Campo de Ourique: um conto cento e dez por mês

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 9 novembro 2022

Ser bairrista é bom. Mas, para tal, é preciso ser rigoroso e exigente na apreciação dos múltiplos critérios de avaliação.

Logicamente, todos preferem habitar em zona agradável. Todos gostam que o bairro de residência seja limpo, apresentável e atraente. Na dimensão urbana, tem que ser bem planeado e gerido. Igualmente, deve ter árvores, jardins muito cuidados, equipamentos sociais destinados a crianças e idosos, também. É bom que assim aconteça.

Mesmo, atendendo à saúde individual e da família, é importante a ligação afetiva estabelecida entre a pessoa e o apartamento onde se habita, que deve ter luz natural e receber raios solares. O respetivo prédio tem que estar devidamente conservado e implantado em quarteirão espaçoso e recheado de blocos, mas de dimensão humana.

Segurança nas ruas, imprescindível. Lugares de estacionamento de automóveis, indispensáveis.

Assim acontecia em Lisboa, precisamente, em Campo de Ourique. Eram os anos 50 e 60 do século passado. Ambiente, então, de encantar. Uma vaidade para quem aí morava. Rendas acessíveis, apenas para a classe média, visto que estavam limitadas pela “tabela” de um conto cento e dez escudos por mês para um apartamento com cozinha, casa de banho, sala e dois quartos.

Por isso, os andares com papeis brancos colados nos vidros das janelas que assinalavam estarem vazios e prontos para alugar eram visitados por jovens casais à procura de casa. Quase todos eram médicos, advogados, engenheiros ou professores. Profissões liberais, mas, também empresários e empregados de escritório de grandes empresas.

As edificações, relativamente equilibradas em altura, preenchiam os arruamentos perpendiculares e paralelos ao redor do Jardim da Parada.

O Bairro foi sempre servido por abundantes transportes assegurados pela Companhia Carris, quer em autocarros quer em carros elétricos com percursos dos Prazeres até à Baixa ou pela Ferreira Borges a caminho das Amoreiras.

O grande mercado municipal da Coelho da Rocha garantia o abastecimento regular de alimentos, frescos, de qualidade, a par das lojas de mercearias finas, quase sempre familiares. As cafetarias principais mais frequentadas eram a Tentadora, Aloma e a Értilas. Entre os restaurantes mais procurados, estavam o Canas, Gigante, Sevilhana e Velha Goa.

Os cinéfilos iam ao Europa ou ao Paris, na Domingos Sequeira. A Concorrente e a Volga como livrarias e papelarias eram muito apreciadas.

Ali residiram intelectuais, escritores e políticos que marcaram a História da Cultura Portuguesa: Fernando Pessoa e os seus heterónimos (1888-1935), Bento de Jesus Caraça (1901-1948), António Ferreira de Macedo (1887-1959), Rómulo de Carvalho e António Gedeão (1906-1997), Joel Serrão (1919-2008), Jorge Borges de Macedo (1921-1996), Fernando Assis Pacheco (1937-1995), Luís Sttau Monteiro (1926-1993), Jorge Sampaio (1939-2021) …

Por outro lado, os trabalhadores e operários, viviam nas zonas mais periféricas do Bairro, como a Travessa do Bahuto, Fonte Santa, Meia-Laranja, Casal Ventoso, Maria Pia…

Nessa época, a pobreza era chocante. Era o tempo dos meninos pés-descalços e dos caixotes de lixo, logo pela manhã, remexidos por quem andava ao trapo com um grande saco ao ombro, à procura de restos e de papel para vender.

Moral da história:

A vida urbana pode ser compensadora, se …

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Terror Atómico

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 2 novembro 2022

O urânio é um elemento químico, metálico, radioativo, que se encontra na natureza, nomeadamente em Portugal.

A principal característica que possui, em emitir radiação, foi descoberta, em 1896, pelo físico francês Antoine-Henri Becquerel (1852-1905). Foi ele que demonstrou que tanto em estado de metal como em qualquer combinação (compostos) o urânio irradia, espontaneamente, radiações invisíveis que, na altura, descobriu por impressionarem as chapas fotográficas.

As investigações sobre a aplicação das propriedades, singulares, do urânio prosseguiram na primeira metade do Século XX. Rapidamente, os cientistas concluíram que poderia ser utilizado quer na produção de energia elétrica em centrais nucleares construídas para o efeito (com a vantagem de não produzir carbono), quer em armamento com poder de destruição maciça.

