Opinião Pessoal (XX)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 24 abril 2024

Aconteceu há 50 anos. Um tempo inesquecível.

Na quarta-feira, dia 24 de Abril de 1974, interrompi o jantar para abrir a porta. Então, ao ter espreitado pelo óculo, vi um soldado com farda verde e boina na cabeça. Apesar de ter estranhado e de não ter reconhecido o visitante, abri a porta. O militar que, sem hesitar, entrou disse-me com determinação:

– Sei quem tu és! Venho requisitar uma linha de telefone que hoje é precisa!

Perante aquela demonstração de autoridade respondi que sim, sem ter percebido para que seria e sem ter formulado mais perguntas.  Sabia que nessa altura era difícil ter telefone e que a Companhia dava prioridade aos médicos e, além disso, como eu tinha duas linhas, uma em casa e outra no Atelier do R/C, não fiquei admirado. Por isso, respondi com naturalidade:

– Então, puxe a linha de baixo que faz menos falta!

Acabei de jantar e depois fui ao quarto onde minha Mulher estava a amamentar a nossa filha Catarina que nascera no mês anterior, e disse-lhe:

– Olha, Maria João, um militar veio aqui a casa para requisitar o telefone do Atelier!

Tal como eu, ingenuamente, não atribuiu qualquer importância especial. À hora habitual fomos dormir. Pelas 4 horas da madrugada, acordei com o toque do telefone que atendi estremunhado. Era meu Pai, diretor do Hospital de Santa Marta, onde eu estava colocado como médico interno. Com voz visivelmente emocionada disse-me que tinha começado uma revolução e que o Posto de Comando estava a mandar os médicos para os hospitais. Disse-me que tinha acabado de ouvir o Comunicado do Movimento das Forças Armadas emitido pelo Rádio Clube Português. Fora avisado pelo telefonema de um seu colega que sabia do Movimento. Num instante telefonei ao meu Colega José Manuel Jara para se juntar a nós no Serviço. Curiosamente, antes de ir para Santa Marta, ele pôs o rádio na varanda, sintonizado no Radio Clube Português, com o som no máximo na perspetiva de acordar a vizinhança.

Uma vez em Santa Marta, todos nós, à volta da mesma mesa, estávamos a ouvir pela rádio os avisos do Posto de Comando que eram intervalados por marchas militares empolgantes. Era um serviço que concentrava cerca de 30 médicos, quase todos oposicionistas, democratas, incluindo antigos presos políticos. Muitos choravam de alegria, outros pelo PBX ligavam incessantemente às famílias. Uma emoção coletiva difícil de descrever.

Perante a manifesta ausência de casos urgentes, resolvi ir para o Carmo pela hora de almoço. Aí comecei por circular no passeio do lado contrário ao Convento, onde estavam deitados no chão, em fila, uns ao lado de outros, soldados com espingardas apontadas ao Convento. Os blindados do Regimento de Santarém cercavam Marcelo Caetano, refugiado no quartel da GNR desde cedo.

Pelo transístor portátil continuava a ouvir as emissões do Posto de Comando, mas também captava a banda das comunicações entre as forças do Governo, da GNR e da PSP. Percebia-se pelas mensagens que recusavam obedecer às ordens das respetivas chefias. Estou convencido que a multidão na rua, a apoiar a Revolução, funcionou como “escudo humano” que evitou derramamento de sangue e que, assim, protegeu as tropas dos capitães do MFA.

PS: Amanhã irei descer a Avenida e depois visitar o Carmo para reviver Salgueiro Maia, certamente o maior dos nossos heróis.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XIX)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 17 abril 2024

A proximidade ao dia 25 de Abril faz-me reviver lembranças com emoção. Essas memórias interpretam eventos passados que agora originam sentimentos mistos de alegria e amargura.

Então, aconteceram muitos triunfos, mas, também, alguns fracassos. Mas, no conjunto, foi excelente.

A verdade inquestionável traduz-se no imenso júbilo que a Liberdade espontaneamente despertou. Uma enorme explosão nacional de contentamento a refletir a esperança de uma vida melhor. Mais prosperidade coletiva.

