Saúde Oral (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 29 novembro 2023

Os 7 Conselhos Principais

Como primeiro conselho, já aqui foi realçada a importância da higiene oral com utilização criteriosa de escova e pasta dentífrica adequadas à idade, a partir da infância, para evitar a cárie, tanto dos 20 dentes de leite como dos 32 da dentição definitiva.

Continuam, hoje, as recomendações sob a forma de conselhos. São aparentemente simples, mas baseadas em estudos científicos.

Segundo conselho:  é necessário visitar periódica e regularmente o médico dentista, mesmo na ausência de dores ou outros sintomas, na perspetiva da prevenção de problemas da boca e dos dentes. É um aviso preventivo que deverá ser observado ao longo do percurso de vida. Aquilo que o médico dentista disser deve ser tido como prioridade. As suas opiniões para promoção da saúde ou prevenção de doenças orais são sempre sabedoras. Inquestionáveis. Por outras palavras, devem ser consideradas como se fossem regras para serem cumpridas sem desvalorização.

Terceiro conselho: é preciso saber que os problemas orais não se limitam aos dentes (cárie dentária), uma vez que podem existir doenças nas gengivas, na língua ou nas mucosas que carecem de diagnóstico e de tratamento especializado.

Quarto conselho: há que ter em atenção o eventual aparecimento de sintomas ou sinais como dores, feridas (úlceras), manchas, inchaços ou hemorragias que persistam mais de duas semanas. Nestas situações, impõe-se a antecipação da consulta com o médico dentista, a fim de diagnosticar a natureza do problema. Saliente-se que o tratamento do cancro oral, que é mais frequente do que se pensa, beneficia da precocidade do diagnóstico, à semelhança de qualquer outra doença oncológica. A este propósito, note-se que está cientificamente estabelecida a relação causa-efeito entre o fumo de tabaco e o aumento da probabilidade de surgir cancro oral. Fumar é, assim, um fator de risco.

Quinto conselho: é possível, também, evitar os traumatismos da boca através do uso de proteção durante algumas das atividades mais perigosas, nomeadamente motociclo, skate, trotinetas, etc.

Sexto conselho: como a fermentação do açúcar está na génese da cárie dentária há que tomar as devidas precauções em termos de autocuidados profiláticos. Escovar os dentes com uma pasta contendo flúor, pelo menos duas vezes por dia (depois do pequeno almoço e ao deitar), é absolutamente indispensável. Não se deve comer alimentos açucarados ou beber refrigerantes nos intervalos das refeições. Repare-se que um simples refrigerante tem 35 gramas de açúcar (o equivalente a cinco pacotes de açúcar).

Sétimo conselho: a aplicação tópica de fluor é altamente benéfica para prevenir a cárie dentária, uma vez que contraria a produção de acidez, impedindo a desmineralização e favorecendo a remineralização dentária. No entanto, a exposição ao excesso de fluor até aos 4 anos de idade pode provocar fluorose dentária (manchas descoloridas nos dentes).

Conclusão: A cárie dentária é uma doença crónica de elevada prevalência, apesar de poder ser evitada através de cuidados de higiene oral. A alegria das pessoas, traduzida pelo sorriso, assim o exige. Mas, também a saúde. Não é apenas uma questão de estética. Está, pela certa, dependente do acesso aos cuidados de medicina dentária. Sem desigualdades. Sem iniquidades. Se assim acontecer, constrói-se mais Democracia.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Saúde Oral (I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 22 novembro 2023

Todos se lembram das imagens, antigamente difundidas pelos canais de TV, que mostravam pessoas a falar perante as câmaras e que, com chocante naturalidade, exibiam doenças orais, como a falta de dentes ou cárie em estado avançado. Era o resultado da inexistência de cuidados de higiene oral. Uma tristeza reveladora do atraso que Portugal viveu até 1974.