Por isso mesmo, agora, é preciso falar de bombas atómicas e em acidentes ocorridos nas centrais de energia nuclear. É preciso que os cidadãos conheçam mais sobre os seus efeitos. Que imaginem o nível de devastação e de imensa destruição que provocam.

Só assim poderá crescer o clamor a favor da sua eliminação como arma.

Só assim poderá crescer o clamor a favor da Paz.

Precise-se.

Passaram 77 anos desde os lançamentos de duas bombas atómicas lançadas pelos Estados Unidos da América sobre o Japão, em Hiroshima, a 6 de agosto e três dias depois, em Nagasaki, em 1945. A primeira foi uma bomba de urânio e a segunda de plutónio. Em Hiroshima morreram, instantaneamente, mais de 70.000 pessoas e em Nagasaki um número superior a 40.000.

Foi há 77 anos, sublinhe-se. Ao longo de tantos anos, desde o final da II Guerra Mundial, não será difícil de imaginar o grau de “aperfeiçoamento” das novas armas nucleares. Por isso, é de admitir que um eventual próximo bombardeamento seria ainda muito mais dramático. Ninguém duvida que os efeitos provocados, hoje, pelo lançamento de uma bomba atómica seriam arrasadores para seres humanos, fauna, flora e ambiente. Uma imensa devastação.

Um cenário de guerra atómica, a acontecer, deixaria a região bombardeada sem qualquer resposta. Um terror. Nada haveria a fazer para reduzir as consequências e para prevenir os efeitos na saúde de sobreviventes. Nem caves de betão como, antigamente, se construíam na Suíça para servirem de refúgios atómicos, por inutilidade absoluta. Nem comprimidos de iodo que apenas têm indicação para o caso de desastres nucleares ocorridos em centrais de produção de energia, num raio de 30 quilómetros do local do acidente (como sucedeu em Chernobyl e Fukushima).

Em síntese: nada capaz de prevenir os efeitos depois da explosão do cogumelo. Nada como limitar, nem encurtar, os danos a seguir. Ou se morre imediatamente, ou nas semanas seguintes, devido a queimaduras e ao envenenamento radioativo.

Moral da história:

O único reator nuclear em Portugal, localizado em Sacavém, foi desativado em 2016 e o respetivo combustível nuclear foi enviado para os Estados Unidos da América, em 2019. Por isto mesmo, uma vez que não existe qualquer instalação nuclear, a utilização de comprimidos de iodo não faz qualquer sentido.

Falar sobre a Guerra e lutar pela Paz são as mais importantes medidas de prevenção para evitar a atual escalada a caminho de conflitos nucleares.

Estarão as sanções à Rússia apontadas neste sentido?

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Mulheres (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 26 outubro 2022

Já aqui foram retratadas, resumidamente, as histórias de duas mulheres portuguesas, contemporâneas. Ambas lutadoras. Uma nascida na Póvoa de Lenhoso, no Minho, e outra, no outro lado do Atlântico, no Brasil, mas ainda integrado no tempo do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.  Uma, foi Maria da Fonte e a outra Ana Maria de Jesus Ribeiro que viria a ser Anita Garibaldi, depois de casar com o célebre general libertador da Itália.

Infelizmente, sabe-se muito pouco do percurso da vida de Maria da Fonte. Terá mesmo existido? Ou será uma alegoria? Um mito? Uma lenda?

Mas, a ser verdade que existiu e admitindo que teria cerca de 20 anos quando liderou a Revolta do Minho, durante a Primavera de 1846, teria sido possível que tivesse nascido na freguesia de Fonte Arcada, por volta de 1826, durante o reinado de Maria II de Bragança.

É um período fascinante da História de Portugal. Era uma época marcada por permanente agitação, expressa por exaltadas lutas, guerras civis, motins, emboscadas, tumultos, escaramuças, revoltas, remexidas, revoluções e golpes palacianos que se seguiram ao Grito da Independência Brasileira, a 7 de Setembro de 1822.