Por outro lado, passado tanto tempo, olhar para trás para recordar os últimos 50 anos, produz a ideia que o resultado final podia ter sido mais perfeito, uma vez que a esperança erguida em 1974 não foi inteiramente concretizada.

Na minha visão pessoal, tentarei explicitar algumas reflexões a esse propósito.

Em primeiro lugar, reconheço como positiva a forma como foram alcançadas tantas metas pelos sucessivos governos provisórios que, afinal, cumpriram o Programa do MFA. Apesar da instabilidade política vivida nos dois primeiros anos, espelhada pela nomeação de dois presidentes, três primeiros-ministros e seis governos provisórios, foi possível construir o regime democrático, promover a Independência das colónias Africanas, eleger livremente deputados à Assembleia Constituinte e assegurar a entrada em vigor de nova Constituição de 1976, logo seguida pela eleição de novo Presidente da República por sufrágio direto e universal.

Foram apenas dois anos. Um período curto, mas simultaneamente fascinante que exigia estar sempre a ouvir os noticiários pelos transístores portáteis. Os acontecimentos que se sucediam de hora a hora eram, muitas vezes, quase tão quentes como brasas (11 de Março e Verão de 1975), mas a entrada no regime constitucional foi pacífica.

Desde a aprovação da Constituição e até hoje, multiplicaram-se 24 governos constitucionais, quase sempre formados ou pelo Partido Socialista ou pelo Partido Social Democrata. É certo que o país mudou. Portugal é outro. Mais moderno. Mais europeu.

Mas, apesar dos avanços económicos e políticos indiscutíveis, persistem problemas por resolver na dimensão social. O mais importante e ao mesmo tempo o mais intolerável é a pobreza. Porém, há outros setores que, em 2024, continuam a apresentar circunstâncias preocupantes.

Refiro-me à Saúde, à Escola Pública, à Habitação e à Justiça.

Preciso.

A agudização da crise do Serviço Nacional de Saúde no período pós-pandemia.

A Educação a viver tempos difíceis, incluindo a falta de professores e a interrogação sobre a qualidade do ensino.

A reconhecida dificuldade que grande parte da população tem em pagar rendas de casa ou as prestações referentes a empréstimos bancários, sem esquecer a situação das famílias mais pobres retratada pela impossibilidade de consumirem a energia necessária.

As demoras inexplicáveis da Justiça que parece estar concebida em dois sistemas: um para ricos e outro para pobres.

Como é possível explicar tantas falhas?

A reflexão séria sobre estas questões e a assunção de erros cometidos por determinados governantes seria um exercício de indiscutível oportunidade. Só assim será possível voltar a acreditar. Regressar à época da esperança e da confiança no nosso modelo político democrático.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XVIII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 10 abril 2024

A seguir às crónicas sobre as mais frequentes infeções transmitidas por via sexual, de natureza bacteriana, parece-me oportuno tecer algumas considerações sobre prostituição. Começo por esclarecer que as referidas infeções podem ocorrer no decurso de cadeias de transmissão sem qualquer ligação à atividade da compra e venda de relações sexuais.

Pretendo, apenas, lançar ideias para reflexão posterior sobre uma realidade que existe desde há muitos séculos e que não pode ser ignorada.

Ora, como se sabe, o mercado de trabalho relacionado com o sexo é muito antigo. Está bem documentado por escritores e pelos cronistas. A este propósito, é curioso assinalar que aconteceram episódios na Idade Média, descritos por Fernão Lopes (1385-1460), durante o Cerco de Lisboa, em 1384, que, já na época, traduziam preocupações das autoridades em relação à prostituição. É verdade. As forças populares leais ao Mestre de Avis colocaram as prostitutas fora das linhas do cerco, a fim de serem poupadas as reservas de alimentos que escasseavam dentro das muralhas. Uma vez levadas para o exterior, na zona ocidental de Lisboa, foi criada uma nova área urbana que reservava uma rua dedicada à prática da prostituição. Foi uma medida, socialmente aceite, tomada em plena crise dinástica com Castela, durante a Revolução de 1383-1385.

