Novo Vírus. Nova Pandemia. Novo desafio.

(Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” de 28.01.2021)

Como se sabe, fez já um ano que foi identificada, pela primeira vez, uma nova doença com expressão epidémica, devida a uma nova estirpe de coronavírus, identificada na imensa China, com epicentro em Wuhan, capital da província central de Hubei.

A rápida sequenciação do genoma do novo vírus pelos cientistas chineses e a análise inicial da actividade viral não faziam adivinhar nem a grande ameaça que se avizinhava nem a dificuldade em prevenir e controlar a sua propagação, em termos de saúde pública global.

Sabia-se, no entanto, que o novo vírus iria, inevitavelmente, galgar a Muralha da China, tal como tinha acontecido anteriormente em relação à SARS (Síndrome Aguda Respiratória Severa) em 2003 que, aliás, tinha sido provocada por um outro coronavírus.

Ora, a SARS que começou, igualmente, no Sudeste Asiático e que logo adquiriu uma expressão pandémica, sobretudo preocupante em Toronto (Canadá), esteve na origem de 8000 casos de doença, dos quais 800 mortes. Poucos meses depois, as medidas de saúde pública criteriosamente implementadas segundo o princípio fight at the source acabaram com a circulação do vírus em seres humanos. O vírus da SARS teve como hospedeiro a civeta da palmeira (mamífero exótico comum na Ásia) que constitui fonte alimentar para a população. A proximidade e a preparação como alimento explicam o “pulo”, então verificado. O vírus das civetas “saltou a espécie” e passou a circular em seres humanos. Por outras palavras, o agente da Pandemia de SARS percorreu três etapas: epizoótica, epidémica e novamente epizoótica.

Agora, em 2019-2021, apesar da semelhança do agente viral (ambos coronavírus, se bem que de estirpes distintas), da semelhança da natureza zoonótica (em lugar da civeta parece ter sido outro mamífero exótico, o pangolim, também comercializado nos mercados como alimento), da semelhança da localização do epicentro e da semelhança do quadro clínico respiratório, o fenómeno é bem diferente. Com a Covid 19 (CoronaVirus Disease 2019) houve uma sucessão, inesperada, de ondas. Inesperada, imprevisível e repentina, sublinhe-se. Ao contrário da SARS não foi possível conter a sua propagação.

A curva epidémica cresce de forma descontrolada, todos os dias mais casos, todos os dias mais internamentos hospitalares e mais admissões em cuidados intensivos que explicam a pressão que as taxas de ocupação representam em cada hospital.

A nova vacina inteligente (de ácido ribonucleico mensageiro) foi comercializada a partir do poente de 2020. Longe, ainda, de proteger todos.

Então, como explicar a atual situação?

Provavelmente gerou-se um sentimento de excesso de confiança nos conhecimentos científicos de hoje. A Medicina tudo poderia resolver. Os rins, o coração e os pulmões ou a medula óssea podem ser transplantados. A vida é mais longa. O tempo negro das pandemias era do passado distante. Afinal a varíola tinha sido erradicada, a paralisia infantil e o sarampo eliminados pela vacinação, enquanto o controlo da mortalidade pela SIDA tinha sido alcançado pelos novos medicamentos antivirais. Soluções. A crença geral tinha por base que “tudo se resolve”. A possibilidade de surgirem problemas novos, inesperados, não era sequer admissível. Não fazia parte do pensamento!

Talvez por isso, em Portugal, o reforço da componente da saúde pública no Sistema de Saúde sempre foi anunciada em sucessivos programas eleitorais. Apenas anunciada, mas nunca concretizada. Uma questão de responsabilidade e de ética.

Francisco George
Janeiro, 2021