Provedor ou Provedora?

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 12 abril 2023

(reflexão sobre a nomeação para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa)

Já aqui se escreveu sobre a importância da continuidade da implementação de ações sociais de carácter humanitário de apoio à população mais carenciada. Nessa perspetiva, a criação da primeira Misericórdia, junto da Sé de Lisboa, em 1498, representou um marco que assinala a diferença entre um tempo antes e depois. A rede de confrarias desta natureza, estabelecida desde logo, em todo o país, viria a reduzir o sofrimento de muitos portugueses. Na época, como, aliás, durante a Idade Média, a pobreza, a fome e as doenças eram responsáveis por tremenda mortalidade, agravadas pela ocorrência de epidemias como a peste negra.

A complexidade da gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é reconhecida pela legislação vigente que coloca a própria instituição no chamado perímetro orçamental. Ora, como se sabe, a propósito do iminente final do mandato do atual Provedor têm sido difundidas múltiplas notícias sobre eventuais sucessores que se perfilam para serem nomeados, atendendo ao desafio que, sem dúvida, constitui e ao interessante salário a receber pelo exercício do cargo, uma vez que correspondente à remuneração mensal equiparada a gestor de empresa pública do grupo A e de nível de complexidade 1, a que corresponde a remuneração mensal superior a 8200.00 euros.

A esse propósito um jornal semanário anunciava a constituição de um movimento “espontâneo” de apoio a um antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa e outro órgão de comunicação dava como certa a transferência da atual Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa para a Santa Casa. As duas hipotéticas candidaturas têm em comum serem protagonizadas por dois septuagenários, pensionistas e antigos ministros socialistas. Não está em causa nem duvidar da inteligência que certamente terão nem do genuíno interesse em prosseguirem a obra humanitária iniciada pela rainha Dona Leonor. O problema não é esse, sublinha-se. É antes de tudo a questão relacionada com a forma da escolha da pessoa certa.

Repare-se que as nomeações anteriores foram baseadas em preferências exclusivamente internas de entre pessoal político do partido maioritário. Modelo que respeita a legalidade e de legitimidade indiscutível. Mas, agora, é diferente. Teria toda a oportunidade a equação de uma mudança de critérios no processo de seleção de novo Provedor. À semelhança do que acontece com a designação de tantos outros altos cargos de gestores seria razoável que a opção fosse baseada apenas em termos de mérito. Para tal, não seria adequado propor um sistema de peneira do tipo CRESAP? Não teria oportunidade a abertura de concurso para o preenchimento do lugar, à semelhança, por exemplo, de qualquer nomeação de um diretor-geral da Administração Pública? É sabido que a escolha para suceder à Diretora-Geral da Saúde, também ela em final de mandato, tem regras bem estabelecidas, a começar na idade que deve ser inferior a 70 anos. Assim sendo, estas normas não poderão ser motivo de inspiração para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa?

Moral da história:

Desconhece-se, ainda, o pensamento oficial sobre o tema e a decisão final que será tomada.

Uma coisa é certa: a mudança no sentido da transparência seria, mais do que nunca, muito aplaudida pelos eleitores.

Francisco George
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