O nome inglês de Albert George

Desde sempre o meu apelido, o meu último nome, foi confundido com Jorge. Compreende-se não só pela semelhança do som como pela própria tradução do inglês para o português. Afinal muitos portugueses quando se referem à Rainha Isabel de Inglaterra não pronunciam o nome original que é, como se sabe, Elizabeth. Da mesma maneira ninguém diz New YorK para designar a famosa cidade dos EUA. A tradução será, pois, natural.

Percebi pelas explicações de meu Pai que o meu Avô Albert George impunha junto de familiares e amigos que o seu nome de família, apesar de escrito em inglês, deveria, no seu entendimento, ser lido e não traduzido. Lido em português tal como está escrito em língua inglesa. Juntou, assim, os dois idiomas: inglês escrito, mas falado em português.

Para ele, pronunciar o seu nome em inglês seria uma certa forma de pretensiosismo mas, também, não considerava aceitável usar o Jorge. Nem podia, uma vez que os registos eram claros e a letra do nome não poderia ser modificada na Conservatória.

Considerava, certamente, que a fórmula mista que adoptou era uma manifestação de humildade. Valor que cultivava e fazia questão de não esconder. Ainda por cima trabalhava na CARRIS rodeado de trabalhadores portugueses. Não seria, para ele, admissível introduzir o nome pronunciado em inglês para agradar à administração britânica da Companhia.

Albert George era filho de Charles George (1825-1889) e de Emma Bulmer Bonsall George (1828-1896). Nasceu em 1870 e morreu em 1940. Nunca o conheci. Casou com Joaquina Almeida, cidadã portuguesa. Viveram na Rua Coelho da Rocha em Campo de Ourique.

A fotografia digital de Albert George que aqui é reproduzida (1) retrata este meu Avô pintado a óleo sobre madeira, em 1929, pelo seu grande amigo António Tomaz Conceição Silva (1869-1961). A obra foi doada em 1940 ao Museu Nacional de Arte Contemporânea pelo filho do pintor e pela filha mais velha do retratado, uma vez que eram casados. Aliás, uma filha e um filho de meu Avô casaram, respectivamente, com um filho e uma filha do mestre pintor. Eram duplamente compadres, portanto.

Voltando ao GEORGE. Como se sabe, é um nome muitíssimo comum em todos os países anglo-saxónicos. Provavelmente será, até, um dos mais frequentes como nome próprio. Assim não sucede como nome de família. A raridade como apelido é reconhecida quer no Reino Unido quer nos EUA.

Há quem sustente que em tempos recuados, antes da era da Industrialização, os nomes próprios transformados em apelidos eram produto das instituições que acolhiam crianças recém-nascidas através da famosa RODA e que depois recebiam nomes próprios, uma vez que as famílias não eram conhecidas. Mais tarde os respectivos descendentes adquiriam o mesmo nome que passava a ser o segundo…

Porém, apesar de incomum, personalidades públicas muito conhecidas têm George como apelido. Entre todas, destaca-se o antigo primeiro-ministro britânico sir David Lloyd George (1863-1945), com quem não tenho nenhum parentesco, apesar do nome.

A equação da probabilidade de um hexa, hepta ou octo-avô ter, eventualmente, sido entregue numa roda para sobreviver nunca me incomodou. Só sei que meu Pai me transmitiu que os pais dele, tal como seus avós ingleses, eram pessoas dedicadas ao trabalho, à cultura e às artes. Foram os valores que marcaram as suas vidas.

Francisco George
Verão, 2011

Emma Bulmer Bonsall George (1828-1896)

Em Inglaterra, o Século XIX é marcado pela emergência das novas máquinas a vapor que assinalam o início da Revolução Industrial. A prosperidade era indiscutível. Vitória reinava. Era a época marcada pela viagem do Beagle de Charles Darwin (1831), mas também pelo crescimento das altas chaminés alongadas nas povoações antes rurais e pelo início dos movimentos operários, mas, igualmente, pelas descrições implacáveis e certeiras de Charles Dickens.

