Opinião Pessoal (XXII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 8 maio 2024

O tema que escolhi para a crónica de hoje relaciona-se com a progressiva expansão das atividades desenvolvidas pelas farmácias comunitárias em Portugal. Começo por sublinhar a importância dos serviços que prestam às pessoas. Indispensáveis. Muito mais do que mera atividade comercial de venda ou dispensa de medicamentos, desempenham um papel social de imenso relevo, particularmente no âmbito da Saúde Pública.

Em termos históricos, a evolução das farmácias está bem documentada no excelente espaço museológico da Associação Nacional das Farmácias, em Lisboa, ao bairro de Santa Catarina (visita obrigatória).

Eis o meu testemunho.

Em 1936, o meu Pai estava a preparar os exames para iniciar a carreira de Médico Interno nos Hospitais Civis de Lisboa. Na altura, logo a seguir a ter acabado o curso na Faculdade ao Campo de Santana, começou a fazer consultas num gabinete de uma Farmácia em Campo de Ourique, situada na Rua Silva Carvalho nº 1, junto ao famoso “quarteirão inglês”. Curiosamente, essa farmácia era propriedade da família da professora Odete Ferreira (1925-2018) que viria a distinguir-se como farmacêutica e investigadora em virologia, designadamente sobre a SIDA. Ora, foi aí que o jovem médico Carlos George (1913-1986) iniciou o exercício da sua profissão, recebendo as primeiras remunerações pelas consultas que prestava a quem o procurava.

No entanto, pouco depois, ainda nos anos 30, a sua atividade clínica foi interrompida porque deixou de ser legal fazer consultas médicas aos doentes em consultório junto a farmácias. Percebe-se a justeza da medida, então adotada, devido a razões de natureza ética, baseadas na reconhecida adequação em separar os locais, por um lado, onde é receitada a terapêutica e, por outro, a venda dos medicamentos aí prescritos pelo médico. O princípio da separação do médico que receita e do farmacêutico que dispensa foi socialmente compreendido e aceite.

Já longe da farmácia, Carlos George instalou-se, com sucesso, na Policlínica da Estrela, à rua Domingos Sequeira.

Considero que este meu relato tem agora oportunidade, uma vez que as funções do farmacêutico estão cada vez mais valorizadas, nomeadamente em termos de competências e responsabilidades. Ainda bem que assim acontece. A nível nacional, a oferta de formação universitária em ciências farmacêuticas é muito expressiva. Como resultado natural o atendimento nas farmácias tornou-se cada vez mais apoiado por técnicos dotados de formação superior (bacharelatos, licenciaturas e mestrados) e com comprovada aptidão para exercerem funções no âmbito da dimensão saúde. Acentuo a componente saúde, visto que há novas perspetivas para ampliar ações de aconselhamento a utentes, sobretudo destinadas à promoção da saúde e prevenção de doenças crónicas.

A proximidade com os utentes e a confiança que estes depositam no atendimento farmacêutico constituem um património precioso. Razão pela qual estão criadas condições para alargar atuações nos domínios da vacinação, proteção das radiações solares, alimentação equilibrada (calorias adequadas, menos sal e açúcar) e estilos de vida, bem como aconselhamento em doenças crónicas (diabetes, por exemplo) e em casos de doença aguda ligeira, desde que em regime de absoluta harmonia de princípios éticos a acordar entre a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com