Resumo da Intervenção no Encontro promovido pelo Conselho Económico e Social a 21 de setembro de 2018 no Fórum Lisboa.
Está absolutamente demonstrado, através de inquestionável comprovação científica, que as cidadãs e os cidadãos integrados em famílias de baixos rendimentos e, portanto, mais vulneráveis, devem ter direitos e deveres específicos na perspectiva da redução de desigualdades e iniquidades.
Ora, é verdade que em todas as sociedades industrializadas, incluindo Portugal, existe um gradiente social gerador de significativas diferenças no que se refere à saúde, à doença e à morte (gaps na expressão inglesa) quer na dimensão individual quer familiar ou comunitária. Classificamos essas diferenças como intoleráveis, uma vez que traduzem iniquidades inadmissíveis pela injustiça que representam. Sublinhamos que são inaceitáveis porque são consideradas, em grande medida, como evitáveis. Isto é, se esta ou aquela medida tivesse sido tomada de forma atempada e inteligente, esse fosso poderia ter sido evitado ou, pelo menos, reduzido.
Mais do que as desigualdades, as iniquidades têm associada uma carga de imoralidade que a sociedade no seu conjunto não pode compreender nem aceitar. Precisemos, exemplificando. Se compararmos uma amostra aleatória de pessoas pertencentes a famílias com baixos rendimentos (por exemplo, devido a situação de desemprego) com outra amostra composta por pessoas provenientes de famílias ricas, se forem devidamente monitorizadas ao longo dos anos (estudos prospectivos), constatamos que os primeiros sinais de perturbação cognitiva, de doença ou incapacidade surgem 15 anos antes nos indivíduos da primeira amostra (como demonstram as investigações lideradas por Michel Marmot).
As sociedades contemporâneas, democráticas, não podem conviver com gaps dessa natureza. É necessário e indispensável analisar a sua origem e planear, sem demoras, intervenções que visem a sua eliminação. É responsabilidade de governantes, sobretudo.
Antes de mais, a sua identificação, o seu reconhecimento e depois a discussão pública das medidas interventivas focadas para as mudanças que carecem de aceitação social. A seguir, são as etapas para implementar e avaliar.
Este debate é, naturalmente, oportuno no Portugal de hoje, onde as crianças nascem em condições de igualdade em modernos e bem equipados blocos de partos com acesso fácil, universal e gratuito no contexto do Serviço Nacional de Saúde. Mas, depois, ao longo do ciclo de vida surgem desigualdades que marcam e categorizam estratos sociais, em termos de gradiente, que conduzem, inevitavelmente, a níveis de saúde distintos.
Devia ser o mérito a ditar diferenças no processo que, todos desejam, de elevação social. Mas, apesar da justeza deste princípio, não é o que sempre acontece.
Problema afim, é a necessidade em encontrar, no plano político, soluções justas que permitam, de forma natural, garantir o acesso da população aos serviços prestadores de cuidados de saúde, sem discriminação alguma.
Já no que se refere aos benefícios e abonos sociais, também em concordância com valores democráticos, há que distinguir aqueles que mais precisam conforme estabeleçam princípios de discriminação positiva. A fórmula “mais a quem mais precisa” avaliada em função dos rendimentos familiares, é uma medida de justiça social, visto que pode transformar desigualdades provisórias em igualdade sólida. Aliás, todos compreenderão que deve ser esse o objectivo principal, em termos estratégicos.
É preciso reconhecer que a observação de princípios de Ética, deontológicos e de responsabilidade no âmbito das prestações de saúde é, muitas vezes ténue, tanto no sector Público, como Privado ou, ainda, Social. É um pilar que impõe mais robustez e atenção por parte de prestadores e financiadores do Sistema.
Apesar das conclusões das pesquisas citadas serem objectivas, as razões subjacentes para explicarem as desigualdades e iniquidades, nomeadamente no acesso aos cuidados de Saúde, impõem mais investigações, debate e esclarecimento.
Francisco George
Setembro, 2018