Muito mais tarde, como se sabe, na capital, a prostituição passou a estar concentrada nas zonas antigas da cidade: Bairro Alto, Alfama e Mouraria.

Até 1963, as prostitutas mantinham a respetiva atividade de forma absolutamente legal, na condição de estarem matriculadas. Como tal, eram sujeitas a inspeções sanitárias regulares e a vigilância policial.

Mas, a partir desse ano (1963), o Governo de Salazar proibiu o exercício da prostituição e passou a equiparar as prostitutas aos vadios.

Atualmente, depois das alterações ao Código Penal, em 1982, a prostituição de rua não constitui crime nem para quem a pratica, nem para os utilizadores. Porém, a Lei criminaliza os promotores e organizadores da prática de prostituição por outra pessoa (crime de lenocínio).

Por outro lado, parece haver a perceção geral que a crise social e a pobreza podem estar associadas ao aumento da atividade de pessoas que recorrem à prostituição como fonte complementar de rendimento.

Os países da União Europeia não têm uma política comum para lidar, no plano jurídico ou regulamentar, com as realidades da prostituição (feminina ou masculina, hétero ou homossexual).

Há situações chocantes que são quase incompreensíveis. É o caso do Bairro Vermelho na zona antiga de Amsterdão onde as prostitutas se exibem atrás de montras de vidro para atraírem os transeuntes; uma vez as condições aceites (já com cortinados fechados) e concretizada a relação sexual com o cliente, segue-se a respetiva faturação dos serviços prestados na perspetiva do pagamento de impostos pela prestação de serviços ocorrida.

Entre nós, estou convencido que a prostituição continuará a existir em diferentes modalidades, quer em modelo outdoor quer indoor. Tal como no passado, será tolerada no plano social e justamente considerada legal.

Não tenho certezas sobre a oportunidade para a sua eventual regulamentação no futuro. Mas, não tenho dúvidas que seria bom discutir abertamente o tema.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XVII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 3 abril 2024

No âmbito das infeções bacterianas transmitidas por via sexual já aqui esclareci que a sífilis é a mais grave e, ao mesmo tempo, a mais fácil de curar (com a penicilina prescrita pelo médico).

Confirmo que, em Portugal, há uma tendência de aumento de casos novos dessas infeções que constitui justificada preocupação em Saúde Pública.

Os dados publicados, referentes ao ano de 2022, indicam 2200 infeções gonocócicas; 1500 por Clamídia e 1500 novas infeções de sífilis (números redondos) que traduzem uma elevação expressiva das respetivas incidências em relação a anos anteriores.

São retrocessos que não podem ser ignorados. Antes de tudo têm que ser compreendidos. É preciso perceber as razões que explicam esses aumentos para serem aplicadas medidas de controlo, necessariamente baseadas em comprovação científica.

Será que os preservativos são menos utilizados em comparação com anos anteriores?

Para responder à questão formulada terão que ser convocados os especialistas em psicologia e ciências sociais para analisarem as causas da aparente menor adesão ao uso de preservativos. Será devido ao excesso de confiança porque a SIDA já não é uma doença fatal? Ou serão dificuldades de acesso a preservativos nos locais e nos momentos que antecedem as relações sexuais? Ou serão outras as explicações?

Só depois de respostas, devidamente fundamentadas, será possível desenhar um plano de prevenção, especialmente dirigido aos motivos das falhas identificadas pelas investigações sociológicas.

Na minha opinião, o aumento de casos novos de infeções transmitidas por via sexual não está relacionado com o anonimato da pessoa infetada. Reparemos que a confirmação da doença é sempre competência do médico que diagnostica e trata a pessoa infetada. Ora, é esse mesmo médico que terá que aconselhar e prescrever a terapêutica a todos os contatos do seu doente que fica, ele mesmo, desde logo, incumbido de colaborar nesse sentido. Na dimensão ética não seria aceitável que o médico que declara o caso transmitisse a outras equipas o nome, a morada e a natureza da doença diagnosticada. Aliás, é fundamental que os doentes portadores destas infeções tenham confiança no “seu” médico, sabendo que o assunto é segredo profissional.

