Opinião Pessoal (XI)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 21 fevereiro 2024

Ao jantar na “Ribeirinha de Colares”, em amena conversa com netos, o mais novo, ainda adolescente, influenciado pelos debates políticos pré-eleitorais, colocou-me a questão de querer perceber a diferença entre os candidatos da Esquerda e da Direita. Pretendia saber a justificação da designação e, também, classificar cada um dos partidos concorrentes às eleições de 10 de Março.

Naturalmente, procurei pensar na minha resposta que teria que ser clara, mas sem ser tendenciosa. Resolvi introduzir algum conteúdo pedagógico.

Foi um exercício difícil que julgo ter conseguido com sucesso.

Relato.

Comecei por dizer que a origem da designação de esquerda ou de direita estava, no plano histórico, associada à Revolução Francesa no final do século XVIII. Nessa altura, nas assembleias, os lugares ocupados pelos representantes do povo eram do lado esquerdo e os aristocratas, defensores da Monarquia, sentavam-se do lado direito. Em termos físicos era uma exposição facilmente compreensível.

Ainda sobre a disposição dos assentos, fiz um esquema de um hemiciclo ao estilo da Assembleia da República. Com o desenho foi mais fácil explicar que havia lugares não só à esquerda como à direita, mas também ao centro e nos extremos.

A seguir foi necessário passar à fase dos esclarecimentos sobre as diferenças ideológicas. Comentei que os da Esquerda queriam mudanças rápidas no sentido da melhoria das condições de vida. Lutavam por salários mais altos. Não queriam ser explorados. Combatiam por condições de habitação dignas e pela prosperidade coletiva. Pela Justiça social. Já os da Direita eram conservadores. Não desejavam qualquer mudança de regime. Não tinham preocupações sociais.

Eram estas as ideias básicas para aquele tempo. Atualmente, apesar de terem passado 235 anos, permaneceram as designações de Esquerda e Direita, respetivamente para progressistas e para conservadores.

A conversa prosseguiu.

Acrescentei, logo depois, que muitos Estados-membros da União Europeia mantinham a mesma tradição na ocupação de lugares dos deputados nos respetivos parlamentos.

Foi então, que perguntou:
–  Ó Avô, como é em Portugal?

Respondi de imediato:
– Os 230 deputados da Assembleia da República sentam-se nos lugares ordenados da direita para a esquerda, assim: na estrema direita está o CHEGA, depois a Iniciativa Liberal, o PSD, o PAN, o PS, o LIVRE, o PCP e o Bloco de Esquerda.

Comentou logo:
– Já percebi!

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (X)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 14 fevereiro 2024

Sobre as eleições, já escrevi que, para mim, as medidas preconizadas para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) nos programas eleitorais são determinantes na opção do voto.

Considero que todas as pessoas residentes em Portugal deverão ter direito a cuidados de saúde de qualidade, sem nenhuma discriminação.

O SNS é financiado pelo Estado, isto é, por verbas oriundas da coleta de impostos que todos pagamos. Este ano, pela primeira vez, as despesas do Orçamento com a Saúde ultrapassam 15 mil milhões de euros.

Curiosamente, quando analiso propostas associadas ao SNS, revivo o tempo da sua criação em 1979. Sinto prazer em recordar os dias antes da aprovação da Lei pelo entusiasmo contagiante vivido por muitos de nós. Na altura, eu era um jovem médico, delegado de saúde no pequeno concelho de Cuba, perto de Beja.

Em 1978, Mário Soares formara o II Governo Constitucional que durou apenas 7 meses. Apesar do curto período, houve energia para lançar as ideias principais que iriam ser a base da Lei aprovada no ano seguinte. O ministro da Saúde, António Arnaut, visitou o Baixo Alentejo para ensaiar os seus projetos de integração das unidades que estavam até então dispersas em pequenas “capelas”: o hospital concelhio da Misericórdia, a assistência aos tuberculosos (IANT), o centro de saúde, os serviços da Caixa de Previdência e da Casa do Povo… Essa dispersão, não só física como também funcional, marcada pela multiplicidade de chefias, representava um sério obstáculo à nova organização dos cuidados de saúde. A mudança era difícil. Mas, a coragem e determinação de Arnaut eram geradoras de inspiração e ânimo.

