Epidemias

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 22 junho 2022

Todos reconhecem que Hipócrates (460 aC – 377 aC) é a figura mais importante da Medicina. Adquiriu elevado prestígio na Antiguidade Grega.  Foi ele o primeiro a atribuir causas naturais às doenças, ao contrário do que até então se julgava. As doenças deixariam de estar associadas a crenças religiosas, à magia ou a teorias filosóficas. Criou, na ilha de Cós, a lendária Escola para médicos que passou a separar a Medicina da Filosofia. Curiosamente, pouco se sabe sobre a vida de Hipócrates e daquilo que terá escrito. Admite-se que a sua obra, compilada e traduzida na Biblioteca de Alexandria, terá tido muitos dos seus discípulos como autores e não apenas Hipócrates. Ora bem, dois dos famosos livros, editados na época, foram dedicados às EPIDEMIAS.

Na altura, o historiador grego Tucídides (460 aC – 400 aC), contemporâneo de Hipócrates, presenciou e descreveu a onda epidémica da doença que devastou Atenas durante a Guerra contra Esparta, no Seculo V antes de Cristo. Estranhamente, apesar de

contemporâneos, Hipócrates ignorou os minuciosos relatos que Tucídides fez sobre a epidemia de Atenas.[1]

Muito bem documentada foi, também, na época, a epidemia de papeira (mencionada como inchaço atrás das orelhas por vezes acompanhado de inflamação dos testículos), ocorrida na ilha grega de Thassos, no mar Egeu.

Vocabulário prático popular para leitores de jornais

Cluster: aglomerado de casos de uma mesma infeção com relação temporal e espacial entre eles. O elemento temporal impõe que os casos sejam diagnosticados dentro do período de incubação da doença e a componente espacial refere-se ao local de contágio. É a situação, por exemplo, correspondente à identificação de Covid-19 em membros da mesma família, em dias sucessivos, que convivem no mesmo espaço sem medidas de proteção.   

Epidemia (do grego epi = sobre; demos = povo): tal como resulta da origem grega da palavra, uma epidemia refere-se unicamente a seres humanos quando uma doença surge em determinada região em excesso ao habitualmente esperado. Nestes termos, um só caso de raiva humana, em Portugal, poderia constituir uma epidemia.

Pandemia: uma epidemia que se propaga, rápida e simultaneamente, a nível mundial. Apontam-se, como exemplos, a gripe pneumónica de 1918, a gripe asiática de 1957, a SIDA a partir de 1980 ou, nos tempos de hoje, a Covid-19.

Endemia: refere-se à presença habitual de um agente infecioso ou de doença em determinada região e população (paludismo na Guiné-Bissau).

Epizootia (do grego zoon= animal): doença que atinge animais da mesma espécie e na mesma região. Como, por exemplo, a Doença de Newcastle das aves.

Enzootia: doença de animais que é habitual na mesma região como Monkeypox em macacos em África, tendo roedores como reservatório.

Epifitia (do grego phyton = planta): doença vegetal com carater infecioso que se propaga em plantas de uma mesma área.  Como referência, a título de exemplo, na Irlanda, na década de 1840, as plantações de batatas foram dizimadas por um fungo (míldio da batateira ou também designada como praga da batata).

Zoonose: doença comum a animais e seres humanos.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com


[1] Ainda hoje ignora-se a origem da epidemia. Porém, é provável que as descrições correspondam a uma epidemia de gripe. A obra de Tucídides “História da Guerra do Peloponeso” está disponível em português, publicada pelas Edições Sílabo, em 2008.