Para reduzir o problema, proponho as seguintes seis medidas: 1 Solicitar às faculdades de sociologia e de psicologia a análise dos comportamentos de risco de jovens e adultos; 2 Melhorar o desempenho da Educação Sexual nas escolas como parte da estratégia de educação para a saúde e para a cidadania; 3 Introduzir a distribuição gratuita de preservativos em todas as farmácias do país; 4 Alargar a rede de máquinas de venda de preservativos, a baixo custo, em todos os locais de diversão noturna; 5 Organizar centros de testagem com marcação online;  6 Garantir o acesso às pessoas que o solicitem de consulta médica em regime “via verde”, assegurando o atendimento no mesmo dia, em todas as unidades de ambulatório (setores público, privado ou social).

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XVI)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 27 março 2024

A partir de 1940, a introdução no mercado farmacêutico da Penicilina marcou a diferença com os antigos tratamentos para a sífilis (como o Salvarsan). O novo antibiótico foi muito eficaz para tratar e curar a infeção, sem efeitos secundários. O seu agente bacteriano (Treponema pallidum) ainda hoje é sensível à penicilina. Por esta razão, compreende-se que todos os doentes devam ser diagnosticados precocemente para, logo depois, sem esperas, cumprirem o tratamento médico a fim de ficarem curados. Sublinho, que a penicilina cura a sífilis. Assim sendo, a propagação em cadeias de transmissão deixa de acontecer. Para tal, é indispensável que a terapêutica antibiótica seja, rapidamente, administrada a todos os parceiros, mesmo a todas as pessoas que mantêm ou tiveram relações sexuais sem preservativo nos últimos três meses.

O motivo desta regra é simples de perceber.

Preciso.

A bactéria da sífilis é adquirida por qualquer pessoa durante o contacto sexual direto com outra pessoa que tenha lesões infetadas (pequenas feridas ou úlceras nas mucosas). Essa transmissão pode ocorrer em consequência de relações sexuais vaginais, anais ou orais. Aliás, pode até suceder que o portador da doença ignore a sua condição de estar infetado pela sífilis devido à frequente ausência de sintomas e de sinais. Nada sente e nada vê de anormal. Mas, mesmo assim, pode transmitir a infeção a outra pessoa, anteriormente saudável, que ficará com sífilis, por sua vez também contagiosa a seguir ao período de incubação (entre 10 dias e 3 meses, sendo em média de 3 semanas). Nesta situação, se não tomar medidas de precaução, começará a propagar a sífilis durante relações sexuais seguintes. Habitualmente, nem sequer se apercebe dessa infeção porque as manifestações clínicas são ligeiras (por isso, muitas vezes, passam despercebidas).

Este é o grande problema!

Atualmente, em termos de senso comum, a prevenção da sífilis e a organização de cuidados para controlar a sua propagação impõem medidas ponderadas que devem ser observadas pelas pessoas com atividade sexual: 1 Uso sistemático de preservativo durante todas relações casuais, sem exceções; 2 Depois de relações sexuais sem proteção, em particular no cenário de múltiplos parceiros, essa pessoa deverá fazer um teste passadas três semanas e repetir aos três meses; 3 Quando o teste indicar que a infeção foi adquirida terá que procurar, imediatamente, o médico para confirmação e prescrição da terapêutica; 4 O mesmo tratamento será indicado para todos as pessoas com quem mantém ou manteve relações sexuais nos últimos três meses; 5 Se for mulher em idade fértil terá de fazer um teste de gravidez e, se o resultado for positivo, procurar uma consulta de vigilância pré-natal; 6 Ter confiança e tranquilidade, visto que há a certeza que a infeção sifilítica é curável, desde que seja diagnosticada e tratada por um médico.

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XV)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 20 março 2024

Se bem que os resultados das eleições tenham ofuscado a recente polémica surgida em torno do anonimato das pessoas com infeções transmitidas por via sexual, considero ser oportuno retomar o assunto.