Uma vez fui ao Gabinete do Ministro, tendo sido recebido por um médico que deu importantes contributos à Reforma que se aproximava. Nunca esqueci a classe de Manuel Sá Correia, obstetra em Viseu que estava em Lisboa como assessor para a Saúde Materna do Ministério. Insistia que proteger mães e crianças era uma prioridade absoluta. Estratégia que foi cumprida com sucesso.

No plano político, Arnaut terminou o seu mandato de ministro em consequência da queda do II Governo. Porém, como deputado, continuou a batalhar pela construção do Serviço Nacional de Saúde que conseguiria aprovar na Assembleia da República, no dia 28 de Junho de 1979, tendo, simbolicamente, presidido à Sessão, uma vez que era Vice-Presidente da Assembleia.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.pt

Opinião Pessoal (IX)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 7 fevereiro 2024

O Instituto Português de Oncologia comemorou o seu primeiro centenário. No âmbito das iniciativas promovidas pela atual Administração, a Imprensa Nacional acaba de editar o volume intitulado “O Essencial sobre o IPO Lisboa”, escrito pela historiadora Helena da Silva. Trata-se de um pequeno livro que descreve o percurso do Instituto ao longo de 100 anos. Considero que a obra, para além de oportuna, assume indiscutível interesse, sobretudo no contexto atual de eleições, visto que apresenta propostas a serem implementadas a curto, médio e longo prazos. Acaba por ser a história do IPO desde a sua fundação até ao futuro.

Há 50 anos, quando terminei o curso na Faculdade de Medicina de Lisboa, o IPO era uma referência muito respeitada por todos os médicos. Mas, na altura, lembro-me de ter ficado admirado com a sua dependência em relação ao Ministério da Educação e não ao Ministério da Saúde, como eu imaginaria mais normal. Fui, então, deslindar a razão que explicaria a minha estranheza inicial. Não demorei a descobrir que o Instituto fora criado por iniciativa do ministro da Instrução Pública, António Sérgio, na tripla perspetiva da promoção da investigação, do ensino e da assistência.

O decreto de António Sérgio, logo promulgado pelo Presidente Manuel Teixeira Gomes, a 29 de Dezembro de 1923, desenhou, para sempre, a fronteira para o novo tempo da Medicina Portuguesa.*

Encontrei, igualmente, a explicação para as duas denominações sucessivas do Instituto: primeiro “estudo do cancro” e depois “de oncologia”.

Preciso.

Na Antiguidade Grega, os médicos observaram que as veias dilatadas e vasos linfáticos engorgitados que rodeavam o aparecimento de uma massa (tumor) faziam lembrar as patas de um caranguejo. Por isso, chamaram à massa Karkinos que em grego significa caranguejo e que traduzido para o latim é cancer. Ora, assim se explica que o símbolo do IPO, ainda hoje, seja a imagem de um caranguejo.

Por outro lado, como o aparecimento de uma massa era condição para estabelecer o diagnóstico de cancro e, uma vez que em grego onkos significa massa, conclui-se que a expressão Instituto Português de Oncologia é, absolutamente sinónima de Instituto Português para o Estudo do Cancro, designação que consta do Decreto de 1923.

* Relembro que António Sérgio e Teixeira Gomes são figuras maiores da Cultura e da Política na primeira metade do Século XX.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (VIII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 31 janeiro 2024

Sobre as eleições de 10 de Março já aqui escrevi que a minha escolha resultará da apreciação que eu mesmo irei fazer até ao momento antes de colocar na urna o boletim de voto. A decisão decorrerá do conteúdo do Programa Eleitoral, sobretudo para a Saúde e da minha análise sobre o perfil de cada candidato às eleições para aplicar as propostas anunciadas. Claro que neste processo, o pretendente a primeiro-ministro assume o peso principal.

