Ainda Sobre Septuagenários

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 19 abril 2023

(reflexão aos comentários recebidos)

A propósito do artigo de opinião aqui publicado, interessa voltar ao tema não só na perspetiva de equacionar a questão à luz das leis portuguesas, mas também para esclarecer posições de princípio sobre a imposição do limite de idade aos 70 anos no exercício de funções públicas (apenas decretada para funcionários públicos).

Como se sabe, quando em 28 de Maio de 1926 o golpe de Estado de Gomes da Costa derrubou o presidente Bernardino Machado, a governação democrática foi substituída pelo regime de Ditadura que só terminaria 48 anos depois, em abril de 1974.

Em 1926, no final de golpes e contragolpes, então ocorridos, é o general Óscar Carmona que assume a presidência e que começa por desterrar para os Açores o marechal Gomes da Costa. É ele que passa a liderar o país em sistema ditatorial. Poucos dias após a conquista do poder mandou publicar o Decreto nº 11:944 que, estranhamente, no essencial, ainda está em vigor. É esta lei que no seu artigo 1º determina: “É fixado em 70 anos o limite de idade, atingido o qual será imposta aos funcionários civis do Estado a aposentação a que tiverem direito…”. Sublinhe-se, impõe a aposentação aos 70 anos!

A implementação da lei impediu a continuidade do desempenho do cargo a muitos portugueses, mesmo os mais afamados e competentes, como sucedeu com o antigo Diretor-Geral de Saúde, Ricardo Jorge, que completou 70 anos de idade em 1928 e que viria a morrer em 1939.

Mais recentemente, em 2014, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas continua a estipular, entre outros critérios, que o vínculo de emprego público caduca quando o trabalhador complete 70 anos de idade (artigo 292º). 

Se bem que de forma distinta, os limites de idade são, igualmente, previstos nos três ramos das forças armadas, incluindo no que se refere às idades adequadas para as respetivas promoções na carreira.

O autor deste texto, abandonou obrigatoriamente as funções que desempenhava no dia em que completou 70 anos. Sabia que assim aconteceria desde o primeiro dia que tinha escolhido ser funcionário publico. Aliás, ainda considera essa disposição da Lei compreensível e aceitável, em nome do interesse, também admissível, da renovação de quadros e da criação de novas oportunidades a colegas mais novos.

Outra coisa totalmente diferente, é constatar a existência de certos cargos dirigentes de instituições pertencentes à órbita do Orçamento do Estado, onde este princípio do limite de idade não é observado. É legal, mas incompreensível.

Moral da história em três pontos indiscutíveis para pessoas de bem:

1. A lei que proíbe o trabalho de funcionários públicos septuagenários foi aprovada logo após o Golpe de 1926 que derrubou a I República. Apesar disso, essa medida continua, no essencial, em vigor.

2. Completar 70 anos de idade não pode representar uma diminuição da capacidade para exercer qualquer cargo da Administração do Estado (capitis diminutio na expressão usada no Direito Romano). Não pode. Esse limite só é razoável devido à importância da renovação pela abertura de oportunidades a outros. Os septuagenários assim afastados podem, querendo, trabalhar como liberais ou políticos ou desempenharem cargos voluntários em organizações humanitárias!

3. A Lei deve ser aplicada todas as instituições. Os eleitores rejeitam nomeações de favor partidário.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com