Assumo, desde já, ter tido responsabilidades na medida adotada, em 2015, que acabou com o envio dos nomes dos doentes para os delegados de saúde. O anonimato das pessoas com certas infeções sexualmente transmitidas passou a ser respeitado como regra geral. Foi uma decisão acertada.

Como o tema é vasto, será aqui resumido por partes.

Como se sabe, na Antiguidade, para os romanos, a deusa da beleza e do amor era Vénus. Por isso mesmo, as doenças associadas ao sexo são designadas como doenças venéreas. Neste sentido, a Medicina Moderna criou a disciplina de Venereologia que, como especialidade médica, ficou ligada à dermatologia. Ainda me lembro de tabuletas à porta das policlínicas anunciarem o nome do médico e a indicação de “especialista em doenças da pele e sífilis”.

No século XIX, a sífilis constituía a mais preocupante das doenças transmitidas por via sexual. Na altura, era muito temida porque não tinha tratamento eficaz e porque apresentava uma evolução crónica incurável depois de um período de silêncio que podia chegar a 20 anos. As manifestações finais sifilíticas incluem graves perturbações neurológicas e mentais. Calculava-se, então, que 20% dos doentes internados nos manicómios sofriam de demência de origem sifilítica.

Nessa época, a sífilis era uma imensa apreensão, de certa forma equivalente à SIDA nos anos 80 do século XX. A esse propósito, recordo-me da lição proferida por um professor meu da Faculdade ter dito que a sífilis era, por vezes, um “presente” de casamento na noite de núpcias quando um dos noivos estava infetado… Por outro lado, a sífilis durante a gravidez provoca lesões ósseas no feto: sífilis congénita do recém-nascido que ainda persiste atualmente, se bem que com menor frequência.

A primeira consulta especializada foi criada, em 1897, no Hospital do Desterro, em Lisboa, pelo médico Thomaz de Mello Breyner (1866-1933) que dedicou atenção especial ao controlo das doenças venéreas. Apesar de todas as ações por ele conduzidas nesse tempo, a inexistência de antibióticos explicava as elevadas incidência e prevalência de doenças por via sexual, bem como as manifestações tardias da sífilis.

Estranhamente, o médico austríaco Julius Wagner-Jauregg recebeu o Prémio Nobel, em 1927, pela “descoberta” que a inoculação do paludismo nos doentes melhorava as manifestações de demência sifilítica. Tratamento inaceitável na dimensão ética e de efeito terapêutico duvidoso no plano científico.

Só a partir de 1940, a penicilina iria modificar o panorama.

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XIV)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 13 março 2024

Tendo eu entrado na Faculdade de Medicina de Lisboa em 1966 e terminado o curso em 1973 (há mais de 50 anos!), compreende-se que para um médico de formação humanista seja muito penoso ver as imagens emitidas diariamente por todas as estações de televisão sobre a evolução dos acontecimentos em Gaza e na Ucrânia. Os horrores, refletidos pelas incessantes matanças de civis e combatentes, são ateados por governantes belicistas. Obstinados, recusam dialogar e negociar. Desconhecem a importância da diplomacia. Fazem Guerra. Inexplicavelmente, recusam construir Paz. Mandam avançar canhões, tanques e mísseis. Morte e destruição. Muito sofrimento.

Escrevo sobre este tema depois de ter visto um magnífico documentário produzido, em 2023, para a Netflix intitulado “Segunda Guerra Mundial: na Linha da Frente”. Os conteúdos dos seis episódios da minissérie espelham a sucessão, bem organizada, de imagens reais de arquivo, mas devidamente restauradas e coloridas com recurso às novas ferramentas tecnológicas. A narração está a cargo do ator inglês John Boyega que, para além de competente, é absolutamente imparcial. O impressionante realismo faz reviver o tempo de 1939-1945.

Admito que no fim fiquei abalado. Emocionado. Mas, igualmente, muito revoltado.

Para quem não conseguir ver toda a série, recomendo, pelo menos, o sexto episódio sobre as derradeiras semanas da Guerra, em 1945. Este último segmento começa com o cerco dos Aliados a Berlim, logo seguido da queda de Hitler quando o Exército Soviético ultrapassa as últimas defesas alemãs. O documentário termina com as imagens arrasadoras das duas bombas atómicas que os americanos lançaram sobre Hiroshima (6 agosto de 1945) e em Nagasaki, três dias depois.