Portugal, em 1846, era, então, um país marcado por imensa pobreza. A população residente ainda não atingia quatro milhões de habitantes. Nesse ano, os adultos eram maioritariamente analfabetos. Em cada dez Portugueses, oito não sabiam ler nem escrever. As povoações estavam isoladas, sem vias de comunicação entre elas e sem meios de transporte. Entre Lisboa e Porto, devido à falta de estradas seguras, as pessoas iam de barco ao longo da costa marítima. As epidemias, associadas à miséria, eram persistentes, em especial a cólera. À frente do Governo estava António Costa Cabral (1803-1889).  Era o Cabralismo.

É nesse período histórico que surge a figura de Maria da Fonte. Real ou fantástica, a ela se deve a Revolta para combater o nepotismo e a corrupção de Costa Cabral.  Para tal, como era preciso animar a mobilização popular, muito terá contribuído o famoso hino, composto no mesmo ano, em 1846, que tem como refrão inspirador:

Eia avante, Portugueses!
Eia avante, não temer!
Pela santa Liberdade,
Triunfar ou perecer!

 E assim aconteceu. Uma vez derrubado, definitivamente, o Cabralismo, em 1851, começou um novo ciclo assinalado pela mudança dos protagonistas políticos. Mais jovens. Mais dinâmicos. Mais patriotas.

Foi a época da Regeneração que proporcionou um processo de aceleração de desenvolvimento socioeconómico, traduzido por indiscutível prosperidade, comandado por António Maria Fontes Pereira de Melo (1819-1887). Foi o Fontismo.

Logo em 1853, começam a ser utilizados selos postais e iniciam-se as obras públicas de assentamento dos caminhos de ferro. O primeiro troço, entre Lisboa e o Carregado, foi inaugurado três anos depois, no mesmo ano da entrada em funcionamento da rede de telégrafos elétricos.

Em 1854, os escravos pertencentes ao Estado são libertos e no ano seguinte é concedida a liberdade a todos os escravos, desembarcados em Portugal, na India e em Macau.

Constroem-se mais escolas. Mais infraestruturas. Há mais Liberdade. Mais desenvolvimento.

Moral da história:

É preciso visitar a Póvoa de Lenhoso. Parar aí. Pensar em Portugal de 1846. Reviver esse tempo. Relembrar o exemplo de Maria da Fonte. Reconhecer que a vontade popular é inquebrantável.

Francisco George
george@icloud.com

Mulheres (I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 19 outubro 2022

Maria da Fonte é uma figura histórica, fascinante. Uma heroína. Provavelmente a mais conhecida dos Portugueses. Foi ela que, em 1846, mobilizou as populações do Norte para lutarem por melhores condições de vida.

Os aumentos de impostos e o novo recrutamento militar, por um lado e por outro a proibição governamental de enterrar mortos nas igrejas, despoletou a Revolta. Maria da Fonte, cedo percebeu que era necessário pelejar muito para mudar as políticas ditadas por Lisboa. A partir da freguesia de Fonte Arcada, em Póvoa de Lenhoso, Maria lidera a luta que, rapidamente, alastra por todo o Minho. É o Povo que se manifesta contra os governantes para exigir viver melhor.

Em Lisboa, os políticos descontentes com o Governo, juntam-se à contestação. Espontaneamente, apoiam Maria da Fonte. Também, pretendem um rumo diferente. Mais prosperidade. Reconhecem que para tal, são precisas mudanças no Poder Político.

Nesse tempo, Costa Cabral estava à frente do Governo do Reino. A população culpa-o de nepotismo, uma vez que, pela sua mão, o seu pai e dois irmãos ingressaram no Parlamento. É, igualmente, acusado de corrupção, por ter enriquecido à custa do seu cargo político, apesar das suas origens familiares serem modestas. Pouco tempo depois, a Revolta da Maria da Fonte vence o Cabralismo. Os “Cabrais” são afastados. Derrubados. Iria, a seguir, começar o período da Regeneração, com outros protagonistas políticos, mais jovens e pontuado pela figura mais simpática de Fontes Pereira de Melo. Maria da Fonte está, devidamente, representada na estátua do Jardim da Parada, em Lisboa, a partir de 1920. É a heroína inspiradora. A obra, esculpida em mármore por Costa Mota, retrata uma mulher jovem, descalça, com vestes populares minhotas, empunhando um pau com ponta de ferro por cima do ombro esquerdo e uma pistola na mão direita. Parece correr à frente de manifestantes contra o Cabralismo.