Já aqui manifestei a minha opinião em considerar que votar é quase um dever para quem tem mais de 18 anos de idade. Por conseguinte, nas semanas que nos separam até 10 de Março há tempo para refletir, desde já, nas ideias e nas políticas públicas que cada Partido pretende desenvolver. Mas, é essencial que os programas sejam realistas na perspetiva de poderem ser realizados.

Por outras palavras, é preciso distinguir se determinado discurso político traduz ideias exequíveis ou se, pelo contrário, são demagógicas.

A esse propósito e a título de mero exemplo, relembro que John Kennedy, em 1961, proferiu o célebre discurso a prometer a ida do homem à Lua até 1970. Muitos julgaram que era uma promessa trapaceira e até impossível de realizar. Porém, como se sabe, foi cumprida e antes do tempo previsto.

Imaginemos, agora, passados 55 anos dos inesquecíveis passos de Neil Armstrong na superfície lunar, que em Portugal surge um candidato a prometer a “Lua”, traduzida em 2000 euros mensais de pensão mínima para todos, se ganhar as eleições …

Não gosto de demagogias, sublinho.

Para mim, o contrato social para a Saúde ocupa atenção principal. A opção em quem votar impõe a garantia do funcionamento regular do Serviço Nacional de Saúde que possibilite o acesso, em condições de igualdade, a pobres ou ricos, a portugueses ou estrangeiros ou imigrantes. Para tal, as reformas terão que ser implementadas em diálogo com os respetivos representantes de sindicatos e ordens profissionais, na certeza que as carreiras têm que ser atrativas em todos os planos, incluindo os regimes de remuneração. Há que investir mais em saúde mental e nos serviços de saúde pública, dando primazia à prevenção das doenças e promoção da saúde. Revitalizar a capacidade tecnológica do SNS e clarificar a relação com o setor privado são aspetos prioritários.

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (VII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 24 janeiro 2024

As eleições aproximam-se. Naturalmente, cada pessoa é livre de votar. A sua preferência resultará da análise das propostas apresentadas pelos diferentes partidos. A mudança do sentido de voto, de eleição para eleição, é um acontecimento habitual em regime democrático. Se assim não fosse, as pessoas só votariam uma única vez na sua vida…

Agora, à distância de poucas semanas até ao dia das eleições, é tempo para um julgamento tranquilo, após leitura atenta das propostas eleitorais, sem excluir o seguimento dos debates entre os candidatos.

Há, ainda, muito tempo pela frente. Cada eleitor poderá avaliar os programas e fazer uma análise comparativa. Como se sabe, ao contrário das eleições para as autarquias locais, só os partidos podem concorrer à Assembleia da República, tal como define a Constituição da República. Serão eleitos 230 deputados.

Como, muitas vezes, as propostas prometidas pelos dirigentes dos partidos não são inteiramente cumpridas, também interessa ter em conta o caráter dos líderes.

No meu caso, a minha opção de voto resultará não só do conteúdo dos princípios declarados em cada Programa, mas também, do perfil do candidato a primeiro-ministro (PM).

O meu modelo para votar é simples: programa partidário + líder = decisão do voto.

Antes de mais, importa realçar que votar é bom. É um direito e quase um dever. Pelo menos, no plano cívico é mesmo um dever. Só quem vota poderá, em consciência, exprimir-se para aplaudir ou criticar a condução dos assuntos políticos do Estado e a situação do país.  A abstenção que traduz desinteresse em escolher as políticas e os políticos, não é aceitável nas sociedades democráticas.

Eu vivi 27 anos em regime autoritário de Salazar e Caetano. Sei bem o significado da ausência de liberdades. Quando, em 1975, votei para a Assembleia Constituinte senti uma alegria que não consigo descrever em palavras.

Agora, a 10 de Março, no que me diz respeito, atendendo à vida de médico que exerço desde há 50 anos e às funções oficiais que já desempenhei, para mim, o capítulo mais importante do Programa Eleitoral é o que se refere à Saúde, no contexto do Estado Social.

