Opinião Pessoal XLI

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 16 outubro 2024

Todos os especialistas em Saúde Pública são unânimes ao reconhecer que o aumento progressivo da esperança de vida à nascença, verificado a partir do segundo quartel do século XX, tem duas grandes explicações:

1. A desinfeção da água de abastecimento para consumo humano;

2. O desenvolvimento de programas de vacinação.

Ora, como as vacinas, com frequência, têm atenção por parte dos órgãos de comunicação social, para além de abundantes campanhas de marketing (como as que visam promover a vacinação contra a gripe e covid-19), decidi, hoje, dar mais ênfase à importância da potabilidade da água para a saúde das populações, na perspetiva preventiva.

Começo por recordar que a água captada em poços, nos rios ou em lagos, só começou a ser filtrada e desinfetada há relativamente pouco tempo. Neste processo, Portugal atrasou-se antes de 1974. A situação era triste. Imagine-se que, segundo dados oficiais da época, em 1970, apenas 40% das habitações eram abastecidas de água ao domicílio e destas, somente 25% tinham boas condições. Uma vergonha indesculpável, até porque já se sabia que a água não desinfetada transmitia aos consumidores numerosas doenças, tanto de natureza bacteriana, como viral ou parasitária: gastroenterites agudas, diarreias, cólera, disenteria, hepatite A, infeções por rotavírus e adenovírus, etc, etc.

Vamos à História:

A transmissão da cólera pela água foi demonstrada pelo médico inglês John Snow (1813-1858), durante as devastadoras epidemias, então ocorridas, em Londres (1855). Neste âmbito, Snow escreveu o célebre artigo com as suas observações e conclusões intitulado: On the Mode  Communication of Cholera.

Porém, 100 anos antes, o médico português, Duarte Lopes, que exercia em Buarcos (Coimbra), controlou uma grave epidemia, ali verificada, com origem em fonte contaminada que mandou encerrar para, logo depois, ter terminado a epidemia. Ribeiro Sanches (1699-1783) enalteceu a ação de Duarte Lopes no Tratado que editou em Paris (1756).

Foi preciso esperar pela aurora do século XX para ter sido introduzido o cloro na água para abastecimento público (1902). A partir de 1905, desenvolveu-se o método da cloragem contínua dos sistemas de aprovisionamento de água através do hipoclorito de sódio (lixívia).

Testemunho pessoal:

Iniciei a minha carreira de delgado de saúde, em 1977, no distrito de Beja. Como, na altura, a maioria das povoações ainda não dispunha de abastecimento de água, era preciso desinfetar a água dos poços. Para tal, usávamos potes de barro com cloreto das lavadeiras que eram mergulhados no fundo do poço por uma corda, na ideia do cloro sair pelos poros do barro (método da DGS,  proposto por Lobato Faria).

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com