Guiné-Bissau

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 18 janeiro 2023

Muitos portugueses que estiveram na Guiné-Bissau, antes da Independência, gostariam de lá voltar na perspetiva de recordarem os tempos da juventude aí passados. Quase todos como soldados. Muito provavelmente, o interesse em regressar às matas guineenses acontece com mais frequência quando comparado com circunstâncias análogas de outras antigas colónias de África. Assim sendo, como justificar este desejo em remexer a memória por quem ali tanto sofreu a combater os guerrilheiros do PAIGC?

Antes de mais, pelo reconhecimento que a guerra era injusta e, como tal, inglória. Mas, também, porque a Guiné é muitíssimo especial.

País tropical composto por uma componente continental e por belíssimas ilhas atlânticas, é habitado por população de diversas etnias e religiões, mas irmanada pelo profundo sentimento nacional, cimentado de forma expressiva, no tempo de Amílcar Cabral ao conduzir a Luta de Libertação. Fulas, Mandingas, Balantas, Papeis ou Felupes, muitos deles muçulmanos, outros animistas e alguns cristãos, formam, desde a proclamação de 1973, a República da Guiné-Bissau.

Ao contrário do Brasil, de Angola ou de Moçambique, os portugueses não emigravam para a Guiné. Historicamente, não se registaram fluxos migratórios a caminho de Bissau. Em rigor, a Guiné constituiu um modelo de colonialismo, mas sem colonização. A presença de Portugal ao longo dos séculos traduziu-se pela exploração das suas riquezas naturais, em termos de comércio, sem ignorar a marcante traficância de escravos que partiam de Cacheu para Cabo Verde e daqui para as Américas e Europa.

Então, como explicar a genuína vontade que tantos manifestam em “matar saudades” e ir à Guiné?

Antes de tudo, importa sublinhar a gentileza natural da população guineense, associada à beleza ímpar da paisagem que mistura diferentes tonalidades de verde que compõem a imensa flora guineense. As elegantes palmeiras que sobressaem nas savanas exóticas, por vezes animadas pela imagem de um jovem trepador a extrair o precioso shabéu (ou coconote ou dendém), destinado ao fabrico de óleo alimentar.

A riqueza e diversidade da alimentação, sobretudo pescada nos rios, a começar pelos camarões apanhados pelas redes que as mulheres colocam para aproveitar as marés. Também as ostras gigantes de Quinhamel abertas na grelha em cima da brasa e depois saboreadas juntamente com sumo de lima e malagueta são imperdíveis.

As frutas estão abundantemente representadas pelos saborosos mangos da Índia, toranjas gigantes e cajus (consumidos quer frescos em sumo quer sob a forma de castanha assada). Amendoins torrados completam escolhas exigentes.

Um episódio, tão pitoresco como inesquecível, é o aparecimento repentino, de um dia para outro, de milhões de grilos que saltam e cantam durante uma semana por todo o lado. Entram nas casas, incluindo nos quartos de dormir… Alguns dias depois desaparecem. Um mistério da natureza.

Minienciclopédia:

Na língua portuguesa a origem da expressão GUINÉ significa “terras com gente de pele escura”. Por isso, a nível mundial, compreende-se a existência de quatro guinés:

Guiné-Bissau; Guiné-Conacri; Guiné Equatorial e Papua Guiné.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Peru à mesa

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 11 janeiro 2023

O peru tem uma aparência estranha, mas simpática. Em biologia, no plano da classificação científica, o peru de penas negras, cabeça avermelhada e com a crista pendurada, pertence à classe das aves, à ordem dos galiformes, ao género Meleagris e à espécie gallopavo.

Curiosamente são grandes as diferenças morfológicas entre a fêmea e o macho, em particular no que se refere à corpulência (um macho doméstico pode pesar 15 Kg ou mais). Peru e perua são inconfundíveis.

Em Lisboa, no passado recente, era frequente ver bandos de dezenas de perus agrupados e conduzidos com notável disciplina pela sabedoria do vendedor munido de uma vara. Mesmo em plena capital, os perus circulavam nos passeios e até nos arruamentos, sobretudo a partir de dezembro e em maior número nas proximidades das Festas de Natal.

