Opinião Pessoal XXXVI

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 11 setembro 2024

Retomo o tema do cancro.

Nunca é demais insistir que há alguns riscos que predispõem as pessoas para certas doenças oncológicas que devem ser conhecidos na perspetiva de serem tomadas ações preventivas. É um princípio básico porque muitos riscos são evitáveis pelas opções que tomamos no dia a dia, em termos de comportamentos.

Comecemos pelo risco mais falado e, a seguir, pelo menos admitido. Ambos evitáveis, sublinho.

O primeiro é, como todos concordarão, o tabagismo. O fumo originado pela queima da folha o tabaco é forçosamente inalado pelo próprio fumador, mas, igualmente, por quem estiver por perto, sobretudo em ambientes fechados. Está cientificamente comprovado que quando apenas um dos cônjuges de um casal é fumador, a probabilidade do outro não-fumador ter cancro do pulmão também aumenta como resultado do fumo passivo (os ingleses usam a interessante expressão de fumar em segunda mão) que também representa risco. A este propósito, posso testemunhar que tinha um amigo sindicalista que morreu muito cedo devido a um cancro do pulmão, apesar de nunca ter fumado, mas que passara a sua vida a inalar o fumo dos outros durante as longas reuniões noturnas da sua organização. O fumo passivo é uma realidade que tem que ser compreendida. Ainda há dias, interpelei uma jovem mãe que estava a fumar com a sua criança ao colo, apesar de estar numa esplanada aberta. Não resisti. Disse-lhe que estava a fazer mal ao seu bebé e que não tinha esse direito. O meu tom de autoridade terá ajudado a resolver a situação de imediato. Espero que tenha servido de lição!

O outro comportamento de risco, menos percetível, é a exposição ao sol sem camisa T-shirt protetora e sem chapéu de abas largas, tanto na praia como no campo. Todos deviam saber que, pelo menos entre as 12H00 e as 16H00, essa proteção é muitíssimo importante para evitar o cancro cutâneo (melanoma maligno).

Por estas razões, é preciso que todos compreendamos os efeitos dos nossos comportamentos, incluindo da alimentação, no que se refere ao cancro, uma vez que há determinados estilos de vida que encurtam o tempo de estarmos vivos.

Se gostamos de viver não devemos fumar, nem estarmos desprotegidos à exposição dos raios solares.

Mas, já perante a doença, todos sabem que o diagnóstico precoce é fundamental para permitir o início rápido da terapêutica.

Ora, no começo, o tratamento do cancro estava limitado à cirurgia e só depois surgiram, sucessivamente: a radioterapia, quimioterapia e mais recentemente a imunoterapia e a terapia celular.

Mas, a inovação atual está associada a custos muito elevados destes medicamentos que representam montantes incomportáveis para os orçamentos dos hospitais.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal XXXV

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 4 setembro 2024

Férias terminadas, é tempo para retomar as crónicas de quarta-feira.

Irei tentar elucidar algumas noções principais sobre CANCRO, recorrendo para tal a conceitos básicos que serão desenvolvidos com a clareza que conseguir, uma vez que o texto é destinado a todas as pessoas, independentemente da respetiva formação.

Começo pela biologia e terminarei pelos tratamentos inovadores.

Como se sabe, os órgãos do corpo humano são formados por tecidos que integram células que têm características específicas para cada órgão. Por outras palavras, as células do fígado são distintivas do fígado, tal como as células do pâncreas são próprias do pâncreas e diferentes de todas as outras. Isto é, cada órgão tem um tecido composto pelo conjunto das suas células que são inconfundíveis quando observadas ao microscópio.

A célula é uma pequena massa (citoplasma), de dimensão microscópica, envolvida por uma membrana e com um núcleo (imaginemos uma pequeníssima cereja apenas visível ao microscópio).

As células têm vida própria, traduzida pela atividade energética e pela divisão. Em regra, como norma, uma célula divide-se ao meio e dá origem a duas iguais que por sua vez também se dividem (e assim por diante) para garantir a substituição das células que, entretanto, morreram.

Ora, o tumor (ou neoplasia) resulta da multiplicação desordenada das células de um dado órgão. Este processo, denominado por oncogénese, tem duração muito variável, mas, em regra, é lenta, podendo levar anos a dar origem a uma massa visível (tumor).

Antes de tudo, considero oportuno clarificar o significado de tumor: designação médica que resulta do crescimento de um tecido em consequência da divisão descontrolada das células que pode assumir a forma benigna ou maligna. Na primeira situação a localização é circunscrita e não dá origem a metástases.

São muitas as explicações que estão na origem de tumores (causas da multiplicação desordenada das células). A este propósito realço que, cerca de 10% dessas causas são hereditárias, mas que estão confirmadas muitas outras: riscos relacionados com os estilos de vida, com a obesidade, mas também com o ambiente, bem como em consequência da exposição a determinados agentes físicos, químicos ou vivos.

Em relação a estes últimos agentes, está, cientificamente, demonstrada a capacidade oncogénica de certas inflamações provocadas quer por vírus (como o vírus do papiloma humano ou da hepatite B), quer por bactérias (Helicobacter pylori) ou por parasitas (bilharzíase).

Como já vimos, os tumores podem ser benignos ou malignos. Mas, apenas estes últimos são, comumente, designados como CANCRO (cancer em inglês e em português do Brasil).

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXXIV)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 31 julho 2024

Ainda sobre VIH/SIDA.