Menos conhecida, em Portugal, é Ana Maria de Jesus Ribeiro que nasceu a 30 de Agosto de 1821, em Santa Catarina, antes da Independência do Brasil. Contemporânea de Maria da Fonte, Ana tem um percurso muito distinto e, ao contrário da Minhota, percorre os “dois lados do mundo” a batalhar pela Liberdade.

Também diferente de Maria da Fonte, Ana tem uma história real. Muito bem documentada. A sua vida é romântica, mas ao mesmo tempo de glorificação pelo exemplo da sua coragem, heroísmo e pela dedicação à causa da Liberdade. Ana é descendente de açorianos pobres que imigram para o Brasil. Casa pela primeira vez com um artesão sapateiro. Mas, o casamento acaba ao fim de 3 anos, sem filhos. Depois, em 1839, encontra o patriota italiano Garibaldi, na altura refugiado no Brasil. Entre eles, nasce paixão. Há comunhão de ideais. Passa a ser Anita Garibaldi. Com ele, combate nas Américas e depois pela Independência de Itália. Mãe de três filhos, continua a batalhar, em Roma, pela unificação de Itália ao lado de Garibaldi. A etapa final da sua vida é dramática. Em 1949, morre, grávida de 5 meses, a lutar.

Moral da história:

Simbolismo e realidade associam Maria e Anita.

Procuram-se produtores e realizadores de cinema para filmarem as fantásticas histórias de vida das duas heroínas Maria da Fonte e Anita Garibaldi. Poderão submeter os respetivos argumentos às plataformas de streaming NETFLIX ou HBO Max. Sucesso garantido. Inadiável.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Humanismo

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 12 outubro 2022

Trabalhar, voluntariamente, em organizações humanitárias representa uma forma diferente de estar na vida, por múltiplas razões. Antes de tudo, pela sensação, única, em construir Humanismo. Desenvolver Solidariedade. Cultivar Fraternidade.

Esta ideia começou há muitos atrás, no tempo da Segunda Guerra da Independência de Itália, em 1859. Então, o poderoso Exército do Imperador Austro-Húngaro, Francisco José, combatia a Itália que lutava pela Libertação do seu Território.

Era o tempo do guerrilheiro Garibaldi (1807-1882), mas, também, do compositor Verdi (1813-1901) que compunha as suas eternas óperas.

Nesse ano, em 1859, confrontaram-se, por um lado, as tropas francesas de Napoleão III, aliadas aos exércitos italianos do Reino da Sardenha de Vítor Emanuel II e das Províncias Unidas do Centro e por outro lado, os contingentes do Império da Áustria às ordens de Francisco José I. Os Aliados juntam mais de 190 mil soldados e 800 peças de artilharia. Os austríacos, em desespero, chegam a mobilizar, ao longo da campanha, um total superior a 250 mil militares.

Primeiro, foi Garibaldi, que à frente de forças voluntárias, conhecidas como Caçadores dos Alpes, derrotou os austríacos em Abril e depois, em Solferino (aldeia da Lombardia), em Junho, o Imperador da Áustria sofreu, novamente, pesada derrotado imposta pelos Aliadas.

As crónicas da época que descrevem em pormenor a Batalha de Solferino são impressionantes. Perturbam pela crueldade. Comovem. O conflito armado envolveu, somando os dois lados, mais de 200 mil soldados. No final do dia, os campos dos confrontos armados ficaram povoados de corpos prostrados no chão vermelho, ensanguentado. Eram muitos milhares de soldados, mortos e feridos, dos dois exércitos. A impiedosa dureza dos combates retrata uma desumanidade absoluta.

Era preciso organizar o socorro aos combatentes, mas sem distinção de nacionalidade. Eram muitos milhares de feridos. Homens em horrível sofrimento que necessitavam de apoio urgente. Reclamavam por cuidados, às vezes era até tão simples como a limpeza de um ferimento superficial ou dar água a beber. Outras, pelo contrário, em soldados sem forças devido aos ferimentos graves provocados por tiros de espingarda, de canhão ou baionetas. Um horror difícil de descrever.

Foi então que o cidadão suíço, Henry Dunant, que presenciou a desumanidade da Batalha, foi procurar ajuda aos residentes, civis, da aldeia para recolherem os soldados feridos, a fim de serem tratados sem qualquer distinção. Derrotados e vitoriosos. Os socorristas voluntários ignoravam as cores dos fardamentos e as nacionalidades. Era tempo de sobrepor os valores do Humanismo a quaisquer outros interesses. Italianos, franceses, austríacos eram todos homens. Todos sofriam. Todos distantes das famílias. Todos precisavam de auxílio. Por igual. Sem nenhum tipo de discriminação.