O meu voto recairá no partido que assegure o pleno funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, mas associado ao candidato a PM com o perfil que me inspire confiança. Voltarei ao tema.

(continua quarta-feira)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (VI)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 17 janeiro 2024

Termino hoje as notas que escrevi sobre doenças transmitidas por mosquitos, incluindo o paludismo (conhecido, entre nós, por sezões).

Relembro o ciclo do agente do paludismo: no momento da picada o mosquito aspira sangue e o parasita (se estiver presente no sangue da pessoa que foi picada) que se multiplica no estômago do mosquito. Quando o mosquito voltar a picar outra pessoa, além de sugar o sangue para se alimentar, durante a picada, também injeta nessa pessoa o parasita que transporta.

Assim acontecem as doenças transmitidas por vetores.

No caso do paludismo, é preciso acentuar que há uma especificidade absoluta entre o parasita da doença e o mosquito que a transmite. Isto é, apenas os mosquitos do género Anopheles têm capacidade para transmitir o paludismo.

Eu sou daqueles que pensam que o paludismo não deverá regressar a Portugal porque a espécie do mosquito aqui existente, Anopheles artroparvus, não aceita o parasita africano do paludismo. Por outras palavras, os parasitas do paludismo não podem completar o respetivo ciclo de vida porque não se multiplicam no estômago dos mosquitos aqui existentes, mesmo que um doente com paludismo, proveniente de África, seja picado pelo Anopheles artroparvus. Isto é, em Portugal, o ciclo do parasita é interrompido.

Realço que a luta de erradicação do paludismo em Portugal (meados do século XX), conduzida por Francisco Cambournac, eliminou a estirpe do parasita Plasmódio, agente da doença, pelo tratamento com quinina de todos os doentes. Sublinho: já não há pessoas residentes em Portugal com o parasita no sangue capaz de se reproduzir no mosquito “português”.

Os mosquitos incomodam, sobretudo à noite, picam e provocam lesões cutâneas com prurido insistente, MAS NÃO TRANSMITEM PALUDISMO.

Bem diferente, é o risco que existe de surgir uma epidemia de dengue, chikungunya ou de zika. São infeções virais, todas transmitidas por mosquitos do género Aedes. No Continente, estes mosquitos já foram identificados, mas não infetados. 

Para além das consequências em Saúde Pública, especialmente o risco de alterações fetais originadas pela infeção do vírus zika em mulheres grávidas, o turismo seria atingido com gravidade. Como é natural, os turistas não passam férias em zonas de risco…

Conclusão: é urgente que o Estado invista mais em prevenção. Sem demoras.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.pt

Opinião Pessoal (V)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 10 janeiro 2024

Para continuar a “série” da crise climática, dedico o espaço de hoje ao paludismo.  Irei clarificar a questão relacionada com o risco de o paludismo regressar a Portugal. Ora, esse risco é quase zero, apesar de ser verdade que o aquecimento global é gerador de condições ambientais favoráveis à multiplicação de diversas espécies de mosquitos vetores de doenças.

O paludismo é um caso especial.

Tentarei escrever por palavras simples, apesar da complexidade do assunto. Lembrar-me-ei da experiência que vivi em África e, sobretudo, dos ensinamentos de Francisco Cambournac.

Começo pelo princípio. O paludismo, também chamado malária, é uma doença que uma pessoa pode adquirir na sequência da picada de um mosquito-fêmea Anopheles, mas só quando esse mosquito transporta um parasita do género plasmódio.

Por agora, vamos esquecer a famosa advinha sobre “quem apareceu primeiro, o ovo ou a galinha?”

Voltando ao mosquito.