Nos últimos 50 anos o País mudou. É hoje diferente. Melhorou em todas as áreas da Saúde Pública, incluindo na Medicina Dentária. Um salto no bom sentido.

Recentemente, a Ordem dos Médicos Dentistas publicou um interessante volume intitulado “Livro Branco da Medicina Dentária” que não deve escapar à atenção dos legisladores e dos membros do próximo Governo que, como se sabe, será eleito a 10 de Março.

Mas, antes de tudo, há as lições do passado que traduzem as imensas debilidades da higiene oral que não podem ser ignoradas.

Precise-se.

Se bem que os primeiros anúncios de publicidade a pastas dentífricas tenham sido divulgados, em Portugal, desde 1865, durante o reinado de Luís de Bragança, só algumas famílias da elite aristocrática de Lisboa tinham acesso à higiene oral. Na altura, Portugal contava apenas 3,8 milhões de habitantes (segundo o Censo do ano anterior). Era um país dominado pela ruralidade, pela imensa pobreza e pelo analfabetismo. Estima-se que 80% dos residentes não sabiam ler, escrever nem contar. Tamanho analfabetismo, associado à iliteracia para a saúde e ao atraso socioeconómico da época, eram determinantes que marcavam negativamente a Saúde Pública e que explicavam a curta esperança de vida à nascença que não ultrapassava 31 anos (1864).

É verdade que, então, a saúde oral constituía um problema de saúde pública. Mas, comparada com os efeitos das constantes epidemias de tifo, cólera, tuberculose, varíola, febre amarela, foi relegada para uma escala inferior de prioridades. Era essa a perceção generalizada.

Perante a pesada herança, foi preciso impulsionar a democratização do acesso a cuidados de saúde oral. É neste âmbito que surge o desenvolvimento da Medicina Dentária. Ainda bem que assim aconteceu.

Interessa conhecer a natureza da cárie dentária e a forma de a prevenir. Todos sabem que as crianças, em regra, nascem sem dentes (o que é excelente para o aleitamento materno), mas depois, a partir dos 6 meses, começam a irromper os dentes de leite. Uma festa na família!  Mas, é preciso saber que estes dentes de leite (no total são 20), apesar de provisórios, têm que ser bem cuidados na perspetiva da prevenção da cárie. Em geral, aos 6 anos começam a nascer os primeiros dentes definitivos que sucessivamente substituem os de leite. Os molares e incisivos são os primeiros a nascer. A queda do primeiro dente de leite é outra festa! No final, a dentição completa conta com 32 dentes, incluindo 4 cisos.

Ora, a cárie dentária resulta da fermentação do açúcar por bactérias cariogénicas que se encontram habitualmente na região dorsal da língua. Esse processo de fermentação dá origem a substância ácidas que (como todos os ácidos) destrói os dentes, tanto os de leite como os definitivos.

Primeiro conselho: a mãe ou o pai terão que usar pasta dentífrica infantil e uma escova macia para os dentes das suas crianças, sem deixar de lavar o dorso da língua. Hábito que, depois, já autonomamente, não será interrompido.

(continua na quarta-feira)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

STRESS

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 15 novembro 2023

O médico da Universidade de Montreal, Hans Selye (1907-1982), foi o primeiro cientista a interessar-se pelo mecanismo fisiológico originado pela exposição ao stress. Há cerca de 70 anos atrás, explicou os efeitos que podem assumir múltiplas formas reativas quer na mente quer no corpo das pessoas perante o stress. Esclareceu, então, que as diversas reações eram devidas à secreção de adrenalina pelas glândulas suprarrenais que constitui a primeira resposta por parte do organismo. Realce-se que o stress nem sempre representa uma ameaça à saúde. No entanto, muitas vezes, impõe aconselhamento psicológico especializado.

Ora, as descrições científicas de Hans Selye podem, agora, ser analisadas, tendo em consideração os avanços científicos alcançados, tanta nas áreas da emoção como da fisiopatologia de doenças, comprovadamente, provocadas pelo stress.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que o stress é uma das preocupantes epidemias do século XXI.