Logo depois, muitos outros conflitos, com cenários semelhantes, voltaram a acontecer.

Homens continuam a guerrear contra outros homens. Preferem soluções belicistas na resolução de conflitos. Não privilegiam o diálogo.

Hoje, assim é, entre Russos e Ucranianos. Que atrocidades! Uma vergonha, antes de tudo, para Putin.

Moral da História:

Será que os líderes da NATO, da União Europeia, do Reino Unido e Estados Unidos da América, ao enviarem tanto armamento para a Ucrânia, estarão a erguer a Paz ou a Guerra?

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

50 ANOS

Catarina nasceu em Lisboa a 5 de outubro de 1972. A família tem raízes Orientais, em Macau.

Formada em Gestão e Administração Pública pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa em 1995, é desde logo atraída pela Administração Hospitalar. Sabia que iria lidar com a complexidade dos assuntos tutelados pelo Ministério da Saúde.

Catarina Sena gostava de ser funcionária pública. Trabalhar para o Estado. Para todos os Portugueses. A maior ambição que assume ter é sentir que o seu próprio trabalho é útil. Integrar equipas. Fazer bem.

Talvez por isso, a qualidade dos seus trabalhos é rapidamente notada.  Sobressai. Todos pretendem a sua contribuição como assessora. Assim acontece no Gabinete, na Escola Nacional de Saúde Pública ou na Direção-Geral da Saúde.

Aqui, na DGS, organiza a Parceria Público Privada da “Saúde 24”. Planeia e organiza o famoso número 808 24 24 24. Cuida de muitos outros dossiers com a mesma classe. Isso mesmo, muita classe.

Catarina Sena não ultrapassou os 47 anos. Poucas mulheres terão dado tamanha luta às células malignas do cancro da mama que iria roubar a sua vida tão cedo. Antes, a coragem marca a sua última etapa. Muita coragem. Não desiste. Firme.

A sua amizade é inesquecível.

5 de Outubro, 2022
Ana Pedroso
Eva Falcão
Francisco George

Portugal em 1910-1911

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 5 outubro 2022

Quando José Relvas (1858-1929), à Varanda da Câmara Municipal de Lisboa, proclama a implementação da República, às 11 horas da manhã, do dia 5 de Outubro, de 1910 e anuncia a constituição do Governo Provisório, presidido pelo açoriano Teófilo Braga (1843-!924), começa uma nova era em Portugal. Pouco mais de 30 horas de combates armados, unicamente em Lisboa, foram suficientes para por fim à Monarquia que acabaria nesse dia, sem oposição.

Como se sabe, na véspera, o rei Manuel II de Bragança fugiu de Lisboa para ir dormir nos seus aposentos no Palácio Nacional de Mafra. Foi a sua última noite em Portugal. No dia seguinte, na Ericeira, irá embarcar no iate “Amélia” rumo a Gibraltar. Sua mãe, a rainha consorte, Amélia de Orleães, sai do Palácio da Pena, para se juntar a Manuel e restante família real, incluindo a rainha Maria Pia de Saboia, consorte do rei Luís de Bragança. Na Praia dos Pescadores, o local onde toda a família partiu para o exílio está, ainda hoje, devidamente assinalado na muralha do areal. Uma vez chegado ao porto de Gibraltar, Manuel II foi para Inglaterra, onde viria a casar. Morreu, em 1932, sem deixar descendentes.

Portugal, na altura do Governo Provisório (1910-1911), era rural e atrasado nas dimensões económica e social. À época, estava muito distante da Europa. Pobreza generalizada, localidades isoladas, ausência de sistema de saúde. Fragilidade da instrução pública.

Repare-se.

O País tinha 5,5 milhões de habitantes.

A taxa de analfabetismo da população total ascendia a 75%. Porém, a situação era ainda mais grave no género feminino, visto que em cada 10 mulheres com idades superiores a 7 anos, 8 não sabiam ler nem escrever.

No final da Monarquia, a Indústria Portuguesa era principiante. Em termos de energia, utilizava apenas 111 mil cavalos-vapor (o equivalente a quase 7 vezes menos do que a “pequena” Bélgica)

Era preciso recuperar. Andar depressa. Colocar a prosperidade no centro de todas as preocupações.