Já em 1881, a célebre escritora francesa, princesa Maria Letizia Rattazi (1831-1902), depois de duas visitas que fez a Portugal, escrevera que os perus incomodavam os transeuntes de passearem pelas ruas de Lisboa na época de Natal. O seu livro intitulado “Portugal de Relance” gerou acesa polémica pela forma trocista como retrata a população portuguesa. Motivou, por isso, logo a seguir, um aceso contra-ataque por parte de Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Ramalho Ortigão, sem faltar Rafael Bordalo Pinheiro que desenhou uma primorosa caricatura da Senhora Maria Rattazi.

Em boa verdade, os perus continuaram por muito tempo, até aos anos 50 do Século XX, a ser apregoados e vendidos à porta da rua. Estavam destinados à ceia. Muitas cozinheiras, tinham o costume, na véspera da inevitável decapitação do peru, de dar a beber aguardente, em abundância, através de um funil cruelmente enfiado pelo bico abaixo. Os animais abocavam quantidades apreciáveis que deixariam qualquer ser humano autenticamente na lua. Dizia-se, na altura, que a aguardente acabaria por dar melhor sabor à carne (procedimentos de culinária hoje dispensados nos termos defendidos pelos protetores do bem-estar dos animais).

Rafael Bordalo Pinheiro, na véspera de Natal de 1903, escreveu e ilustrou, com muita graça, uma historieta, em banda desenhada, intitulada “ESTA NOITE… O SEGREDO DO PERU”. O opúsculo começa com a seguinte citação: Toda a gente sabe cozinhar, mas o segredo do peru assado é um dote da natureza. Depois, Rafael desenha as sucessivas etapas do ritual, assim legendadas: escolhe-se o peru; embebeda-se o peru; assa-se o peru; come-se o peru; apanha-se uma perua…

Havia o hábito de doentes oferecerem, como presente de Natal, perus vivos aos seus médicos. Imagine-se o ambiente familiar de um médico, por exemplo em Campo de Ourique, que recebia três, quatro ou mais perus, todos vivos, colocados em fila de espera na marquise ou na varanda!

Se bem que a compra de peru vivo tenha terminado, a tradição persiste no período festivo. O peru, devidamente assado, é colocado à mesa de barriga para cima, ornamentado com enfeites de cores natalícias nas pernas e com recheio no seu interior preparado com as miudezas, castanhas, tomilhos e cominhos…

Que delícia!

Minienciclopédia:

Apanha-se uma perua” o mesmo que “apanha-se uma bebedeira” (era expressão usual da época).

Nos Estados Unidos da América e Canadá o segredo do peru assado é típico, mas no “Dia de Ação de Graças” que é comemorado na quarta quinta-feira de novembro de cada ano.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

2023

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 1 janeiro 2023

ANO NOVO, VIDA NOVA! Faz sentido pensar assim, tanto a nível individual, como familiar, mas, também, em outras frentes. É, provavelmente, o pensamento mais comum para a época, uma vez que é saudável encontrar momentos para encarar a vida futura com redobrada esperança. Para continuar em frente. É nesse âmbito que a viragem do ano 2022 para 2023 pode representar uma preciosa alavanca. Uma nova expectativa.

Nestes termos, na dimensão política, o que desejar para o Ano Novo?

Antes de tudo, reconhecer a importância da Liberdade de Imprensa porque é bom viver em Democracia! Sem órgãos de comunicação social, genuinamente livres, nada se saberia sobre alegadas atividades ilícitas cometidas por alguns (não por todos, sublinhe-se) titulares de cargos políticos, administradores, presidentes de empresas públicas ou diretores-gerais. Ignorar-se-iam as estranhas relações de compadrio, familiares ou de amizade existentes entre eles. O nepotismo seria ignorado. O enriquecimento ilegítimo desconhecido. A imoralidade apagada. O amiguismo silenciado. Razões que explicam o desejo de cada cidadão em esperar informação de qualidade por parte dos jornalistas.

Investigar, relatar e noticiar, sobretudo perante suspeições de uso indevido de dinheiros públicos, é importante na perspetiva da prevenção e controlo de desvarios. Tanto mais que, inexplicavelmente, a Entidade para a Transparência que foi criada por Lei Orgânica em 2019, ainda não foi instituída.

No final de 2022, foram muitas as situações inaceitáveis conhecidas através da Imprensa, nomeadamente sobre gestão danosa dos bens públicos. Um desses casos estava relacionado com o orçamento das obras do Hospital de Belém conduzidas pelo Diretor-Geral, Alberto Coelho, no tempo do Ministério da Defesa de Cravinho. Um outro acontecimento mencionava o desatino de Miguel Alves na Câmara de Caminha e logo a seguir nomeado para o Governo. Já as notícias sobre Alexandra Reis foram velozes a gerarem antipatia generalizada na opinião publica. Os 500 mil que recebeu fizeram-na saltar, repentinamente, de ilustre desconhecida para a celebridade, mas pelos piores motivos.