A este propósito, a Associação Académica da Universidade da Beira Interior promoveu, recentemente, um oportuno debate destinado a estudantes de Medicina sobre o tema que foi conduzido pelo psicólogo Paulo Vitória. Foi neste ambiente que foram referidos como causas principais de stress os assuntos relacionados com a família (como a doença ou morte de um familiar próximo) ou com problemas financeiros (causados pelo desemprego, por exemplo) ou, ainda, com a insatisfação no trabalho (muitas vezes associada ao excesso de responsabilidade).

Naturalmente, os efeitos na saúde de cada pessoa exposta ao stress dependem de múltiplos fatores, nomeadamente do grau de intensidade, da duração do período de exposição e da apreciação subjetiva da gravidade de cada situação.

Saber gerir o stress do dia a dia é essencial, em especial no plano da preservação da saúde.

As consequências patológicas causadas pelo stress foram apresentadas segundo um modelo inovador que distingue quatro grupos: 1 Efeitos fisiológicos diretos; 2 Alterações dos comportamentos determinantes da saúde; 3 Recursos psicossociais; 4 Cuidados de saúde.

Precise-se cada um dos grupos mencionados.

Na classe 1 integram-se os seguintes efeitos: elevação das gorduras no sangue; pressão arterial alta; diminuição da imunidade e aumento da atividade hormonal.

No que se refere ao grupo 2 (estilos de vida) apontam-se: o aumento do fumo do tabaco e do consumo de bebidas alcoólicas; problemas nutricionais; dificuldade em dormir; aumento do consumo de substâncias psicotrópicas e dieta desequilibrada e menor atividade física.

No grupo 3, relacionado com as questões psicossociais, citam-se as consequências do stress traduzidas pela sensação de falta de apoio social; na redução do otimismo: na ameaça à autoestima e menor autodomínio.

Já no grupo 4, sobre os cuidados de saúde, enumeram-se: a diminuição da aderência aos tratamentos; aumento do tempo antes da procura de cuidados; manifestações sintomáticas com perfil pouco claro e diminuição da probabilidade na procura de cuidados.

Nota final: a expressão síndrome de burnout está associada ao trabalho, em resultado da submissão a intenso e repetido stress que está na origem da sensação das capacidades físicas e psíquicas impedirem o cumprimento das responsabilidades profissionais. Situação que, em regra,  é provocada por tarefas e carga horária excessivas.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Diabetes (capítulo III)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 8 novembro 2023

Continuam, hoje, alguns esclarecimentos sobre a diabetes mellitus. Já se referiu que a diabetes tipo 2 tem uma expressão familiar e que está relacionada com a falha da insulina que deixa de ser segregada com normalidade pelas células dos ilhéus do pâncreas. Ora, como essa falta de insulina é relativa (isto é, não é total), importa tudo tentar para que seja “poupada”, em particular pelas pessoas que têm mais probabilidade de terem diabetes, nomeadamente as que têm familiares com diabetes (pais, tios, avós). Essa poupança deverá ter como princípio básico a redução do açúcar da alimentação, a fim da sua presença no sangue não estimular a produção de mais insulina. Sublinhe-se que os teores altos de açúcar no sangue (hiperglicemia) vão influenciar a estimulação de mais produção de insulina na perspetiva de baixar os níveis de glicémia.

Repare-se na fórmula fisiológica do metabolismo dos açúcares (hidratos de carbono): quanto menos açúcar existir no sangue, menos será a insulina necessária; mais açúcar no sangue exigirá mais insulina.