Emma Bulmer Bonsall, filha de Richard Bonsall e de Maria Bulmer, nasce em Southwark no dia 3 de Fevereiro de 1828. Residia em Northfleet, Kent, no sudeste de Inglaterra, perto de Gravesend, junto ao Tamisa quando corre para o Mar do Norte, já próximo do estuário. Na altura, as docas de Nortfleet, criadas em 1800, tinham notável produção de construção naval. Em 1815 o primeiro barco a vapor começa a assegurar ligações regulares com Londres. Northfleet cresce. Movimenta-se, mas os estaleiros entram em declínio a partir de 1843.

Emma casa, em 13 de fevereiro de 1848, com Charles George (1825-1889). Charles tem 21 anos de idade. Vive a Inglaterra da transição do Campo para a Indústria. Dedicara-se à nova energia do vapor, especialmente associada à construção naval.

Nascem catorze filhos: Elizabeth, Charles, Maria, John, Thomas, Emma, Helen, Edmond, Alfred, Henry, Wiliam, Frederick, Marta e Albert (avô do autor).

Portugal está confrontado com a necessidade de recuperar atrasos. António Maria Fontes Pereira de Melo no Governo do Reino dos Braganças lança as bases para impulsionar o desenvolvimento do País. A ruralidade e analfabetismo constituem grandes bloqueios.

Em Portugal, é tempo das linhas férreas, mas também de epidemias de cólera e febre amarela, da abolição da pena de morte (1867) e da extinção definitiva da escravatura (1868), das Conferências do Casino (1871), das expedições de Capelo e Ivens (1877), da colonização e do mapa cor-de-rosa e, também, da emigração. As letras são de Herculano, Almeida Garret, Eça, Antero, Oliveira Martins, Teófilo Braga e de Camilo.

A falta de especialistas na nova energia do vapor trouxe a família Emma e Charles George para Lisboa. Com eles viajam, naturalmente, os filhos.
Charles trabalha no Arsenal Real da Marinha que herdara a tradição dos antigos estaleiros da Ribeira das Naus em Lisboa, a Poente do Terreiro do Paço. O Arsenal assegura a manutenção e reparação de navios. É master dos boilermakers. Dedica-se ao serviço público. Recusa propostas e desafios formulados por grandes armadores privados. Coopera com Portugal. As filhas e filhos geram novas famílias com portuguesas e portugueses.

Pouco se sabe sobre o seu filho mais velho, também chamado Charles. Henry Frederick morre, em Lisboa, em 1902, aos 37 anos de idade.

Elizabeth casa com Augusto Potier. Constituíram as Famílias Rato Potier, Potier Poppe e Alarcão Potier. John casa com Vitória de Avelar. Continuam os John. A filha Magdalena casa com Ruy Osório de Barros. Albert casa com Joaquina de Almeida e têm seis filhos.

Emma morre, em Lisboa, aos 68 anos, a 22 de Março de 1896, junta-se a Charles no Cemitério Inglês à Estrela no PLOT que depois receberia três dos seus filhos: Henry (1902), Albert (1940) e Helen (1945) e muitos dos seus descendentes.

A dinastia que Emma e Charles iniciaram em Portugal continua imparável. São muitos os bisnetos que vivem, actualmente, uns em Portugal e outros em Inglaterra, tal como os seus fantásticos trinetos e tetranetos. Avizinham-se, seguramente, pentanetos.

A tela a óleo, bem ao estilo Inglês, com a tradicional moldura a ouro, comprova a grande beleza de Emma. Exibe a excelência da imensa perfeição das suas feições, tão bem retratadas pelo pintor.

Francisco George
Verão, 2012

Certidão de Casamento de Emma George e Charles George

Charles George (1825-1889)

Charles George nasceu em Inglaterra em 1825 na época do vapor, em plena Revolução Industrial. Dedicou toda a sua vida à nova energia e, em especial à construção naval.

Filho de pai inglês, igualmente chamado Charles, casou com Emma Bulmer Bonsall (1828-1896) no dia 13 de Fevereiro de 1848 na Parish Church of Kennington (Surrey). Viveu em Northfleet (Kent) onde já trabalhava como boilermaker nos estaleiros locais.

