Democracia, Saúde & Impostos

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 28 dezembro 2022

Na Antiguidade, há 2500 anos, o filósofo Clístenes (565 a.C. – 492 a.C.), em Atenas, foi o primeiro a inventar um sistema de escolha de cidadãos para ocuparem cargos de governação do Estado, mas de molde a garantir, sem discriminar, a mesma probabilidade a todos, independentemente dos respetivos rendimentos familiares. Para tal, recorreu ao método do sorteio para selecionar nomes dos “eleitos”, com a condição de serem atenienses e adultos. Aliás, ainda hoje, é esse o processo utilizado para escolher os jurados para participarem em determinados julgamentos, em tribunal.

As políticas democráticas, introduzidas por Clístenes, passaram a legitimar os políticos para representarem o Povo, uma vez que cada cidadão tinha a mesma possibilidade de ser escolhido para desempenhar funções em cargos do Estado.

Reconhecer a absoluta igualdade de direitos passou a constituir a essência da Democracia.

Em Portugal, foi esse mesmo o princípio adotado pela Constituição da República, aprovada em 1976, designadamente para os setores da Saúde, Educação e Justiça.

Desde então, todas e todos passariam a ter a mesma possibilidade em utilizar os serviços de natureza pública, tanto para cuidados médicos preventivos e curativos como de reabilitação ou, também, no que se refere ao acesso à Escola e à Justiça. Sem barreiras, nem qualquer discriminação relacionada com o estatuto social, etnia ou religião.

Todas as pessoas deviam ter os mesmos direitos em aceder aos serviços públicos do Estado Social.

Por isso, desde a criação do Serviço Nacional de Saúde, em 1979, as redes de hospitais, de centros de saúde e de outras unidades, são financiadas pelo Orçamento de Estado (cujas receitas resultam da cobrança de impostos e taxas). Como, em regra, os ricos pagam mais impostos diretos do que os pobres (IRS, por exemplo), no ato correspondente à prestação de cuidados de saúde não devia haver lugar a mais pagamentos extra. Foi esta a ideia que fundamentou, no início, o processo de construção do Serviço Nacional de Saúde. Assim, todas as pessoas teriam as mesmas oportunidades no acesso.

Porém, muitas voltas na política fiscal, entretanto ocorridas, a partir de 1986, acabariam por alterar os princípios fundamentais da tributação de impostos pelas Finanças. Essas mudanças, traduzidas pela cada vez maior importância relativa do pagamento de impostos indiretos, são geradoras de desigualdades entre ricos e pobres, em especial no ato de consumo.

Ora, como se sabe, o famoso imposto sobre Valor Acrescentado (conhecido como IVA) é pago pelo consumidor no momento da aquisição do bem ou do serviço: um café expresso na pastelaria do bairro ou um quilograma de carne no talho ou um litro de combustível ou o arranjo do automóvel na oficina tem a mesma carga fiscal sem ter em consideração os rendimentos familiares do consumidor. Ricos e pobres pagam o mesmo. Sublinhe-se que as receitas arrecadadas pelo Fisco, resultantes do consumo de bens e serviços, são provenientes, em igual montante, indiscriminadamente, por quem ganha o salário mínimo de 760 euros mensais ou como por quem tem remunerações 10 vezes mais…

No último ano, em comparação com o anterior, as receitas ficais correspondentes aos impostos indiretos (que incluem o IVA) subiram de 29,5 para 32,7 mil milhões de euros (um acréscimo de 3,2 mil milhões). O que pensar?

Francisco George
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