A obesidade é igualmente um fator de risco. É aqui que contam os comportamentos e estilos de vida. Há que ter em atenção a quantidade e qualidade dos alimentos. O excesso de calorias ingeridas prejudica a saúde. Os primeiros sinais são o aumento de peso refletido no índice de massa corporal que traduz a corpulência (relação da estatura e peso). É preciso evitar chegar à obesidade. Para isso, há que planear as refeições com menos calorias e fazer mais atividade física.

Apesar de nem sempre ser fácil ler os rótulos com as indicações da composição dos alimentos, há que ter em atenção as quantidades de calorias e de açúcar indicadas nas respetivas embalagens. A título de exemplo, realce-se que um simples refrigerante de 33 cl da marca americana mais conhecida de cola original, corresponde a 7 pacotes de açúcar ingeridos com uma só bebida (admitido que cada pacote tem 5 gramas).

Quais são os primeiros sintomas ou sinais que sugerem o começo da diabetes?

Em regra, a diabetes tipo 2 surge em pessoa adulta (ao contrário do tipo 1 que é tida, principalmente, como juvenil). O quadro clínico inicial traduz-se pela frequência em urinar e em sensação de sede. É habitual começar com perda brusca de peso.

Nestas circunstâncias há que procurar o médico de família para confirmar o diagnóstico. As análises laboratoriais ao sangue e à urina irão exibir níveis altos da glicémia e a presença de açúcar na urina (glicosúria).

A seguir terá que ser a própria pessoa com diabetes a cumprir a terapêutica seguindo os conselhos e recomendações do médico e do enfermeiro para equilibrar os níveis de glicémia em função da alimentação e do exercício físico.

Conclusão:

Eis as principais lições para preservar a saúde, incluindo no plano da moralidade social: é preciso observar comportamentos saudáveis na vida rotineira do dia a dia. O desígnio é fazer com que a vida de cada e de todas as pessoas seja menos curta. Este é um objetivo atingível para quem gosta de viver. A mudança é sempre praticável. Para tal, há que acreditar que é possível evitar a diabetes. Neste sentido, a receita mágica é comer com equilíbrio e fazer exercício físico. Por exemplo, preferir a mobilidade urbana recorrendo à bicicleta que, também, reduz a emissão de gases poluentes que é um imperativo moral para todos.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Diabetes (capítulo II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 1 novembro 2023

Retoma-se, hoje, a exposição sobre a diabetes. Na semana anterior descreveu-se o mecanismo de feedback entre o teor do açúcar do sangue (glicémia) que, inevitavelmente, está sempre a variar ao longo das 24 horas do dia, sobretudo em função da alimentação e do exercício físico. Aliás, compreende-se facilmente que a fome faça baixar a glicémia, tal como, no mesmo sentido, a atividade física (pelo natural consumo de energia que provoca). Inversamente, a alimentação e o sedentarismo aumentam a glicémia, logo seguida, como resposta, pela produção de mais insulina que entra na corrente sanguínea.

Então, essa insulina, que foi segregada pelas células dos ilhéus de Langerhans do pâncreas, irá permitir a penetração do açúcar do sangue para o interior das células do organismo. A insulina funciona, nestes termos, como se fosse uma chave que abre a porta das células para o açúcar poder entrar. Como efeito imediato, à medida que o açúcar entra nas células, verifica-se a sua descida no sangue circulante, no contexto de um processo ininterrupto ao longo das 24 horas de cada dia.

Sublinhe-se que o açúcar é a principal fonte de energia celular.

Ora, a diabetes aparece precisamente quando falha a ação da insulina. Falha esta que pode ter causas distintas que irão caracterizar os dois principais tipos de diabetes, nomeadamente: a DIABETES TIPO 1 devida a um processo de autoimunidade que destrói as células produtoras de insulina e a DIABETES TIPO 2 originada pela resistência à insulina. Isto é, quando o organismo deixa de ser sensível à insulina.

Detalham-se, a seguir, algumas das características próprias da diabetes tipo 2, uma vez que é a mais frequente e que mais medidas de prevenção impõe, tendo em atenção tanto o seu aparecimento como a prevenção dos efeitos que provoca.

