Opinião Pessoal XXXVIII

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 25 setembro 2024

Em Agosto, nos habituais alfarrabistas de fim-de-semana da feira de Colares, comprei um exemplar das “Crónicas de Fernão Lopes”, da Portugália Editora. Ao ter topado esta edição na banca, no meio de dezenas de outros livros usados, logo decidi pela compra. Ainda por cima, a prosa original de Fernão Lopes estava transposta para português moderno pelo historiador António José Saraiva (1917-1993) que assina, também, a introdução. Aliás, este texto introdutório, só por si, é imperdível, sublinho.

Fernão Lopes (1385-1460) foi Guarda-Mor da Torre do Tombo e por decisão de Dom Duarte acumulou este cargo com o de Cronista-Mor do Reino com a incumbência de escrever a história dos reis de Portugal.

Ora, vou relatar, de forma resumida, um dos episódios aí descritos por Fernão Lopes que foi passado no reinado de Dom Pedro (1320-1367) e que certifica a fama de justiceiro cruel e de déspota do nosso oitavo rei.

Centremo-nos na Idade Média e atentemos no rigor da sentença aplicada por iniciativa própria do rei, tal como é descrita no texto de Fernão Lopes:

Como El-Rei mandou capar um seu escudeiro porque dormia com uma mulher casada”:  Dom Pedro, ao saber que o seu escudeiro Afonso Madeira seduziu Catarina  que era uma mulher “briosa, louçã, e muito elegante, de graciosas prendas e de boa sociedade”, mas que era casada com o corregedor Lourenço Gonçalves da corte do rei “mandou-o tomar na sua câmara e corta-lhe aqueles membros que os homens em maior apreço têm. Afonso Madeira foi pensado e curou-se, mas engrossou nas pernas e no corpo e viveu alguns anos com o rosto engelhado e sem barba. Morreu depois, de sua morte natural”.

Conclusão médica: a pena de castração aplicada pelo rei Dom Pedro a Afonso teve como consequência impedir a secreção fisiológica de testosterona que é a hormona masculina produzida pelas células de Leydig dos testículos. A descoberta da testosterona foi possível apenas em 1935. Como se sabe é a hormona responsável pelas características masculinas, incluindo o crescimento dos pelos e da barba. Compreende-se, assim, que o “pobre” do Afonso Madeira tenha perdido a barba.

Conclusão civilizacional: a crueldade do castigo imposto pelo rei Dom Pedro ao seu escudeiro Afonso Madeira fez-me lembrar, por associação de ideias, o atraso civilizacional que representaria a aprovação de penas semelhantes para determinados crimes de natureza sexual, ainda hoje defendidas por alguns políticos retrógrados. Por isso, é importante salientar que Fernão Lopes relata este episódio que aconteceu há mais de 660 anos, na Idade Média, portanto.

Conclusão moral: Pedro I, casado Constança, foi amante de Inês de Castro e de outras mais.

Francisco George
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