Note-se que só as fêmeas se alimentam de sangue, devido à necessidade das suas refeições terem de ser ricas em proteínas por razões associadas à postura de ovos (já os machos alimentam-se de sucos vegetais). A fêmea-mosquito, quando tem fome ou sede, pica uma pessoa para se alimentar. Se esta refeição sanguínea, obtida pela picada, sugar sangue humano que tenha parasitas do paludismo irá reter no seu estômago esses mesmos parasitas. Acontece que estas formas parasitárias reproduzir-se-ão no próprio estômago do mosquito. Sublinho que esta reprodução é sexuada. Isto é, as formas parasitárias femininas e masculinas do plasmódio, ambas aspiradas durante a picada, multiplicam-se no mosquito. Depois, as novas gerações do parasita, que resultaram desta reprodução, serão inoculadas quando o mosquito-fêmea se alimentar de novo pelo sangue de outra pessoa. É assim que esta pessoa, ao ser picada, adquire os parasitas que se encontram no mosquito que penetram nos glóbulos vermelhos do seu sangue, onde irão ter nova multiplicação, mas assexuada.

Em síntese, o ciclo dos parasitas tem duas multiplicações, sendo uma sexuada (no mosquito) e outra assexuada na pessoa que irá adoecer porque ficou com os parasitas no seu sangue. Se, por mero acaso, for picada por outro mosquito-fêmea, esses parasitas serão sugados juntamente com o sangue e haverá, de novo, reprodução sexuada e assim por diante…

(continua quarta-feira)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (IV)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 3 janeiro 2024

Conheci de perto Francisco Cambournac (1903-1994). Era um médico e cientista muito respeitado a nível internacional. Tinha sido diretor da Organização Mundial da Saúde para a Região Africana. Em 1983, acompanhei-o nas matas da Guiné-Bissau a ensinar os novos técnicos de laboratório a diagnosticar paludismo. Mesmo sem a ajuda de corantes treinava os guineenses na observação ao microscópio de lâminas com uma gota de sangue para poderem identificar a presença dos parasitas vivos dentro dos glóbulos vermelhos. Cambournac tinha 80 anos e eu 36. Ao percorrermos as picadas através dos mangais, por vezes ele parava para tirar do bolso uma luneta telescópica para espreitar uma ave que tinha visto ao longe. Sabia o nome comum e em latim da espécie que logo reconhecia. Foi o único sábio que conheci.

Nos dias de hoje, relembro as suas conversas sobre a erradicação do paludismo em Portugal.

Vem este tema a propósito da atual crise climática e do aquecimento global que resumi em crónicas anteriores. Isto, porque a invasão de novos mosquitos capazes de transmitirem doenças é facilitada não só pelas condições climáticas favoráveis à reprodução destes artrópodes (o aumento da temperatura transforma regiões temperadas em subtropicais) e, também, a maior mobilidade de viajantes e mercadorias (como pneus). A crescente resistência dos mosquitos aos inseticidas é outra preocupação afim.

Foi assim que o mosquito Aedes aegypti surgiu no Funchal, em 2005, causando em 2014 uma epidemia de dengue que motivou elevados prejuízos da economia regional pela crise de turismo que originou.

Desde 2017, os sistemas de vigilância de vetores identificaram a espécie Aedes albopictus em Penafiel e, no ano seguinte, em Loulé. Em 2022, foram reconhecidos esses mosquitos no Alentejo e, em Setembro de 2023, foi confirmada a sua presença no município de Lisboa. Por isso, a DGS e o Instituto Ricardo Jorge tomaram medidas para reforçar a vigilância entomológica (aumento da captura de mosquitos em armadilhas a fim de serem analisados) e a vigilância epidemiológica pelos serviços de saúde pública, visto que há riscos potenciais de emergência de doenças de transmissão vetorial como chikungunya, dengue ou zika. Mas, não de paludismo, como veremos.

(continua quarta-feira)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (III)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 27 dezembro 2023

Ainda sobre a crise climática, relembro que o aquecimento global atinge diferentes áreas. Proponho focar o tema em Portugal e nas regiões do Atlântico e Mediterrâneo.

Realço que os especialistas admitem que os fenómenos climáticos extremos serão mais frequentes, mais intensos e mais graves.