Antes de tudo, insista-se que a diabetes tipo 2 é eminentemente hereditária, condição que, em parte, explica a sua frequência na população. Em Portugal, estima-se a existência aproximada de 1,1 milhão de pessoas com diabetes entre os 20 e os 79 anos de idade. Por outras palavras, cerca de 14% da população neste grupo etário é diabética, mas, estranhamente, apenas 8% tem diabetes clinicamente diagnosticada.

Como acima mencionado, a génese da diabetes tipo 2 está relacionada com o advento de resistência à ação da insulina. Por outras palavras, a insulina presente no sangue que foi segregada nas células dos ilhéus pancreáticos começa a perder progressivamente a capacidade de fazer entrar o açúcar do sangue para dentro das células, originando hiperglicemia. No fundo, é este fenómeno (insulinorresistência) que se transmite de forma familiar (hereditária).

Por essa razão, netos, filhos, sobrinhos de pessoas com diabetes mellitus de tipo 2 têm que saber que o risco de a adquirirem é mais elevado. É por isso, que nestas situações é preciso que esses familiares promovam, desde cedo, comportamentos e estilos de vida preventivos, designadamente alimentação equilibrada com menos açucares e mais exercício físico. É absolutamente aconselhável evitar o hábito das crianças consumirem rebuçados, caramelos, bolachas, refrigerantes, gelados, sobremesas doces.

As famosas “Bolas de Berlim”, recheadas com creme (lamentavelmente, bem à moda portuguesa), poderão ser quase equiparadas a verdeiros venenos…

(continua na próxima quarta-feira)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Diabetes (capítulo I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 25 outubro 2023

É preciso falar sobre a diabetes. Falar mais sobre a sua génese e prevenção.

A diabetes mellitus, assim designada corretamente em Medicina (como substantivo feminino e singular) é, habitualmente, mencionada na linguagem comum como os diabetes. Mas, muito para além da nuance ortográfica, o conhecimento sobre a diabetes constitui, desde a Antiguidade, um imenso fascínio para médicos e para a generalidade das pessoas.

No plano etimológico diabetes mellitus tem origem no grego e no latim: diabetes=sifão, referente à frequência em urinar (do greco) e mellitus assinala que a urina é açucarada como o mel (do latim).

Apenas no século XIX, teve início a compreensão fundamentada da doença no seguimento dos trabalhos científicos realizados pelo médico alemão Paul Langerhans que nasceu em Berlim, em 1847 e que viria a morrer no Funchal em 1888. Viveu na Madeira desde 1875 à procura do clima ameno de “primavera eterna” adequado para tratar a tuberculose pulmonar que o apoquentava. Exerceu clínica assistencial no seu consultório da casa onde residia à Rua da Conceição, primeiro e a seguir na Rua dos Netos, também no Funchal. Ao mesmo tempo continuava os estudos científicos, incluindo em zoologia. Trabalhou até ao fim da sua vida. Morreu no Funchal aos 41 anos de idade, onde está sepultado.

Em 1869, as pesquisas conduzidas por Paul Langerhans, ainda muito jovem, marcaram a história da diabetes. Ao observar ao microscópio as lâminas com preparações de pâncreas foi ele que descobriu a existência de pequenas ilhas (ilhéus) que se distinguiam do restante tecido envolvente. Descreveu as células dos ilhéus com grande minúcia: “… o seu diâmetro é de 0,0096 a 0,012 milímetros e o diâmetro do núcleo é de 0,0075 a 0,008 milímetros…”.

Porém, na altura ainda não se sabia que os ilhéus descritos por Langerhans continham células produtoras de uma substância que intervinha na regulação do teor de açúcar do sangue (metabolismo dos açúcares).