O enriquecimento é inaceitável quando resulta de recebimentos imorais. São casos desta natureza que provocam o afastamento, ainda maior, entre os eleitores e a Política, traduzido pela preocupante abstenção eleitoral. O poder cada vez mais distante dos cidadãos.

Ainda no plano da política nacional, é justo esperar que 2023 seja marcado pela modernização do próprio regime. Aos governantes exige-se integridade absoluta. Verticalidade. Transparência. Responsabilidade. Mas, igualmente, que cumpram os programas sufragados e que, sobretudo, implementem medidas que visem reduzir a pobreza e as desigualdades.

Outro tema central para o Novo Ano é a necessidade inadiável em construir a Paz. Todos são convocados para tal. É preciso combater tendências belicistas. Fazer regressar russos e ucranianos a negociações. Os apoios do Ocidente à Ucrânia terão que estar condicionados ao interesse da Paz. Por outro lado, as múltiplas sanções à Rússia, decididas pela NATO e União Europeia, não podem continuar, em 2023, a fazer ricochete para prejudicar as populações de países como Portugal. O salário mínimo de 760 euros não suporta mais aumentos de preços e das prestações da compra da habitação. Indiscutível.

Francisco George
Ex-Diretor-Geral da Saúde
franciscogeorge@icloud.com

Democracia, Saúde & Impostos

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 28 dezembro 2022

Na Antiguidade, há 2500 anos, o filósofo Clístenes (565 a.C. – 492 a.C.), em Atenas, foi o primeiro a inventar um sistema de escolha de cidadãos para ocuparem cargos de governação do Estado, mas de molde a garantir, sem discriminar, a mesma probabilidade a todos, independentemente dos respetivos rendimentos familiares. Para tal, recorreu ao método do sorteio para selecionar nomes dos “eleitos”, com a condição de serem atenienses e adultos. Aliás, ainda hoje, é esse o processo utilizado para escolher os jurados para participarem em determinados julgamentos, em tribunal.

As políticas democráticas, introduzidas por Clístenes, passaram a legitimar os políticos para representarem o Povo, uma vez que cada cidadão tinha a mesma possibilidade de ser escolhido para desempenhar funções em cargos do Estado.

Reconhecer a absoluta igualdade de direitos passou a constituir a essência da Democracia.

Em Portugal, foi esse mesmo o princípio adotado pela Constituição da República, aprovada em 1976, designadamente para os setores da Saúde, Educação e Justiça.

Desde então, todas e todos passariam a ter a mesma possibilidade em utilizar os serviços de natureza pública, tanto para cuidados médicos preventivos e curativos como de reabilitação ou, também, no que se refere ao acesso à Escola e à Justiça. Sem barreiras, nem qualquer discriminação relacionada com o estatuto social, etnia ou religião.

Todas as pessoas deviam ter os mesmos direitos em aceder aos serviços públicos do Estado Social.

Por isso, desde a criação do Serviço Nacional de Saúde, em 1979, as redes de hospitais, de centros de saúde e de outras unidades, são financiadas pelo Orçamento de Estado (cujas receitas resultam da cobrança de impostos e taxas). Como, em regra, os ricos pagam mais impostos diretos do que os pobres (IRS, por exemplo), no ato correspondente à prestação de cuidados de saúde não devia haver lugar a mais pagamentos extra. Foi esta a ideia que fundamentou, no início, o processo de construção do Serviço Nacional de Saúde. Assim, todas as pessoas teriam as mesmas oportunidades no acesso.

Porém, muitas voltas na política fiscal, entretanto ocorridas, a partir de 1986, acabariam por alterar os princípios fundamentais da tributação de impostos pelas Finanças. Essas mudanças, traduzidas pela cada vez maior importância relativa do pagamento de impostos indiretos, são geradoras de desigualdades entre ricos e pobres, em especial no ato de consumo.

