Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 4 maio 2022
A conduta praticada por cada pessoa ou entidade constitui a essência da Ética.[1] É o seu âmago.
Ora bem; como se sabe, é sempre possível verificar se os comportamentos e as tomadas de decisão ou, ainda, se as atitudes, tanto individuais como as assumidas por determinados organismos, incluindo do Estado, respeitam padrões da Ética. Essa verificação está associada ao bom senso. É quase espontânea e logo percebida socialmente.
E é bom que assim suceda, em clima de inteira Liberdade, em ambiente de regime político aberto e protegido por valores democráticos essenciais (como acontece em Portugal pelas garantias asseguradas pela Constituição de 1976). A certificação da observação da Ética é ajuizada por cada cidadão e pela comunidade. É um processo natural. Cada um aprecia se determinada conduta respeita a Ética exigida para esta ou aquela atitude; este ou aquele facto; esta ou aquela ação. Limita-se a um exercício de mero pensamento que julga os valores, relativos e absolutos, da Ética. Não há qualquer envolvimento judicial. Não é questão de tribunais. A Lei foi cumprida. Não há ilegalidade, visto que a falta de Ética não é crime.
O filósofo austríaco Wittgenstein sintetizou que a Ética é a investigação “sobre o modo certo de viver”.
A demonstração da não observância dos princípios de Ética, quando devidamente publicitada, é condenada pela opinião pública ao expressar repúdio e rejeição. E muito bem. Assim tem que acontecer em democracia. As consequências, no que se refere a responsabilidade, são apontadas à pessoa visada, individual ou coletiva, em função do comportamento em causa.
Exemplos concretos de falta de Ética, designadamente em resultado de conflitos de interesses, são clarificadores:
- A Imprensa noticiou que o conselho de administração de um Banco que recebera subsídio dos contribuintes no montante superior a 200 milhões de euros, para poder assegurar a sua normal atividade bancária, decidiu atribuir, pelo exercício das contas nesse mesmo ano, um prémio de 1,6 milhões de euros para distribuir entre os seus seis membros.
- Em determinadas empresas e organizações, os salários atribuídos a gestores não observam princípios de Ética em consequência das desigualdades chocantes a que dão origem e que são logo percebidas por todos; o caso do salário do Presidente da grande empresa francesa de fabrico de automóveis que resultou da fusão das marcas Peugeot, Citroen e da Fiat Chrysler foi, muito justamente, alvo de inúmeras críticas pela imensa desigualdade que provocou ao ser anunciado que ascendia a 19 milhões de euros por ano, portanto o equivalente a 1 milhão e 583 mil mensais ou seja à remuneração de 53 mil euros por dia de trabalho do gestor de topo da empresa.
- A Justiça para ricos não é igual à dos pobres, uma vez que as pessoas com altos rendimentos e, portanto, com elevados recursos para pagar a advogados, são julgadas em processos intermináveis. Por vezes, até com evidente má fé. Excesso de garantias fazem da Justiça um exemplo de desigualdades.
As três situações acima relatadas cumprem a Lei. Não há qualquer crime. Não há lugar, portanto, a penas de prisão, nem multas, nem coimas. Somente à condenação pela opinião pública, motivada pela manifesta falta de princípios em cada caso, porque a Ética está acima da Lei.
Francisco George
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[1] Do Grego êthê: os costumes