Foi só muito mais tarde, em 1921, que Frederick Banting e Charles Best, médicos da Universidade de Toronto (Canadá), descobriram a hormona produzida nos Ilhéus de Langerhans do pâncreas que, por isso mesmo, foi designada de INSULINA (do latim insularis=relativo a ilha).  Comprovaram que a ausência de insulina ou a sua insuficiência explicava o aparecimento da diabetes.

Dois anos depois Frederick Banting receberia o Prémio Nobel da Medicina pela descoberta da insulina, tendo o seu aluno Charles Best sido, injustamente, ignorado pelo Comité Nobel porque era um estudante de 21 anos de idade…

Precise-se.

Qual a ação da insulina?

A insulina, segregada pelas células dos ilhéus pancreáticos diretamente para o sangue, é a hormona que promove a entrada do açúcar presente no sangue (proveniente dos alimentos) nas células do organismo.

Realce-se que o açúcar é a principal fonte de energia que possibilita a atividade celular. Mas, sublinhe-se, a penetração do açúcar nas células é apenas possível na presença de insulina produzida pelas células dos ilhéus de Langerhans segundo as necessidades de cada momento, tanto durante o dia como da noite. Essa regulação é automática através do conhecido mecanismo de feedback: quanto mais açúcar há no sangue, maior é produção de insulina e inversamente: quando baixa o açúcar do sangue, menor é a insulina produzida.

(continua na quarta-feira próxima)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Proteção para o frio

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 18 outubro 2023

Não há Inverno sem gripe, por isso mesmo é denominada como gripe sazonal, própria da estação fria no Hemisfério Norte, depois de ter circulado no frio do Sul.

Há muitos anos atrás, em Londres, durante os dias de Inverno de 1933, o médico inglês Wilson Smith demonstrou que a gripe era causada por partículas com dimensões ínfimas que atravessavam os poros de porcelana. Pouco depois, os cientistas com apoio de microscopia eletrónica confirmaram que o vírus, em média, mede 100 nanómetros (cada partícula é, portanto, 10 mil vezes mais pequena do que 1 milímetro).

Como a gripe é causa importante de doença e de morte houve, desde logo, a preocupação de fabricar uma vacina. Acontece, porém, que os vírus mudam a sua composição durante as voltas ao mundo que sistematicamente fazem.

As primeiras vacinas surgiram em 1945. Mas, cedo reconheceu-se que as mudanças constantes do vírus (designadas mutações) iriam impedir a conservação da mesma vacina de um ano para o seguinte. Não só variavam os tipos e subtipos dos vírus como as mutações exigiam a adaptação sazonal da vacina. Para tal, a Organização Mundial da Saúde criou um sistema de vigilância laboratorial para antecipar qual será a estirpe responsável pela gripe na época fria do hemisfério oposto e, assim, preparar a nova vacina.

Inicialmente, as vacinas inativadas eram fabricadas a partir de ovos de galinha embrionados. Mais tarde passaram a ter por base células de cultura e depois as novas tecnologias de recombinação.

Recentemente, a SANOFI introduziu uma vacina que contém quatro estirpes inativadas de vírus da gripe (duas do tipo A e duas do tipo B) para injeção intramuscular, mas em alta dose, que é comercializada com o nome de EFLUELDA HD. Esta nova apresentação tem indicação para pessoas acima dos 65 anos de idade.

Portugal importa esta vacina que está disponível em todas as farmácias, através de receita médica, para ser administrada aos mais idosos. O Estado assegura a imunização gratuita, mas apenas aos residentes em lares. Todos os outros para a adquirirem terão que a comprar na farmácia, pagando 50 euros, por inteiro, uma vez que não é comparticipada. Comprovadamente esta vacina de alta dose evita doença grave, poupa internamentos, economiza cuidados intensivos e reduz a probabilidade de morte.

Por isso, quem não a deseja?

Eis um cenário hipotético:

O José, de 85 anos de idade, é reformado e reside na sua casa de Beja com a mulher e uma filha divorciada, com três filhos. O núcleo familiar reúne, na mesma moradia, três gerações. A filha é professora e os netos frequentam a escola primária.