Ora, como se sabe, o famoso imposto sobre Valor Acrescentado (conhecido como IVA) é pago pelo consumidor no momento da aquisição do bem ou do serviço: um café expresso na pastelaria do bairro ou um quilograma de carne no talho ou um litro de combustível ou o arranjo do automóvel na oficina tem a mesma carga fiscal sem ter em consideração os rendimentos familiares do consumidor. Ricos e pobres pagam o mesmo. Sublinhe-se que as receitas arrecadadas pelo Fisco, resultantes do consumo de bens e serviços, são provenientes, em igual montante, indiscriminadamente, por quem ganha o salário mínimo de 760 euros mensais ou como por quem tem remunerações 10 vezes mais…

No último ano, em comparação com o anterior, as receitas ficais correspondentes aos impostos indiretos (que incluem o IVA) subiram de 29,5 para 32,7 mil milhões de euros (um acréscimo de 3,2 mil milhões). O que pensar?

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Lições pela sua Saúde (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 21 dezembro 2022

No âmbito das lições de Fernando de Pádua já aqui se descreveram alguns dos seus ensinamentos que visam prolongar a vida de todas as pessoas. O primeiro tema abordado foi sobre o fumo do tabaco e o segundo referiu-se à hipertensão arterial, incluindo a célebre lengalenga de metade da população não sentir que tem a sua própria tensão demasiado alta a precisar de ser tratada…

Agora, outros assuntos que Pádua também transmitiu ao longo da sua vida de professor são, a seguir, narrados resumidamente, em especial os que dizem respeito a alguns tópicos sobre a alimentação, a promoção do exercício físico e a exposição ao STRESS.

1. Antes de tudo há que distinguir a alimentação da nutrição. São conceitos diferentes, se bem que relacionados entre si, uma vez que estão separados pela absorção que ocorre no tubo digestivo, depois dos alimentos terem sido ingeridos.

A alimentação estende-se do prado ao prato, como gostam de salientar os nutricionistas. Repare-se, como exemplo, que as sementes das batatas cultivadas na horta, depois de serem cozidas, assadas ou fritas, são temperadas para terem bom sabor durante a mastigação.

Já a nutrição refere-se aos fenómenos bioquímicos que acontecem depois dos alimentos terem sido absorvidos pela barreira intestinal. Então, as batatas transformam-se em hidratos de carbono (como o amido) que circulam no sangue como açucares que fornecem energia ao corpo. O mesmo se passa com o trigo. A moagem do cereal, seguida pelo processo de panificação e comercialização, colocam o pão à mesa, como alimento para, depois de ingerido, ser absorvido e transformado igualmente, em açucares no sangue circulante. Passam a ser nutrientes e não alimentos.

Ora, os teores de sal, tanto das batatas como do pão, não podem ser excessivos, visto que estão na origem de hipertensão arterial que, quando existe, provoca problemas cardíacos e encurta, pela certa, o tempo de vida saudável.

2. Também a luta contra o sedentarismo deve ser incessante. Tem que ter início logo que a criança comece a dar os primeiros passos. O melhor presente de Natal para oferecer é um triciclo ou um carrinho de pedal.

Ir ao parque infantil é importante. Correr e brincar nos escorregas são atividades aconselháveis. Mesmo insubstituíveis.

Mas, a promoção do exercício físico deve ser uma preocupação constante em todas as fases do ciclo de vida, sobretudo depois das refeições. A ginástica e o hábito de andar a pé ou de dançar são indispensáveis para combater o sedentarismo, mesmo em idades avançadas.

3. É preciso falar no STRESS e, sobretudo, tudo fazer para o prevenir porque, comprovadamente, provoca a libertação de adrenalina que, por sua vez, tem efeitos indesejáveis, incluindo a nível do funcionamento do coração.

Por isso, a todo o custo, a vida quotidiana deve ser, o mais possível, tranquila em casa, no trabalho ou na rua. Procurar tudo fazer com serenidade, nomeadamente sem andar atrasado atrás dos ponteiros do relógio, não tomar refeições à pressa ou, durante a condução do automóvel, evitar as “horas de ponta” e as longas filas de trânsito ou, ainda, ficar parado impaciente nos semáforos a fazer contas aos minutos!

Moral da história:

Eis duas receitas que os médicos gostam de resumir sobre estilos de vida saudáveis:

1. Menos prato e mais sapato!

2. Não ver futebol na TV sentado no maple depois de um bom jantar!

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Lições pela Sua Saúde (I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 14 dezembro 2022

Fernando Pádua partiu aos 95 anos de idade. É a “lei da vida”, mas sempre uma tristeza. Uma grande perda para Portugal. Até há pouco tempo, as suas inesquecíveis lições continuaram a beneficiar toda a população. Ensinava com rigor através de exemplos muito simples. Mestre de mestres, muitos dos seus discípulos procuraram seguir os seus ensinamentos. Foi sempre um exemplo de coerência pelo estilo de vida que cultivava.