Seguramente que a escassez de especialistas portugueses em energia a vapor terá atraído Charles a mudar-se para Lisboa. Concorre ao Arsenal Real da Marinha que prossegue a tradição da construção e reparação de barcos na Ribeira das Naus a Poente do Terreiro do Paço.

Apesar de interessantes propostas que recebeu de grandes armadores ingleses, Charles George prefere o serviço público. A folha do Livro de Matrícula do Arsenal atesta essa dedicação como Mestre.

Muitas vezes, o neto de Charles George (o médico Carlos Henrique George) ao passar ao Cais do Sodré junto da filial da principal companhia de marinha mercante ali estabelecida dizia ao Autor (seu filho e, portanto, bisneto de Charles) que poderia ter tido outro rumo na sua vida se seu Avô tem aceite aquelas propostas. Logo depois, com fins meramente educativos, alinhava uma série de princípios sobre humildade, austeridade, simplicidade, trabalho e rendimentos familiares, entre outras questões que de imediato desenvolvia com visível emoção citando o exemplo de seu Pai e Avô.

A vida, quer em Inglaterra quer em Portugal, do casal Charles e Emma terá sido feliz e tranquila. Tiveram catorze: Elizabeth, Charles, Maria, John, Thomas, Emma, Helen, Edmond, Alfred, Henry, Wiliam, Frederick, Marta e Albert (avô do autor). Uns em Kent e outros em Lisboa. Inseriram-se no modo de viver em Lisboa e, naturalmente, perceberam e integraram-se na Cultura Portuguesa. Em homenagem ao Infante dos Descobrimentos o segundo nome de filhos, netos e bisnetos passou a ser Henrique…

Charles e Emma, por outro lado, também procuraram estreitar laços com a comunidade e com as instituições inglesas, nomeadamente com a Igreja Anglicana e em particular com o Cemitério Inglês à Estrela que fora criado no tempo da Restauração para receber cidadãos britânicos não católicos.
Charles e Emma eram, assumidamente, cidadãos ingleses, mas sabiam da inevitabilidade das futuras gerações mudarem de estatuto. Seus filhos eram, ainda, reconhecidos como ingleses, mas seus netos viriam a adoptar com orgulho a nacionalidade Portuguesa. Foram eles que iniciaram a “dinastia” em Portugal, estão em campa rasa no plot da Família George no British Cemetery em Lisboa. Juntaram-se, mais tarde, os filhos Henry (1902), Albert (1940) e Helen (1945) e descendentes de gerações seguintes.

Março de 2013
Francisco George

Matrícula de Charles George no Arsenal da Marinha

Três Franciscos

Ao contrário do que acontece em muitos outros países, nomeadamente anglo-saxónicos, em Portugal não há o hábito de acrescentar aos nomes o número de ordem das gerações sucessivas quando os mesmos nomes (o próprio e apelido) são comuns.

É verdade que durante a Monarquia os reis, ou rainhas, quando o nome era o mesmo, tinham por regra colocar logo a seguir ao nome números romanos para assinalarem a ordem e, portanto, facilitarem a identificação. A Maria II depois da Maria I ou o Pedro V a seguir ao IV, ao III e este ao II que por sua vez se seguiu ao I.

Naturalmente, assim sucedeu, mesmo em épocas ou dinastias distintas. Na sucessão dos Pedros o primeiro foi rei na era medieval (subiu ao trono em 1357) e o último foi aclamado quinhentos anos depois, em 1855, já no tempo de Fontes Pereira de Melo. Era época de Camilo, Ramalho, Eça e Antero que marcaram as letras para sempre. Os reis, tal como o Papa, registam daquela forma a ordem temporal dos respectivos consulados.

Vem isto a propósito da fotografia que agora se exibe, uma vez que mostra três gerações de Franciscos George. O primeiro retratado é o Autor; o segundo é filho do seu irmão gémeo; o terceiro filho deste. Isto é, I, II e III.