Até à aprovação da nova Constituição, em 1911, os governantes iriam cumprir as principais medidas previstas no Programa Republicano. Naturalmente, o atraso estrutural da sociedade portuguesa continuaria, mas o ambiente social do País passa a ser bem distinto.

Mesmo antes da eleição de Manuel de Arriaga como primeiro Presidente, em 1911, a Portuguesa é adotada como hino. Ao mesmo tempo, é introduzido o Escudo como nova moeda nacional: 1 escudo passa a equivaler 1000 reis, dividido em 100 centavos (10 centavos eram designados como um tostão).

Para além da política monetária, são promulgadas importantes reformas que criam um clima diferente, nomeadamente as Leis do Divórcio, do Inquilinato e da Família.

Vive-se um ambiente marcado por mais confiança social. Há avanços na valorização do humanismo, na perspetiva de melhorar e dignificar as condições de vida, sobretudo dos pobres e excluídos.

Medidas como o decreto do descanso semanal obrigatório, ou a lei da Greve são, igualmente importantes.

Moral da História sobre a diferença entre a Monarquia e a República:

A Ética Republicana implica dois princípios interligados: por um lado, o Chefe do Estado ser escolhido livremente pelos seus compatriotas, através de eleições e, por outro, a possibilidade de um cidadão, por sua própria decisão, poder candidatar-se à Presidência do seu País.

Assim sendo, Viva a República.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Pobreza – Doença – Pobreza

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 28 setembro 2022

É preciso falar sobre pobreza. Pois, são muitos portugueses que estão em risco de pobreza ou de ficarem na condição de socialmente excluídos. Estimativas já de 2022, calculam que são mais de 2,3 milhões de pessoas. O equivalente 22% da população. Uma dimensão incompreensível em regime democrático. Inadmissível. Intolerável. Quase 50 anos depois da Aclamação da Democracia, ninguém pode aceitar tal magnitude da pobreza. Nem concordar com a sua persistência. Nem ser indiferente a tanta desigualdade.

Reveja-se a História.

A relação da pobreza com a doença é, há muito, conhecida. É geradora de um círculo vicioso, traduzido por um processo infernal: os pobres adoecem mais vezes e uma vez doentes, mais pobres ficam. Por outras palavras: a pobreza é causa de doença e a doença é causa de pobreza.

Aliás, o próprio conceito de saúde pública nasceu, em meados do século XIX, durante a Grande Fome que ocorreu na Irlanda, no seguimento do aparecimento, inesperado, de uma praga que destruiu as plantações de batatas. Como as batatas eram a fonte alimentar principal dos trabalhadores irlandeses, a sua falta provocou uma imensa tragédia, traduzida por doenças, pela elevada mortalidade e pela emigração massiva. Na altura, um milhão de pobres morreram e mais de um milhão emigraram, muitos deles para a longínqua América.[i] Um quarto dos habitantes da Irlanda ou morreram ou fugiram da fome.

Na mesma época, a Oriente da Irlanda, do outro lado do Canal que separa as ilhas, a situação de saúde das classes trabalhadoras de Inglaterra, sem a gravidade da Crise da Fome, assumia proporções impressionantes.

Friedrich Engels, que com Karl Marx viria a escrever muitas obras, publicou, em 1845, o célebre livro sobre “A Situação da Classe Trabalhadora em Inglaterra”, baseado nas observações que fez durante a sua demorada permanência em Manchester. No tempo da rainha Vitória, exemplo de cidade altamente industrial, no auge da energia a vapor e das máquinas destinadas a processar o algodão nas unidades têxteis. Mas, cidade marcada pela miséria.

A consciência pública das deploráveis condições de vida do operariado inglês, marcou, historicamente, o nascimento da Saúde Pública como importante sector do Estado. A primeira Lei de Saúde Pública foi aprovada em 1848 (Public Health Act). Estipula, entre outras normas inovadoras, que nas localidades com taxa de mortalidade geral acima de 23 por mil, deviam ser criadas entidades para superentender em matéria de saúde pública, em articulação com o organismo central que foi instituído, igualmente.

Também em Inglaterra, mas já no Século XXI, o especialista em saúde pública, Michael Marmot, demonstrou a existência de um gradiente social, gerador de um fosso (GAP) que separa ricos e pobres. Verificou que os primeiros sinais de Alzheimer aparecem 15 anos antes em pobres quando se compara uma amostra representativa de pessoas com rendimentos altos, por um lado, com uma amostra, também representativa, de pessoas de baixos rendimentos, por outro.

