Desafios

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 7 setembro 2022

Desde o aparecimento da pandemia da SIDA, em 1980 e do reconhecimento da propagação da resistência aos antimicrobianos, designadamente das bactérias aos antibióticos; dos vírus aos medicamentos antivirais; dos parasitas aos antipalúdicos e até dos mosquitos vetores aos inseticidas (como o DDT), os cientistas perceberam que as crises de Saúde Pública iriam continuar a ocorrer. Admitiram que outras situações poderiam surgir. Recomendaram, desde logo, mais reforço das unidades de resposta a emergências, mais investigação e mais investimento por parte do Estado em Saúde.

Tinham razão. Aconteceram novas crises. Antes e depois da viragem para o Século XXI foram identificados outros problemas, inquietantes, que fizeram reacender preocupações que iriam abalar a segurança das populações e exigir a mobilização de cada vez mais recursos.

Antigos problemas voltaram a reaparecer (como a tuberculose resistente aos medicamentos, doenças transmitidas por vetores), ao lado de outros novos que iriam surgir sem terem sido previstos (como as pandemias provocadas por coronavírus ou a doença do vírus Ébola).

As infeções respiratórias que começaram na Ásia são devidas ao coronavírus que é comum em animais exóticos. Já a epidemia da doença do Ébola, em 2014, que teve início na Costa Ocidental de África, é provocada por um vírus diferente associado aos macacos. Ambas são de origem animal.

Porém, uma multiplicidade de causas poderá explicar o aparecimento de novas crises.

Comece-se pela poluição. Basta comparar uma fotografia[1] de uma cidade e das suas áreas suburbanas, hoje, com outro retrato da mesma cidade há cem anos. São muitas as diferenças: antes de tudo, a imensidão de veículos movidos a combustíveis fosseis; a aglomeração de edificações, resultantes de especulação imobiliária; industrialização desordenada; níveis crescentes de poluição do solo, dos rios, dos oceanos e da atmosfera. Tudo isto agravado pela desflorestação frenética do território; concentração urbana da população; o perfil demográfico envelhecido e a desmedida ligação aérea permanente que une todas as cidades do mundo.

Essas condições são causadoras de maior vulnerabilidade das populações, sem ignorar as desigualdades da qualidade de vida, a persistência da pobreza, as consequentes dificuldades alimentares, o constante agravamento das diferenças sociais entre famílias de altos e baixos rendimentos, bem como os efeitos na saúde provocados pelas alterações climáticas que agravam essa vulnerabilidade, em todo o Planeta. Entre outros efeitos causados pela aceleração das alterações climáticas, o aquecimento global favorece, comprovadamente, a multiplicação de vetores, para além de provocar maior frequência de fenómenos climáticos extremos como secas, inundações, ciclones e ondas de calor.

Assim sendo, como no horizonte não há sinais de melhoria nem remédios milagrosos, há que admitir que irão continuar a acontecer novas crises, novas epidemias e pandemias. Suceder-se-ão.

Moral da história:

É tempo para os governantes prepararem os países para responderem a futuros desafios como epidemias inesperadas e imprevisíveis. É tempo para reforçarem os sistemas de vigilância. É tempo para dedicarem mais investimento à investigação. É tempo para a Saúde Pública ser uma prioridade.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com


[1] Ver as diferenças entre retratos de hoje e há cem anos, no mesmo ângulo.