Já o seu irmão, Manuel, de 81 anos, está no Lar da Cruz Vermelha, na mesma cidade, desde que enviuvou. Não tem filhos.

Ora, pelas normas atuais, a nova vacina de ALTA DOSE contra a gripe será administrada gratuitamente apenas ao Manuel por residir permanentemente numa instituição de idosos. O José poderá ser vacinado, na condição de pagar o preço de venda ao público.

Não seria mais consensual e justo, garantir a equidade de proteção à população mais idosa, por exemplo com mais de 85 anos?

Não estaria mais certo proporcionar a equidade a todos os 365 mil portugueses com idades superiores a 85 anos? Pelo menos, de entre estes, contemplar os mais pobres (e mais vulneráveis) para terem direito à nova vacina, gratuita, por prescrição do médico de família.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

O Tempo da Saúde Pública (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 11 outubro 2023

Na semana anterior enumeraram-se três eventos ocorridos no século XIX que chamaram a atenção para a necessidade dos governantes tudo fazerem no sentido da proteção da saúde das populações. Hoje, continuar-se-á esse mesmo tema, com a menção de outros quatro acontecimentos da mesma época, igualmente marcantes e que também contribuíram para assinalar o começo do Tempo da Saúde Pública.

4º Em Inglaterra, em 1848, em plena era da rainha Victória, durante o governo liberal de Lorde John Russel foi aprovada a primeira Lei de Saúde Pública (designada como Public Health Act) que estabeleceu a coordenação nacional da saúde simultaneamente com a adoção do regime laboral de 10 horas diárias de trabalho para os operários da indústria. A Lei, representou, na altura, um importante avanço na perspetiva da promoção e conservação da saúde, sobretudo dos mais pobres. 

5º Em Londres, durante as epidemias de cólera de 1848-1849, o médico John Snow, demonstrou que a doença tinha transmissão hídrica ao mesmo tempo que propôs um novo método de pesquisa baseado na informação geográfica referente à residência dos doentes e dos óbitos com critérios clínicos correspondentes à doença em investigação. O método de Snow para descobrir a origem das doenças fez erguer a Epidemiologia como nova disciplina fundamental em Saúde Pública.

6º Nessa altura, as epidemias devidas a doenças infectocontagiosas constituíam a causa principal de doença e de morte. Para além da tuberculose, a cólera, varíola, a febre amarela e o tifo adquiriam especial gravidade. Os médicos de então admitiam que muitas das epidemias eram importadas por via marítima nas cidades portuárias. Por isso, na tentativa de impedirem a sua ocorrência e propagação foram criados postos destinados à quarentena de tripulantes e viajantes. Em Portugal, eram designados como “lazaretos”. O mais célebre era na margem Sul do Tejo, ao Porto Brandão, onde Rafael Bordalo Pinheiro esteve internado quando chegou a Lisboa de uma viagem vindo do Brasil, tendo escrito um interessante livro sobre a sua forçada privação de liberdade ao regressar a casa.

7º Meados do século XIX coincide, no tempo, com a Revolução Industrial, baseada na utilização de combustíveis fosseis como o carvão mineral, os derivados do petróleo e o gás natural.

Acontece, porém, que o uso destes combustíveis produz gases com efeito de estufa como o dióxido de carbono e o metano, em consequência direta do fomento da industrialização e da agropecuária.

Esse efeito de estufa, ao impedir a dissipação do calor da crosta terrestre resultante da irradiação solar, está na origem do aquecimento global que, por sua vez, está relacionado com a aceleração da transição climática.

Eis, esquematicamente, a perigosa cascata: utilização de combustíveis fosseis na Revolução Industrial/poluição/aquecimento global/alterações do clima.