Moral:

Ninguém pode ficar em sossego. É preciso falar de pobreza. Mas, antes de tudo, fazer mais para a combater. Uma questão de responsabilidade.

Francisco George
www.spsp.pt


[i] O mais célebre dos emigrantes terá sido Patrick Kennedy que nasceu na Irlanda em 1823 e viria a morrer nos Estados Unidos da América, em Boston, em 1858. O presidente John F. Kennedy era seu bisneto.

Elevação da Promoção da Saúde

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 21 setembro 2022

No plano histórico, os assuntos da Saúde no tempo da Monarquia dos Braganças estavam, a nível do Estado, entregues ao Ministério do Reino que, no fundo, tratava de todas as pastas da governação e não apenas do sector da Saúde.

Foi durante o imenso sobressalto que a Epidemia de Peste provocou, que a Corte e o Governo decidem instituir a Direção-Geral da Saúde e Beneficência. Medida imediatamente concretizada, em Outubro de 1899, ainda antes da epidemia ter acabado. Na altura, o primeiro caso de Peste aconteceu na Rua da Fonte Taurina, junto à Ribeira, no Porto, em pleno Verão desse ano. O médico municipal, Ricardo Jorge, como delegado de saúde do Porto, liderou, com assinalável sucesso, todas as ações de controlo do surto. Insistiu na importância da higiene individual, familiar e comunitária. Para ele, a falta de limpeza urbana e o estado insalubre dos bairros e das casas habitadas por trabalhadores pobres, explicavam o regresso da Peste Medieval. Ricardo Jorge tudo faz para controlar a epidemia e impedir a sua propagação a outras cidades. Porém, os comerciantes portuenses não gostam das medidas, por ele, implementadas, nem do seu rigor preventivo. Receiam quebras nos negócios. Chegaram a espalhar a ideia que a epidemia era inventada. Ameaçaram Ricardo Jorge, obrigando-o a fugir da sua cidade natal. Lisboa acolheu-o. Aqui começou a trabalhar no sentido de promover a saúde de todos os Portugueses. Trabalhou muito. Derrubou barreiras. Apontou o rumo da Higiene e da Prevenção, que não conseguira no Porto. Abriu a mente a muitos políticos, deputados e governantes, quer da Monarquia Constitucional, quer da República. Logo em 1911, o ministro do Governo Provisório, António José de Almeida, nomeou-o Diretor-Geral de Saúde. Depois, também, no Estado Novo, continuou a batalhar por mais reformas, pela maior ênfase da Saúde Pública nas políticas de saúde. Nem sempre terá sido compreendido.  Infatigável até ao limite de idade dos 70 anos, Ricardo Jorge era uma figura estimável.

Oliveira Salazar manteve, por longos anos, a Direção-Geral de Saúde (DGS) integrada no Ministério do Interior. Sublinhe-se este aspeto político, caricato: a DGS inserida no Ministério do Interior na Ditadura.

Pela primeira vez na História Portuguesa, só no ano de 1958, foi decidida a criação do Ministério da Saúde e Assistência que, naturalmente, passou a englobar a DGS.

Mais tarde, a seguir à Revolução de Abril, o Ministério da Saúde passa a ser designado como Ministério dos Assuntos Sociais. Tem à sua frente um ministro que tutela, cumulativamente, os dois setores da saúde e da segurança social que ficam a cargo, cada um, de um secretário de Estado. Mas, em 1983, a estrutura orgânica do Governo volta a instituir o Ministério da Saúde com a missão de definir a política de saúde e assegurar a gestão de todo o Sistema, separando-o da Segurança Social.

Moral da História:

Acabou, para sempre, a era da DGS no Ministério do Interior.

Reconhece-se que a Promoção da Saúde assume uma importância prioritária que exige novas condições. Novos investimentos.

Hoje, no âmbito da Equipa do Ministério da Saúde, a recente nomeação da médica, Margarida Tavares, como membro do Governo para tutelar a pasta da PROMOÇÃO DA SAÚDE é muito mais do que simbólica. Representa um novo paradigma. Um novo tempo, gerador de mais confiança e mais entusiamo.

Francisco George
www.spsp.pt