Lembrete sobre a Varíola (I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 25 maio 2022

A varíola era uma doença infetocontagiosa provocada um vírus. Já não existe e, por isso, é aqui relembrada em termos de passado. Era uma doença, mas já não é.

Há que relembrar que a varíola foi, em 1980, a primeira doença a ser eliminada do Globo, na sequência da vacinação em massa conduzida em todo o mundo. Antes da declaração oficial de erradicação, o último caso diagnosticado tinha ocorrido tês anos antes, em 1977, na Somália.[1]

A libertação do risco da varíola no Planeta representa, seguramente, o maior marco da Medicina que separa dois tempos históricos diferentes: antes e depois de 1980. Muitos consideram que foi a maior das conquistas que a Saúde Pública alcançou a nível mundial. O plano foi criteriosamente concebido, desenvolvido e avaliado pela Organização Mundial da Saúde. Não há palavras para enaltecer o sucesso que envolveu milhares de trabalhadores da saúde. O mundo ficou livre da varíola a um custo total estimado como inferior a um porta aviões…

Ao longo dos séculos surgia sob a forma de surtos que originavam mortalidade muito elevada (um terço dos doentes morreria). Foram epidemias terríveis que motivaram muitos milhões de mortes. Se bem que a incidência fosse mais elevada entre famílias pobres, a varíola não distinguia classes sociais. Em Portugal, o óbito mais famoso devido à varíola terá sido o príncipe José de Bragança, filho primogénito da rainha Maria I, que morreu aos 27 anos de idade, em 1788.

A varíola, hoje, não subsiste como doença. Porém, o vírus que está na sua origem ainda existe.

Esta equação é importante na perspetiva da clarificação da atual situação.

Ora bem, em 1980 e como o mundo estava dividido em dois blocos políticos distintos a Organização Mundial da Saúde decidiu armazenar o vírus em laboratórios de alta segurança nos Estados Unidos da América e na União Soviética, respetivamente em Atlanta e em Novosibirsk na Sibéria. A ideia inicial era destruir simultaneamente os stocks de vírus depois de terminados os estudos científicos sobre a sua composição genética. Acontece, todavia, que a destruição do vírus tem sido adiada. Ainda bem que assim acontece. Seria um risco para as futuras gerações se o vírus tivesse sido eliminado.

A partir de 1980, perante o cenário de ausência da doença, compreende-se que os governos de todos os países tenham abandonado a vacinação. Assim sendo, todos as pessoas que têm idade inferior a 50 anos não estão protegidas com anticorpos que a vacina teria assegurado. Um risco, portanto.

A varíola transmitia-se por via aérea e tinha um período de incubação que variava de 7 a 17 dias.

Roteiro:

  1. Pox: na língua inglesa refere-se à sífilis que tem como manifestações cutâneas manchas grandes.
  2. Smallpox: é a designação de varíola em inglês, assim chamada porque as manchas cutâneas eram pequenas (bexigas, em português vulgar).
  3. Cowpox: doença bovina provocada por um agente (vaccinia) diferente do vírus da varíola (o produto extraído a partir das lesões é a vacina que assegura proteção cruzada para a varíola).
  4. Monkeypox: palavra inglesa que se refere à infeção de macacos por um vírus parecido, mas diferente da varíola; admitiu-se, erradamente, que tinha como reservatório os macacos (mas tem origem em roedores de África).
  5. Chickenpox: varicela em inglês.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com


[1] O último caso de varíola, em Portugal, foi registado em 1952.