Já nos anos 60, Pádua insistia na necessidade de cada pessoa, na rotina diária, escolher opções por comportamentos protetores da saúde, em oposição aos comportamentos de risco.

Muito conhecedor e bom professor, sabia transmitir os seus vastos conhecimentos, mas com o cuidado de demonstrar a respetiva base científica para os explicar.

Eis dois exemplos paradigmáticos dos seus ensinamentos: o fumo do tabaco e a hipertensão arterial.

O fumo provocado pela combustão da folha do TABACO, quer fumado diretamente quer de forma passiva, está, comprovadamente, associado não só ao cancro do pulmão, como também a doenças cardíacas (como a angina de peito ou o enfarte do miocárdio).  Como se sabe, em espaços fechados, a poluição do ar interior provocada pelo fumo do tabaco é inalada por todos, mesmo por aqueles que não fumam. É aquilo a que os ingleses chamam de fumar em segunda mão (ou fumo passivo). Em Portugal, a luta para aprovar a Lei do Tabaco foi um processo difícil. Mesmo depois da sua aprovação, que proíbe o fumo em espaços fechados, alguns, desesperados, insistiam em continuar a fumar em locais proibidos. Consideravam-se intocáveis! Foi o caso do próprio José Sócrates e do seu ministro Manuel Pinho fotografados a fumar durante o voo de um avião fretado. Que figurões da República! A verdade, ao contrário deles, a Lei acabou por ser socialmente aceite e, seguramente, é, ainda hoje, a mais respeitada de toda a legislação que impõe regras (em particular, se comparada com o Código da Estrada). Que dizem as mães e pais que passaram a frequentar pastelarias e restaurantes em companhia das suas crianças? Que dizem os empregados de café que deixaram de fumar em segunda mão os cigarros dos clientes?

A HIPERTENSÃO ARTERIAL resulta, quase sempre, do excesso do teor de sal na alimentação. Por isso, é absolutamente essencial trocar o sal por ervas aromáticas, tanto frescas como secas (cebolinho, manjericão, coentros…). Realce-se que podem ser produzidas em casa desde que as respetivas sementes sejam plantadas em vasos. Quando uma pessoa é hipertensa o esforço do coração para bombear o sangue para a circulação do corpo é maior (como quem está a encher um pneu com uma bomba manual, também no fim, quando a pressão vai subindo o esforço é cada vez maior). Ora, sendo maior o esforço do coração, a sua fadiga manifesta-se por insuficiência cardíaca. Compreende-se, assim, antes de tudo, a necessidade em evitar o aparecimento da hipertensão arterial. Uma vez adquirida o seu tratamento é complicado.  A célebre cantilena que Fernando Pádua ensinava é realmente impressionante: metade das pessoas que tem hipertensão não sabe que é hipertenso; mas, a metade que sabe que tem hipertensão não faz o tratamento devido; da metade que trata a hipertensão, não faz corretamente o tratamento…

Moral da história:

Há lições e cantilenas que fazem pensar e mudar de vida!

Francisco George
Ex-Diretor-Geral da Saúde
franciscogeorge@icloud.com

Relatos Incompletos dos Anos 60 (IV)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 7 dezembro 2022

Também nos anos 60, o Movimento Estudantil adquiriu expressão política de relevo. Foram, então, conduzidas sucessivas lutas académicas, a favor de melhores condições de ensino e da conquista da Liberdade,

Em 1962, Oliveira Salazar manda proibir as comemorações do Dia do Estudante previstas para 24 de Março. A pacífica concentração dos estudantes promovida para manifestar a discordância com tal medida foi, imediatamente, reprimida pelos bastões da polícia e por centenas de detenções, na Cidade Universitária de Lisboa. Mas, a intervenção policial traduziu-se pelo aumento da coesão, da força e da razão dos estudantes. Na altura, em gesto político inesperado, Marcelo Caetano demitiu-se da sua condição de Reitor da Universidade. Esta sua atitude foi, naturalmente, interpretada como demonstração de apoio aos estudantes.

Habilmente, Caetano esperaria o momento certo para reaparecer.