As filmagens realizadas em Dachau devem ser vistas com redobrada atenção, apesar da intensa comoção que provocam, porque fazem perceber que a extrema desumanidade aconteceu na Alemanha. Existiu mesmo e há relativamente pouco tempo.

Estou consciente que a objetividade histórica dos acontecimentos relatados é motivo de perturbação para todas as pessoas. Todas, sublinho. Mas, também estou em crer que é preciso reviver essa época na perspetiva de ser gerada a ideia do “nunca mais”.

Em termos de ficção, gostaria de imaginar os nossos principais líderes do Ocidente a verem esse documentário. A seguir, iria também apreciar a reação de cada um deles. Vem este pensamento a propósito de ter sido anunciada a decisão da União Europeia em aumentar a produção de mais armas, mais munições e mais bombas.

Será que não percebem que os cenários da II Guerra não podem regressar?

Será que não percebem a grandeza da Paz?

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XIII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 6 março 2024

Surpreendentemente, fomos chamados a votar já no próximo domingo, dia 10 de Março. Por esta razão, nas últimas semanas, a partir do início da pré-campanha eleitoral, tenho insistido em escrever crónicas relacionadas com a ponderação indispensável no processo de decisão final da opção de voto, em função do programa partidário e do candidato que se apresenta a primeiro-ministro.

Sou daqueles que reconheço que governar não está ao alcance de qualquer pessoa. Não é uma questão de mera simpatia e muito menos de aparência exterior ou do grau de popularidade. É, isso sim, absolutamente necessário que o líder do partido seja dotado de um vasto conjunto de atributos, designadamente de inteligência, sagacidade, capacidade de diálogo, de ouvir e de falar, de flexibilidade, de conhecimentos, de competência, bem como de serenidade e honestidade genuínas. Se assim acontecer, merecerá aceitação social e poderá receber mandato popular para governar em nome de todos.

É certo que o eleitor exigente, em puro exercício de pensamento, inclinar-se-á para escolher o candidato com aquelas qualidades que apontei. Claro que para votar tem que somar à sua própria consciência a confiança nas ações previstas em cada programa. Por outras palavras, tem que se rever nas propostas enunciadas que passarão a ser as suas, de preferência. Não poderá basear-se nem no instinto nem na pressão de marketing correspondente aos cartazes que enchem as ruas. Muito menos nas notícias falsas e fraudulentas (fake) que são frequentemente difundidas nas redes sociais do costume.

Mas, por outro lado, também é verdade que a análise resultante da leitura dos programas eleitorais faz transparecer o sentido e a tendência das políticas a serem concretizadas para os quatro anos da Legislatura.

Na minha opinião, estamos perante três opções possíveis: partidos da esquerda; centro-direita; e extrema-direita radical de raiz populista.

Por mim, defendo, antes de tudo o mais, as propostas que advogam melhores salários e pensões, menos pobreza, mais qualidade no acesso ao Serviço Nacional de Saúde, à Habitação, à Educação e à Justiça. No fundo, traduzem princípios que refletem o desejo de justiça social e de mais igualdade. Mais prosperidade. Mais democracia.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 28 fevereiro 2024

Atendendo à proximidade das eleições legislativas, resolvi continuar a escrever focado em assuntos com tonalidade mais adequada à opção política relacionada com o voto de 10 de Março.

Hoje, pretendo clarificar a importância que o Serviço Nacional de Saúde assume na génese da própria democracia e, portanto, na decisão de votar.

A meu ver, é preciso analisar com ponderação o programa apresentado por cada partido, em especial o capítulo dedicado ao Estado Social e, principalmente às medidas propostas para as políticas públicas de Saúde.

Preciso.

A acessibilidade universal aos cuidados de saúde, quer preventivos quer assistenciais, tanto em centros de saúde como hospitalares ou cuidados continuados, é condição básica para todas as pessoas, famílias e comunidades. Só assim, estarão coletivamente envolvidas no processo de construção que visa alcançar mais produção. Mais prosperidade.

