Canábis

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 8 junho 2022

É tempo de falar da canábis. A este propósito há que aplaudir a iniciativa de João Taborda da Gama que escreveu um atraente ensaio intitulado “Regular e proteger: por uma nova política de drogas”, publicado pela Universidade Católica. Trabalho oportuno que devia merecer a atenção de titulares de órgãos de soberania, incluindo os deputados do Parlamento.

Precise-se o tema da canábis.

Ora, o haxixe, à semelhança de tantas substâncias naturais, extraídas a partir de outras espécies vegetais[1], tem indicação médica em certas situações. É obtido a partir de plantas das variedades Cannabis sativa e da Cannabis indica. A preparação para ser consumida é artesanal e muito simples (por maceração). Pode ser inalado (fumo), ingerido ou aplicado em creme.

São muitas as substâncias químicas encontradas na canábis. Umas são psicoativas, outras têm ação anti-inflamatória e analgésica. Os derivados da canábis têm, comprovadamente, as seguintes indicações terapêuticas: dores em doentes do foro oncológico, tratamento da epilepsia refratária em crianças e da esclerose múltipla (serão 6000 portugueses com esta doença).

No Portugal de hoje, a utilização de derivados da Cannabis coloca questões que necessitam de regulamentação na perspetiva da comercialização legal e regulada, visto que tem indicações específicas em terapêutica médica e, por isso, terá que ser rápida a forma legal para ser receitada a doentes.

No que se refere ao uso recreativo os problemas não podem ser ignorados, até por razões de Saúde Pública. O consumo de canábis pode desencadear o aparecimento de psicose (como esquizofrenia) sobretudo em jovens com antecedentes familiares da doença.

É certo que a legalização implica diversas dimensões, desde a plantação até ao consumo, que necessitam de ser revisitadas pelos legisladores. Não é aceitável continuar a adiar decisões. O consumo ilegal e desregulado tem, claramente, riscos mais elevados do que a utilização controlada por Lei.

Ora, a principal substância psicoactiva do haxixe é o tetrahidrocanabinol (conhecido pela sigla THC) que tem níveis de concentração muito inconstantes nas substâncias ilícitas, não controladas, para uso recreativo. Recentemente, um estudo desenvolvido em Itália demonstrou que os THC podem variar de 0,5% a 20%, motivo pelo qual os efeitos no organismo são, do mesmo modo, imprevisíveis, uma vez que o consumidor não sabe a qualidade do haxixe ilegal que ilicitamente adquiriu.

O modelo regulatório do acesso às drogas ilícitas, como a canábis, devia ser inspirado na venda de drogas lícitas, como o álcool e o tabaco.

Quantos seriam os portugueses que imaginariam o seu país sem venda legal de tabaco ou de bebidas alcoólicas?  Não será um assunto sobre o exercício de liberdades individuais garantidas pela Constituição da República?

Afinal, a quem serve a política proibicionista?

A continuação do tráfico ilícito, escondido em underground, apenas seduz os traficantes.

Já a legalização interessaria aos consumidores que passariam a saber da qualidade da substância que pretendem adquirir e, para mais, a preços regulados. Interessaria, também, ao Estado pela tributação que iria originar, tal como à economia agrícola. A sociedade ganharia pela segurança dos cidadãos.

Seria a presença do Estado em lugar de redes criminosas. Questão de bom senso.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com


[1] Digitalina, atropina, quinina, artemisinina, etc.