Repetir-se-ão ondas de calor com efeitos críticos, visto que são caracterizadas por temperaturas elevadas acima do esperado para determinada semana, de duração prolongada e com noites tropicais (20 °C) que representam riscos para a saúde humana, saúde animal e para a ignição de incêndios florestais.

Conhecem-se como efeitos negativos para a saúde pública: descompensação de doentes crónicos (insuficiência cardíaca, insuficiência respiratória e doenças oncológicas) e aumento da mortalidade de idosos.

Sublinho que José Marinho Falcão foi o primeiro cientista a analisar os efeitos provocados por ondas de calor. Para tal, criou o sistema “Ícaro” para medir o risco de mortalidade provocado pelas ondas de calor.

Recordo que no Verão de 2003, ocorreram ondas de calor no Sul da Europa. Então, as temperaturas do ar durante os meses de Junho, Julho e Agosto desse ano, registaram valores anormalmente altos.

Um dia de Agosto, o meu homólogo francês telefonou-me a dizer que as agências funerárias não tinham capacidade instalada para resolverem o problema de tantos óbitos. Relatou-me que os corpos estavam nas câmaras frigoríficas do principal mercado de Paris, devido a essa falta de resposta. Respondi-lhe que a capacidade em Portugal era suficiente porque os serviços funerários estavam preparados para o Inverno, uma vez que a mortalidade é muito superior no tempo frio.

Recentemente, em Julho passado, ocorreu uma intensa onda de calor na região do Mediterrâneo (na Tunísia a temperatura atingiu 49°C). Porém, Portugal não foi afetado devido ao efeito protetor do anticiclone dos Açores (situação distinta da onda de calor verificada 20 anos antes).

O relatório Lancet Countdown, em 2023, apresentou estimativas para o ano de 2050, antecipando o aumentou das mortes provocadas por ondas de calor até quatro vezes mais, se não forem cumpridos os acordos de Paris e da COP28.

Isto é, a inação climática aumenta a mortalidade. 

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 20 dezembro 2023

Retomo o tema da crise climática, uma vez que constitui um dos principais desafios para todos nós. A vida dos nossos filhos e netos dependerá daquilo que agora decidimos e, sobretudo, do que faremos para evitar a subida da temperatura além de 1.5 °C, em comparação com a era pré-industrial.

Como já mencionei, a questão do aquecimento global está relacionada com a emissão de gases com efeito de estufa provocada pela combustão de carvão, petróleo ou de gás.

Ora, o efeito de estufa traduz-se pela retenção do calor terrestre que é impedido de se dissipar devido à ação desses gases (dióxido de carbono e metano) que têm repercussões diretas no aquecimento do Planeta. Esse efeito, é assim chamado, porque faz lembrar as estufas de vidro dos jardins que são concebidas para aquecerem a temperatura interior porque as vidraças impedem a dispersão do calor originado pela irradiação solar. O calor é, assim, retido na estufa como sucede no Planeta…

A emissão artificial desses gases iniciou-se com a Revolução Industrial devido à entrada em funcionamento de múltiplos tipos de unidades fabris, explorações pecuárias e, ainda, do desenvolvimento de transportes rodoviários, aéreos ou marítimos que utilizam como energia a combustão de carvão, petróleo e gás natural.

Em Portugal, a emissão desses gases poluentes teve início no tempo da Regeneração em consequência do começo da atividade industrial e das ferrovias para o transporte de mercadorias e de pessoas, com base no uso do carvão como principal combustível.

Já as explorações de agropecuária têm responsabilidades pela libertação de gás metano. Sublinhe-se que os ruminantes são fonte principal da produção de metano, uma vez que é libertado durante o processo digestivo nos animais dessas explorações, especialmente bovinos.

Estas razões explicam o recente acordo unânime, tomado por 197 países reunidos no Dubai (COP28), sobre a transição gradual sem combustíveis fósseis até 2050. Portugal comprometeu-se a alcançar a neutralidade carbónica até 2045.

Decisão histórica que estará para sempre ligada à luta que Guterres conduziu na ONU. Mas, o seu sucesso exige ação daqui em diante.

(o tema continua na quarta-feira)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com