Conclusão: A Saúde Pública edifica-se no seguimento da ocorrência de crises que ocorreram por volta de 1850, nomeadamente: a Grande Fome na Irlanda; a insalubridade das condições de trabalho da classe operária em Manchester; a epidemia de tifo nos mineiros polacos; a publicação da primeira Lei de Saúde Pública; a descoberta do método epidemiológico; a propagação descontrolada de epidemias e, por fim, a poluição provocada pela atividade humana devido ao uso de combustíveis fósseis.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.pt

O Tempo da Saúde Pública (I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 4 outubro 2023

Atualmente, sobretudo depois da Pandemia de Covid-19, todos se pronunciam sobre a importância da Saúde Pública.  É bom que assim aconteça.

Por isso, considera-se oportuno dedicar as crónicas seguintes à própria Saúde Pública. Interpretar-se-ão as suas fontes e os principais conceitos que a fundamentam. As exposições serão, necessariamente, resumidas em palavras simples e claras.

Precise-se.

Cada pessoa está inserida na própria família e na comunidade onde reside ou trabalha, rodeada pelos respetivos ambientes. Ora, é precisamente esse conjunto que interessa à Saúde Pública. Tanto os membros que compõem o núcleo familiar (frequentemente constituído por três gerações), como as condições de vida em todas as suas dimensões, incluindo alimentação, emprego, rendimentos e habitação. Assim, a saúde do Povo, como noção social e em oposição a individual, resulta do bem-estar das famílias.

A ideia de Saúde Pública começou em meados do século XIX. Na altura surgiram eventos que estimularam a formatação do pensamento coletivo no sentido do direito à proteção da saúde a nível de comunidades e dos aglomerados populacionais, quer rurais quer urbanos.

Apontam-se, a seguir, os acontecimentos que assinalaram o começo da ideia de saúde focada na população:

1º O primeiro terá sido a Grande Fome na Irlanda de 1845-1849 provocada pela praga de um fungo que destruiu as plantações de batata, uma vez que a batata era a base alimentar da população. Motivou fome generalizada, doença, morte e emigração massiva, em particular para os Estados Unidos da América e para o Canadá. A crise constituiu um forte abalo social, traduzido pela redução de cerca de um quarto da população, durante aquele período. O irlandês Patrick Kennedy (1823-1858) foi, certamente, o mais célebre dos emigrantes ao ter iniciado a famosa dinastia de políticos democráticos nos Estados Unidos.

Foi nesse cenário de crise da população rural marcada pela pobreza-fome-doença que nasceu o desígnio de proteger a saúde das pessoas na perspetiva social. Coletiva. Comunitária.

2º Em Inglaterra, as condições de trabalho dos operários, em meio urbano, eram insalubres e geradoras de doença. Em 1845, Friedrich Engels descreveu pormenorizadamente a situação dos trabalhadores das empresas industriais de têxtil, no seguimento da sua estadia em Manchester. A sua obra documenta a necessidade inadiável de reformas destinadas a promover a saúde dos trabalhadores e das suas famílias no intuito da prosperidade.

3º A epidemia de tifo que ocorreu de entre os trabalhadores das minas de carvão da Alta Silésia (na Polónia) foi analisada pelo médico alemão Rudolf Virchow que concluiu pela necessidade de aumentar os salários dos mineiros a fim de controlar a epidemia. Só dessa forma seria possível elevar as condições de higiene dos doentes. Note-se que o tifo é uma doença transmitida por piolhos infetados pelo micróbio patogénico que está na sua origem. Fazer sair as pessoas da imensa pobreza onde estavam mergulhadas devido aos baixos salários era a solução indicada por Virchow, justamente considerado o fundador da Medicina Social.

Nota final: Atualmente, em muitos restaurantes irlandeses, as refeições servidas são acompanhadas de batatas cozinhadas de três maneiras diferentes como forma de homenagem às vítimas da Grande Fome de 1845.

(continua na quarta-feira)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com