Em plena República, aqui fica a nota, para mera reflexão, em nome do princípio da transparência da identidade de cada cidadão. Todos diferentes, todos ligados, todos republicanos.

Lisboa, Fevereiro de 2015
Francisco George

A Minha Tia com 111 anos (1)

Filha de Laura Correa e António Thomaz Conceição Silva, Suzana nasceu a 23 de abril de 1905.

Está, portanto, muito próxima dos 111 anos de idade.

O Pai (1869-1958), contemporâneo de Columbano e José Malhoa, foi um dos fundadores da Sociedade de Nacional e Belas Artes (1901). Dedicou-se à pintura clássica naturalista, à cerâmica e ao ensino das artes. Tem como principal amigo Albert George (1870-1940). Curiosamente, um filho e uma filha de Antonio Thomaz casam, respetivamente, com filha e filho de Albert George. Passam a ser a mesma família.

Aliás, a fotografia de 1953 traduz essa relação à mesa do Mestre Conceição Silva (no topo) na casa de Vila de Frades (Vidigueira). Suzana, a filha que agora caminha para os 111, está sentada à sua direita. Mais tarde, no fim do ano de 1961, esta mesma casa serviu de refúgio a Humberto Delgado durante o célebre Assalto a Beja.

Suzana estudou piano. No Conservatório foi aluna de Alexandre Rey Colaço. Tinha as pautas de Mozart como preferidas. Associava à beleza da música o seu estilo próprio. Induzia um requinte fantástico. Era um fascínio vê-la sentada ao piano a lançar pela sala os sons ímpares compostos por Wolfgang Amadeus. Era, todavia, a dança que mais a entusiasmava. A dança moderna das escolas de Isadora Duncan e depois de Martha Graham.

“Antepassada dela própria”, Suzana viveu a crise da Monarquia, o Regicídio, a fuga da Família de Bragança, a Rotunda, logo seguida pela Proclamação de Relvas na Varanda, esteve com António José de Almeida e Afonso Costa, viu partir os contingentes Portugueses em 1914-18, assistiu às duas ondas da grande epidemia da “Pneumónica”, ao assassinato de Sidónio, presenciou, depois, os regimentos de Gomes da Costa a implantarem pela força o “Estado Novo” (1926), sofreu com a proximidade da Guerra Civil de Espanha, amargurada, testemunhou a época marcada pela Ditadura Nacional, sentiu com desconfiança a “neutralidade” durante a II Guerra que não agradeceu a Salazar, considerou injusta a Guerra Colonial, exaltou a coragem de Humberto Delgado, não confiou na abertura de Marcelo, aplaudiu a Madrugada de Abril, louvou os sucessivos Governos Provisórios, observou a aprovação da Constituição de 1976, tal como a adesão ao Tratado da nova Europa, percebeu as crises financeiras e sociais e não terá apreciado as intervenções estrangeiras das finanças. Agora, tudo indica, tem esperança renovada.

Suzana reside, ainda, na Casa que seu Pai tinha alugado à Rua da Escola Politécnica, bem perto do Largo do Rato. Um espaçoso atelier assinala o ambiente de Belas Artes que marca a sua vida. Sala de trabalho, primeiro do Mestre, por ali, depois, passaram Sá Nogueira, Jorge Vieira, Daciano Costa, António Sena da Silva e tantos outros.

Atualmente, prestes a completar 111 anos de idade, Suzana permanece na casa de sempre, recebe uma pensão do Estado de 400 euros mensais.

Diminuída, naturalmente, devido a idade muito avançada, Suzana já não toca as teclas do seu piano. Já não dança. Mas mantém a relação de afeto com a Filha. No dia 23 de abril completará 111 anos de vida. Será, então, uma das 8 mulheres com mais idade em Portugal. Que capicua! Que classe! Que orgulho para sua Filha, antes de mais, mas, também, para todos. A beleza dos acordes da música. A vida.

Francisco George
Janeiro, 2016

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(1) Publicado no jornal “Público” de 10/02/2016