Relatos Incompletos dos Anos 60 (IV)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 7 dezembro 2022

Também nos anos 60, o Movimento Estudantil adquiriu expressão política de relevo. Foram, então, conduzidas sucessivas lutas académicas, a favor de melhores condições de ensino e da conquista da Liberdade,

Em 1962, Oliveira Salazar manda proibir as comemorações do Dia do Estudante previstas para 24 de Março. A pacífica concentração dos estudantes promovida para manifestar a discordância com tal medida foi, imediatamente, reprimida pelos bastões da polícia e por centenas de detenções, na Cidade Universitária de Lisboa. Mas, a intervenção policial traduziu-se pelo aumento da coesão, da força e da razão dos estudantes. Na altura, em gesto político inesperado, Marcelo Caetano demitiu-se da sua condição de Reitor da Universidade. Esta sua atitude foi, naturalmente, interpretada como demonstração de apoio aos estudantes.

Habilmente, Caetano esperaria o momento certo para reaparecer.

A 17 de abril 1969, em Coimbra, apesar da promessa inicial em sentido contrário, o Presidente da República, Américo Tomaz, não autorizou o Presidente da Associação de Estudantes, Alberto Martins, a falar na cerimónia inaugural do novo Edifício das Matemáticas. Foi o rastilho que deu origem às incessantes cargas policiais. Em resposta, a Associação Académica promoveu inúmeras manifestações, protestos e greves às aulas e aos exames que impressionaram pelo pacifismo que assumiram. Com as outras universidades solidárias, a Crise de Coimbra representa um símbolo histórico de orgulho para os Estudantes Portugueses.

No ano anterior, a 3 de agosto de 1968, Salazar caiu de uma cadeira, durante as férias no Forte do Estoril. Acabaria por ficar incapacitado na sequência do grave Acidente Vascular Cerebral que sofreu. Foi tratado no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa e depois, já muito incapacitado, sem ter recuperado a lucidez, no dia 1 de maio de 1969, regressou ao Palácio de São Bento convencido que ainda era Presidente do Conselho… Ninguém foi capaz de o informar que, 8 meses antes, durante o internamento, tinha sido exonerado e logo substituído por Marcelo Caetano, a partir de 26 de setembro de 1968.

No final de abril 1969, Salazar gravou um discurso de agradecimento às pessoas que se interessaram pela sua saúde, através de mensagens endereçadas para o Hospital da Cruz Vermelha. Foi um espetáculo deprimente que pode ser facilmente revisitado, recorrendo ao Google a solicitar simplesmente: “discurso de Salazar de 28 de abril de 1968”. As imagens dos arquivos da RTP são tão confrangedoras como angustiantes, mesmo vistas à distância de mais de 50 anos.

Os correligionários mais próximos de Salazar chegaram a montar um espantoso cenário a fingir que ainda mandava no País. Conta-se que até realizaram sessões do Conselho de Ministros, ao estilo de representação teatral.

Os anos 60, foram, igualmente, marcados pelas trágicas cheias que ocorreram nos subúrbios de Lisboa, na noite de 25 de novembro de 1967. As enxurradas provocadas pelas chuvas tiraram a vida a 462 moradores, destruindo 1000 casas de habitação que tinham sido construídas em linhas de água. No dia seguinte, os Estudantes apresentaram-se, voluntariamente, para apoiar as populações afetadas.

Moral da história:

Nos memoráveis anos 60, o contraste entre as Lutas Estudantis em Portugal e as verificadas em maio de 68, em França, foi flagrante.

Francisco George
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