A Saúde Pública, como componente principal para o desenvolvimento socioeconómico do país, compreende a seguinte equação:

Literacia + exercício físico regular + alimentação saudável, equilibrada em calorias e com  redução de açucares e substituição do sal por ervas aromáticas + inexistência de comportamentos aditivos nem dependências, incluindo moderação do consumo de álcool + eliminação da exposição ao fumo do tabaco + participação dos doentes no respetivo tratamento da doença,  em regime de coprodução de resultados terapêuticos + justeza na atribuição de benefícios fiscais e prestações sociais concentradas em crianças que mais precisam, sobretudo inseridas em famílias pobres + garantia de acesso  a todos os níveis do Serviço Nacional de Saúde, sem barreiras para residentes ou imigrantes, independentemente dos rendimentos familiares + qualidade ambiental, incluindo em infraestruturas de abastecimento de água potável, saneamento básico e fornecimento de energia elétrica ao alcance de todas as famílias = VIVER MAIS TEMPO E COM MELHOR QUALIDADE DE VIDA.

Esta conclusão da equação traduz, necessariamente, um ganho marcante em saúde que é refletido pela redução do fosso social que separa ricos e pobres (social gap).

Por outras palavras, o gradiente social que progressivamente seria estabelecido entre crianças, jovens, adultos e idosos em função dos respetivos proveitos materiais, ficará atenuado. Assim, haverá mais igualdade. Menos iniquidades. Mais Democracia.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XI)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 21 fevereiro 2024

Ao jantar na “Ribeirinha de Colares”, em amena conversa com netos, o mais novo, ainda adolescente, influenciado pelos debates políticos pré-eleitorais, colocou-me a questão de querer perceber a diferença entre os candidatos da Esquerda e da Direita. Pretendia saber a justificação da designação e, também, classificar cada um dos partidos concorrentes às eleições de 10 de Março.

Naturalmente, procurei pensar na minha resposta que teria que ser clara, mas sem ser tendenciosa. Resolvi introduzir algum conteúdo pedagógico.

Foi um exercício difícil que julgo ter conseguido com sucesso.

Relato.

Comecei por dizer que a origem da designação de esquerda ou de direita estava, no plano histórico, associada à Revolução Francesa no final do século XVIII. Nessa altura, nas assembleias, os lugares ocupados pelos representantes do povo eram do lado esquerdo e os aristocratas, defensores da Monarquia, sentavam-se do lado direito. Em termos físicos era uma exposição facilmente compreensível.

Ainda sobre a disposição dos assentos, fiz um esquema de um hemiciclo ao estilo da Assembleia da República. Com o desenho foi mais fácil explicar que havia lugares não só à esquerda como à direita, mas também ao centro e nos extremos.

A seguir foi necessário passar à fase dos esclarecimentos sobre as diferenças ideológicas. Comentei que os da Esquerda queriam mudanças rápidas no sentido da melhoria das condições de vida. Lutavam por salários mais altos. Não queriam ser explorados. Combatiam por condições de habitação dignas e pela prosperidade coletiva. Pela Justiça social. Já os da Direita eram conservadores. Não desejavam qualquer mudança de regime. Não tinham preocupações sociais.

Eram estas as ideias básicas para aquele tempo. Atualmente, apesar de terem passado 235 anos, permaneceram as designações de Esquerda e Direita, respetivamente para progressistas e para conservadores.

A conversa prosseguiu.

Acrescentei, logo depois, que muitos Estados-membros da União Europeia mantinham a mesma tradição na ocupação de lugares dos deputados nos respetivos parlamentos.

Foi então, que perguntou:
–  Ó Avô, como é em Portugal?

Respondi de imediato:
– Os 230 deputados da Assembleia da República sentam-se nos lugares ordenados da direita para a esquerda, assim: na estrema direita está o CHEGA, depois a Iniciativa Liberal, o PSD, o PAN, o PS, o LIVRE, o PCP e o Bloco de Esquerda.

Comentou logo:
– Já percebi!

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com