Mulheres (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 26 outubro 2022

Já aqui foram retratadas, resumidamente, as histórias de duas mulheres portuguesas, contemporâneas. Ambas lutadoras. Uma nascida na Póvoa de Lenhoso, no Minho, e outra, no outro lado do Atlântico, no Brasil, mas ainda integrado no tempo do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.  Uma, foi Maria da Fonte e a outra Ana Maria de Jesus Ribeiro que viria a ser Anita Garibaldi, depois de casar com o célebre general libertador da Itália.

Infelizmente, sabe-se muito pouco do percurso da vida de Maria da Fonte. Terá mesmo existido? Ou será uma alegoria? Um mito? Uma lenda?

Mas, a ser verdade que existiu e admitindo que teria cerca de 20 anos quando liderou a Revolta do Minho, durante a Primavera de 1846, teria sido possível que tivesse nascido na freguesia de Fonte Arcada, por volta de 1826, durante o reinado de Maria II de Bragança.

É um período fascinante da História de Portugal. Era uma época marcada por permanente agitação, expressa por exaltadas lutas, guerras civis, motins, emboscadas, tumultos, escaramuças, revoltas, remexidas, revoluções e golpes palacianos que se seguiram ao Grito da Independência Brasileira, a 7 de Setembro de 1822.

Portugal, em 1846, era, então, um país marcado por imensa pobreza. A população residente ainda não atingia quatro milhões de habitantes. Nesse ano, os adultos eram maioritariamente analfabetos. Em cada dez Portugueses, oito não sabiam ler nem escrever. As povoações estavam isoladas, sem vias de comunicação entre elas e sem meios de transporte. Entre Lisboa e Porto, devido à falta de estradas seguras, as pessoas iam de barco ao longo da costa marítima. As epidemias, associadas à miséria, eram persistentes, em especial a cólera. À frente do Governo estava António Costa Cabral (1803-1889).  Era o Cabralismo.

É nesse período histórico que surge a figura de Maria da Fonte. Real ou fantástica, a ela se deve a Revolta para combater o nepotismo e a corrupção de Costa Cabral.  Para tal, como era preciso animar a mobilização popular, muito terá contribuído o famoso hino, composto no mesmo ano, em 1846, que tem como refrão inspirador:

Eia avante, Portugueses!
Eia avante, não temer!
Pela santa Liberdade,
Triunfar ou perecer!

 E assim aconteceu. Uma vez derrubado, definitivamente, o Cabralismo, em 1851, começou um novo ciclo assinalado pela mudança dos protagonistas políticos. Mais jovens. Mais dinâmicos. Mais patriotas.

Foi a época da Regeneração que proporcionou um processo de aceleração de desenvolvimento socioeconómico, traduzido por indiscutível prosperidade, comandado por António Maria Fontes Pereira de Melo (1819-1887). Foi o Fontismo.

Logo em 1853, começam a ser utilizados selos postais e iniciam-se as obras públicas de assentamento dos caminhos de ferro. O primeiro troço, entre Lisboa e o Carregado, foi inaugurado três anos depois, no mesmo ano da entrada em funcionamento da rede de telégrafos elétricos.

Em 1854, os escravos pertencentes ao Estado são libertos e no ano seguinte é concedida a liberdade a todos os escravos, desembarcados em Portugal, na India e em Macau.

Constroem-se mais escolas. Mais infraestruturas. Há mais Liberdade. Mais desenvolvimento.

Moral da história:

É preciso visitar a Póvoa de Lenhoso. Parar aí. Pensar em Portugal de 1846. Reviver esse tempo. Relembrar o exemplo de Maria da Fonte. Reconhecer que a vontade popular é inquebrantável.

Francisco George
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