O Estado Social

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 24 maio 2023

Como se sabe, a ideia de um Estado mais justo, com menos diferenças entre ricos e pobres, ganhou grande expressão popular na Europa, sobretudo em Inglaterra, depois da Vitória dos Aliados, em Maio de 1945. Na altura, uma vez ganha a Guerra, a prioridade era melhorar as condições de vida das populações.

Reconstruir. Ir para a frente. Trabalhar. Era necessário reerguer infraestruturas e edificações urbanas devastadas pelas bombas alemãs do Blitz. Mas, ao mesmo tempo, era preciso transformar as políticas públicas. A população exigia mudanças. Impunha-se construir o Estado Social. Era importante garantir a todas as pessoas o acesso à Saúde, à Escola, à Justiça, à Segurança Social e à Habitação, mas sem discriminações. Emergiu a atração pelo Labour como sinónimo de eliminação de iniquidades.

Só assim se compreende que o famoso líder conservador Winston Churchill, mesmo depois da glória que justamente alcançou, tenha, logo a seguir, poucos dias depois, perdido as eleições gerais. As classes mais pobres, os trabalhadores e sindicalistas, animados por um entusiasmo contagiante, votaram por vida nova.

O trabalhista Clement Attlee, ao derrotar nas urnas Churchill, foi eleito primeiro-ministro em Julho de 1945. Surpreendeu. Quase parecia uma heresia dos eleitores que não votaram no seu herói maior. Os eleitores escolheram mudar.

Reconheceram que a essência do regime democrático impõe a absoluta igualdade de direitos. Os privilégios antigos da aristocracia abastada tinham que terminar.

Iria começar uma nova era, em tempo de paz. As políticas democráticas passaram para a Linha da Frente. O liberalismo perdeu.

Surge então o National Health Service (Serviço Nacional de Saúde), a Segurança Social para todos, a Educação gratuita e o desenvolvimento do audacioso programa de habitação.

Em Portugal, 30 anos depois, foi esse o ESPÍRITO da Constituição da República de 1976.

Todas as pessoas passariam a ter a mesma possibilidade em utilizar os serviços de natureza pública, tanto para cuidados médicos preventivos e curativos como de reabilitação ou, também, no que se refere ao acesso à Escola e à Justiça. Sem barreiras, nem qualquer marginalização associada ao estatuto social, etnia ou religião.

Era a ideia do Estado Social.

Por isso, desde a criação do Serviço Nacional de Saúde, em 1979, as redes de hospitais, de centros de saúde e de outras unidades, são financiadas pelo Orçamento de Estado (cujas receitas resultam da cobrança de impostos e taxas).

Como os ricos pagam mais impostos diretos do que os pobres (em sede de IRS, nomeadamente), no ato correspondente à prestação de cuidados de saúde não haveria lugar a mais pagamentos extra. Foi esta a conceção que fundamentou, no início, o processo de construção do Serviço Nacional de Saúde. Todas as pessoas teriam as mesmas oportunidades no acesso e, portanto, no ponto de contato com o Serviço não ocorreriam diferenças de pagamento. As contas estavam feitas antes, relacionadas com a carga de impostos de cada contribuinte.

Moral da história:

É altamente recomendável ver o filme “The Spirit of 45”, realizado pelo cineasta inglês Ken Loach. Trata-se de uma obra que retrata a força do entusiasmo pela construção do Serviço Nacional de Saúde que, por si só, foi capaz de derrotar políticas liberais, mesmo quando são protagonizadas por líderes da dimensão de Churchill.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com