A 17 de abril 1969, em Coimbra, apesar da promessa inicial em sentido contrário, o Presidente da República, Américo Tomaz, não autorizou o Presidente da Associação de Estudantes, Alberto Martins, a falar na cerimónia inaugural do novo Edifício das Matemáticas. Foi o rastilho que deu origem às incessantes cargas policiais. Em resposta, a Associação Académica promoveu inúmeras manifestações, protestos e greves às aulas e aos exames que impressionaram pelo pacifismo que assumiram. Com as outras universidades solidárias, a Crise de Coimbra representa um símbolo histórico de orgulho para os Estudantes Portugueses.

No ano anterior, a 3 de agosto de 1968, Salazar caiu de uma cadeira, durante as férias no Forte do Estoril. Acabaria por ficar incapacitado na sequência do grave Acidente Vascular Cerebral que sofreu. Foi tratado no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa e depois, já muito incapacitado, sem ter recuperado a lucidez, no dia 1 de maio de 1969, regressou ao Palácio de São Bento convencido que ainda era Presidente do Conselho… Ninguém foi capaz de o informar que, 8 meses antes, durante o internamento, tinha sido exonerado e logo substituído por Marcelo Caetano, a partir de 26 de setembro de 1968.

No final de abril 1969, Salazar gravou um discurso de agradecimento às pessoas que se interessaram pela sua saúde, através de mensagens endereçadas para o Hospital da Cruz Vermelha. Foi um espetáculo deprimente que pode ser facilmente revisitado, recorrendo ao Google a solicitar simplesmente: “discurso de Salazar de 28 de abril de 1968”. As imagens dos arquivos da RTP são tão confrangedoras como angustiantes, mesmo vistas à distância de mais de 50 anos.

Os correligionários mais próximos de Salazar chegaram a montar um espantoso cenário a fingir que ainda mandava no País. Conta-se que até realizaram sessões do Conselho de Ministros, ao estilo de representação teatral.

Os anos 60, foram, igualmente, marcados pelas trágicas cheias que ocorreram nos subúrbios de Lisboa, na noite de 25 de novembro de 1967. As enxurradas provocadas pelas chuvas tiraram a vida a 462 moradores, destruindo 1000 casas de habitação que tinham sido construídas em linhas de água. No dia seguinte, os Estudantes apresentaram-se, voluntariamente, para apoiar as populações afetadas.

Moral da história:

Nos memoráveis anos 60, o contraste entre as Lutas Estudantis em Portugal e as verificadas em maio de 68, em França, foi flagrante.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Relatos Incompletos dos Anos 60 (III)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 30 novembro 2022

É nos sixties que acontece a grande libertação da Mulher na sequência da introdução no mercado das primeiras pílulas anticoncecionais. Fez toda a diferença. Marcou, historicamente, o antes e depois. Desde então, a sexualidade das mulheres mudou para sempre. O lançamento da pílula contracetiva oral é, justamente, considerado um marco que indicou uma imensa mudança da Condição da Mulher, até mesmo no sentido “revolucionário”. Passou a ser possível planear o nascimento de filhos desejados, ao mesmo tempo que permitiu assumir a sexualidade feminina por inteiro. Curiosamente, a descoberta da PÍLULA deve-se ao cientista Gregory Pincus (1903-1967) que, na altura, conduziu as pesquisas que foram financiadas pela milionária norte-americana Katharine Dexter McCormick (1875-1967). Além de bióloga, Katharine distinguiu-se como lutadora pelos direitos das mulheres. Para lá de sufragista foi reconhecida como benemérita, depois de ter herdado parte da fortuna da família McCormick, a seguir à morte de seu marido. A pílula, começou a ser comercializada nos Estados Unidos da América em 1960, mas só três anos depois entra no mercado português com a designação de Anovlar. Foi socialmente aceite, tendo representado um imenso sucesso, apesar da oposição da Igreja Católica.

Foi, também, em 1963, que Salazar mandou encerrar as casas de prostituição e acabar com a atividade de prostitutas em público. Medida que, naturalmente, não iria terminar com a existência da profissão…

A década dos 60 é, igualmente, assinalada pela moda das saias de 30 cm. Foi uma grande novidade! Ficaram célebres essas minissaias, idealizadas pela estilista inglesa Mary Quant. Na época, a top model, Lesley Lawson, mais conhecida como Twiggy, assumiu grande destaque no marketing das minissaias que mereceu grande cobertura pelos órgãos de comunicação social de todo o mundo. O êxito foi tal que, em 1966, a rainha Elizabeth II decidiu atribuir a condecoração da Ordem do Império Britânico à estilista Mary Quant que, rapidamente, passou do anonimato a principal designer de moda dos sixties.

