbito da investigação criminal conduzida pela Polícia Judiciária (PJ), é necessário, muitas vezes, recorrer ao laboratório científico para os peritos poderem identificar um suspeito através de análises ao ADN, por exemplo, em amostras de sémen, de saliva num copo de água por ele utilizado ou numa gota de sangue.

Este procedimento, como meio de prova, baseia-se no princípio que cada pessoa tem um determinado ADN que é diferente de outras. Ora, assim sendo, quando o ADN analisado tem correspondência ao do alegado criminoso, a Acusação deduz que o resultado da análise é um meio de prova a apresentar ao Tribunal. É quase uma metodologia certeira. Infalível?

Exemplifique-se, em termos de pura ficção.

O José Silva é suspeito de cometer um crime por, alegadamente, durante a noite, ter arrombado e furtado joias de um cofre de uma ourivesaria em Lisboa. Os investigadores da PJ ao encontrarem beatas de cigarros deixadas junto do local recolheram-nas e enviaram para pesquisa laboratorial que certificou que o ADN encontrado era igual ao do José Silva…

Mas!

Mas, entretanto, os agentes souberam e confirmaram que o José Silva tinha um irmão gémeo idêntico, chamado Manuel. Repentinamente, surgem dúvidas. Um abalo na investigação. Grande confusão. Muitas interrogações. Terá sido o José? Ou o Manuel? O que fazer? Foi, então, que o chefe de brigada dá ordens para reverem as imagens da videovigilância que mostram o “José” a entrar na ourivesaria. O investigador principal, subchefe da mesma equipa policial, verifica, desolado, que o Manuel é igual ao José e que os fotogramas do sistema de segurança não conseguem distinguir se é um ou o outro. Eram como duas gotas de água. Iguais. Tal como o ADN. Nem os pais os distinguiam…

Precise-se, agora, em termos científicos.

Nas mulheres em idade fértil, o ovário, estimulado por hormonas, liberta um óvulo em cada ciclo. Após a ovulação, dentro do período de 24 horas, esse óvulo pode ser fecundado por um espermatozoide. Nesta situação, logo de seguida, inicia-se a formação do embrião (o ovo fertilizado divide-se em 2, depois em 4, 16, 32…).

Imagine-se, de repente, sem qualquer explicação, absolutamente devido a simples casualidade, esse embrião divide-se ao meio e que cada metade prossegue a multiplicação celular, desta vez cada qual por seu lado. O mesmo embrião gera, assim, dois. O mesmo património genético dá lugar a dois iguais. O ADN do primeiro passa a ser o mesmo de dois embriões e, portanto, depois, os genes são comuns em dois fetos, duas crianças, dois jovens e dois adultos…

Em resumo, é este o processo de formação de gémeos idênticos, também designados como verdadeiros ou univitelinos.

Para além da aparência semelhante e dos genes serem análogos, o sentir, no plano psicológico, de dois gémeos assume características muito especiais. Antes de tudo, a inabalável solidariedade que, habitualmente, os une (ainda mais do que a união entre dois simples irmãos).

PS: O ADN identificado na saliva dos cigarros será do José ou do Manuel? Atendendo à igualdade do ADN e, também, às imensas parecenças físicas quer da expressão facial, da corpulência, da forma de andar e até do tom de voz, como resolver a investigação policial dos irmãos gémeos idênticos?

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com


[1] O autor, declara, para os devidos efeitos, ter um gémeo idêntico.