No domínio da política internacional, este período é dominado pela longa Guerra do Vietnam (1955-1975) entre os exércitos de Hó Chí Minh e as tropas norte-americanas às ordens dos sucessivos presidentes: John Kennedy, Lyndon Johnson, Richard Nixon e Gerald Ford. Foram 20 anos de constantes crueldades, transmitidas pelas televisões de todos os países. Um horror. No final, a derrota dos Estados Unidos da América, simbolizada, a 30 de abril de 1975, pelos helicópteros lançados ao mar pela borda do porta-aviões, à saída de Saigão, possibilitou, logo no ano seguinte, a reunificação do Vietnam, antes dividido em Norte e Sul.

Por outro lado, a Guerra Fria, em resultado da separação do mundo em dois blocos, tem o seu auge em outubro de 1962, durante a “Crise das Caraíbas” dos mísseis nucleares soviéticos a caminho de Havana. O acordo de última hora, conseguido in extremis entre a União Soviética de Nikita Khrushchev, a América de John Kennedy e Cuba de Fidel Castro e Che Guevara, evitou um conflito de proporções impensáveis.

Moral da história:

Como terá sido a vida de uma família portuguesa antes da pílula, em 1963?

Francisco George
Ex-Diretor-Geral da Saúde
franciscogeorge@icloud.com

Relatos Incompletos dos Anos 60 (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 23 novembro 2022

Como, aqui, já se viu, António Oliveira Salazar começou os anos 60 atormentado.  Mesmo muito amargurado. As suas angústias intensificam-se ao ter sabido, no dia 19 de dezembro de 1961, que o governador Vassalo e Silva assinou a rendição incondicional das Forças Armadas Portuguesas, desobedecendo às suas ordens. Seguiu-se, imediatamente, a reintegração dos territórios de Goa, Damão e Diu na Índia. Nos meios políticos e diplomáticos internacionais houve manifestações de aprovação e simpatia a Nehru, quase unânimes, incluindo por parte dos chamados “aliados ocidentais” de Portugal. Nehru, colocou, assim, fim a 450 anos de presença de Portugal na Índia e conseguiu isolar Salazar.

Passados apenas 13 dias, acontece o assalto ao Quartel de Infantaria 3, de Beja, realizado por Humberto Delgado e Varela Gomes. Foi outro imenso abalo para o regime logo às primeiras horas do Ano Novo de 1962. Delgado fica em Vila de Frades, escondido pelo seu amigo José Luís Conceição Silva, à espera de informações provenientes de Beja. Ao mesmo tempo, Varela Gomes, à frente de um grupo de civis, assalta o Regimento. No final da troca de tiros, Varela cai ferido e a operação fracassa. Insucesso para a Oposição, só compensado pela propaganda internacional dos acontecimentos mencionados pela Imprensa de todo o mundo.

Nesse mesmo ano, surgem os movimentos de libertação em Angola, Moçambique e Guiné. Salazar promove a célebre resposta “para Angola, rapidamente e em força” para tentar manter o Império. Para tal, manda mobilizar tropas para as colónias. Cada vez mais solitário no plano internacional, insiste em enviar soldados portugueses lutarem contra a História. Testemunha, incomodado, a independências de novos estados africanos, quer anglófonos quer francófonos, nomeadamente: Gana logo em 1957; Guiné Francesa em 1958; Senegal em 1960; Mali em 1960; Congo em 1960; Gabão em 1960; Nigéria em 1960; Mauritânia em 1960; Níger em 1960; Costa do Marfim em 1960; Camarões em 1960; Togo em 1960; Benim em 1960; Tanzânia em 1961; Serra Leoa em 1961; Quénia em 1963; Zâmbia em 1964… Afinal, nessa época, a França era governada pelo presidente Charles de Gaulle e a Inglaterra pelo primeiro-ministro Macmillan, ambos conservadores, que conduziram a descolonização com tranquilidade. Que diferença!

Este cenário de sucessivas independências, em catadupa, conduz Salazar a procurar apoios nos regimes de apartheid de minoria branca da Rodésia e da Africa do Sul.

Para além da política, os anos 60 eram vividos, igualmente, com poesia, em especial pela juventude. Era o tempo das festas e bailes nas sociedades recreativas, nos salões dos bombeiros ou nas garagens das famílias abastadas. A música dominante era francesa com as vozes de Reggiani, Aznavour, Yves Montand, Brel, Françoise Hardy e Sylvie Vartan. Todavia, no mesmo período, irrompem com grande esplendor, sobretudo entre jovens, as bandas de rock britânicas dos Beatles, dos Rolling Stones e, depois, The Animals que interpretam a famosa adaptação House of the Rising Sun, que foi cantada ao vivo, em Lisboa, no Monumental, por iniciativa de Vasco Morgado.

Todos com enormes sucessos, traduzidos pelas vendas de discos, impulsionadas pelas constantes emissões das estações de rádio.

Moral da história:

Nem sempre, os países aliados apoiam políticas contra a História…

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Relatos Incompletos dos Anos 60 (I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 16 novembro 2022

Quem nasceu na segunda metade dos anos 40 e na primeira metade dos anos 50, tem uma visão clara dos eventos da década de 60. Os sixties. Testemunhos e memórias desta época seguir-se-ão nas próximas semanas. Os relatos são baseados em acontecimentos reais, sem ficção, nem têm acrescentos ao estilo de pinturas.

Nesses anos, o ambiente em Lisboa, não espelhava o atraso social do País, se bem que a pobreza fosse visível. Abundavam bairros de lata, sobretudo na periferia de certos bairros centrais.

Era o tempo do “salto” para França, à procura de nova vida e melhor remuneração. Na altura, funcionavam redes clandestinas de passadores que, a troco de dinheiro, colocavam os emigrantes fora das fronteiras portuguesas. Uma vez chegados ao destino, eram, sistematicamente, confrontados com a dureza do novo começo. A ausência do paraíso, era desconcertante. Era preciso não desistir. Quase sempre, acabariam por encontrar trabalho ou em famílias francesas mais abastadas ou como porteiros de blocos de habitação ou operários de oficinas ou em grandes fábricas. As remessas dos emigrantes representavam uma das “riquezas” para as finanças públicas geridas pelo austero Salazar.

Mas, os anos 60 ainda mal tinham começado, quando a espetacular fuga de Álvaro Cunhal, que estava preso no Forte de Peniche, surpreende Salazar.

Poucos meses depois, o regime viria a sofrer muitos outros desaires.

Em 21-22 de janeiro de 1961, o paquete “Santa Maria” foi assaltado e desviado, em pleno oceano, por oposicionistas liderados pelo capitão Henrique Galvão, que o rebatizou de “Santa Liberdade”. Foi uma aparatosa operação de propaganda para chamar a atenção do mundo, através da Imprensa, para os regimes ditatoriais em Portugal e Espanha. Nesta perspetiva terá sido um sucesso para a Oposição.

Nesse período crítico, a 17 de dezembro do mesmo ano, outro imenso revés para o regime foi a invasão de Goa pela Índia, governada pelo primeiro-ministro Pandita Nehru. Em poucas horas, o Exército Indiano pôs fim à presença secular de Portugal em Goa, Damão e Diu. Então, a partir de Lisboa, Salazar envia um telegrama para a guarnição portuguesa de Goa a dar instruções para lutarem até à morte. Ora, a diferença numérica era assombrosa entre as forças armadas portuguesas que aí mantinham apenas 3300 soldados (e uma pequena força naval) e as indianas que mobilizaram um total de 45000 militares, para além da Armada de Guerra com 1 porta-aviões, 1 cruzador, 3 contra-torpedeiros e 4 fragatas e, também, a Força Aérea composta por 50 caças. Perante esta desigualdade das forças em confronto, o governador português, general Manuel Vassalo e Silva, rende-se ao compreender que a ordem de Salazar não faria qualquer sentido, até porque não era o ditador a morrer…

A perda do Estado da Índia representou o início do fim do Império Colonial. Foi tal o tamanho do abalo emocional para Salazar que o impediu de discursar sobre o assunto na sessão da Assembleia Nacional. Ao começar a falar, já com o microfone pela frente, perde subitamente a voz e em gesto que dramatiza passa os papeis da sua intervenção ao Presidente da Mesa. Cena inesquecível para quem acompanhou a emissão em direto pela Emissora Nacional.

Moral da história:

Mandar os outros morrer é fácil, quando são os outos. Teria Salazar dado a mesma ordem se estivesse em Goa?

Francisco George
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