Antes de tudo, há que distinguir duas condições diferentes: 1 as pessoas infetadas pelo VIH, mas ainda não doentes; 2 os doentes com SIDA. As primeiras são designadas como seropositivas (não apresentam sintomas) e as segundas têm manifestações clínicas que surgiram no final do período de incubação.

As análises reconhecem a presença de anticorpos contra o VIH no soro das pessoas sero+ (daí a designação sero e de positivo), mas as pessoas não sentem alterações do estado de saúde: estão aparentemente saudáveis, mas podem transmitir o vírus.

Estes anticorpos que circulam no sangue são produzidos pelos glóbulos brancos (linfócitos) depois dos vírus terem penetrado no organismo. É a resposta imunitária de defesa à infeção. As análises comuns revelam a presença de anticorpos (não de vírus), sendo, por isso, necessário dar tempo (algumas semanas) até à sua formação: é o período de janela, caracterizado por análises negativas, mas com a pessoa já infetada.

Ao contrário da generalidade das infeções virais, o VIH ao infetar qualquer pessoa nunca mais será eliminado. A maioria das vezes, a infeção VIH surge no seguimento de uma relação sexual não protegida (quando um dos parceiros está infetado pelo VIH ou doente). 

Preciso.

Todos sabiam, desde cedo, que o risco em adquirir VIH/SIDA é tanto mais alto quanto maior é o número de parceiros sexuais.

Nessa altura, a morte dos doentes era resultado de uma penosa evolução da doença incurável.

A debilidade da imunidade dos infetados pelo VIH e dos doentes com SIDA fez regressar a tuberculose com carater explosivo. 

Passou-se, então, a falar de três grandes epidemias que emergiram quase simultaneamente, mas interrelacionadas entre si. Dir-se-ia, com mais propriedade, que eram tês pandemias, visto que se propagaram ao mesmo tempo em vários continentes.

Essas pandemias eram, na altura, as seguintes:  

1. A seropositividade (pessoas com análises positivas, mas não doentes e sem saberem quando iriam surgir as manifestações clínicas);

2. A doença provocada pela infeção que, na altura, iria, invariavelmente, provocar a morte;

3. A epidemia na dimensão psicossocial representada pelo medo da doença e que motivou comportamentos inaceitáveis de discriminação em relação aos infetados e doentes. 

Em 1987, o novo medicamento (AZT) começou a alterar o panorama. Com a viragem do Milénio aquelas três pandemias viriam a ser controladas. Hoje, a introdução de novos medicamentos permitiu transformar a SIDA: de doença aguda que provocava a morte passou a ser uma doença de evolução crónica (tal como a hipertensão arterial, por exemplo).

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

PS: Estarei de férias em Agosto. Regresso na primeira quarta-feira de Setembro.

Opinião Pessoal (XXXIII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 24 julho 2024

Ainda sobre VIH/SIDA.

Como já escrevi, em Bissau, a notícia da confirmação pela OMS que os mosquitos não transmitiam a “infeção mistério” foi assinalada por um jantar comemorativo. O ambiente do “Hotel 24 de Setembro” era belíssimo. Nesse dia, o gerente, um simpático espanhol das Canárias, esmerou-se na ementa: castanha de caju assada e camarões cozidos, como entradas; depois, serviu sopa de ostras (pitchpach) e chabéu de peixe com arroz branco; no fim, magníficas mangas e papaias. As bebidas incluíam cerveja guineense “Cicer” e sumos tropicais.

Assim sendo, sem os mosquitos como vetores, concluiu-se que a infeção era evitável. Para tal, as relações sexuais com parceiros tinham que ser protegidas por preservativos.

Só mais tarde, em 1983, viria a ser esclarecida a causa que originava a deficiência do sistema imunitário. Essa descoberta deveu-se ao francês Luc Montagnier (1932-2022) que era um prestigiado cientista do Instituto Pasteur de Paris. Foi ele que identificou o novo vírus que tinha a capacidade de invadir e destruir os glóbulos brancos (linfócitos) produtores de anticorpos (por isso, a deficiência do sistema imunitário). Por outras palavras, eram os novos vírus que penetravam e destruíam os glóbulos brancos como se fossem “ladrões a invadirem as esquadras da polícia”, visto que são esses glóbulos sanguíneos que, em condições normais, devem proteger o organismo das infeções (e de doenças oncológicas).

Todavia, a descoberta do francês Montagnier não foi pacífica porque quase ao mesmo tempo o americano Robert Gallo criou um teimoso ambiente de controvérsia à volta da descoberta do vírus ao pretender chamar a si os louros da sua identificação.

Olhando para trás, percebe-se que a acesa disputa entre o europeu e o americano sobre a autoria da descoberta do vírus da SIDA poderá ter sido empolada, mas o certo é que o Nobel da Medicina foi atribuído, em 2008, a Luc Montagnier e não a Robert Gallo. Um desempate tardio?

No começo (1983), os vírus descobertos receberam designações diferentes de Montagnier e de Gallo. O primeiro chamou-lhe LAV (Limphadenopathy Associated Virus) e o segundo, designou o mesmo vírus como HTLV-3 (Human T LInphotropic Virus). Só em 1985 o Comité de Taxinomia decidiu que esses vírus eram idênticos e como tal, passou a receber a denominação oficial de VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana) e a doença que provoca SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida).

A nomenclatura uniformizada do vírus e da doença a que dá origem, explicita que o vírus infecta seres humanos e que a imunodeficiência é adquirida após a entrada do VIH no organismo.

Mas, o que acontece depois do VIH entrar no organismo?

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXXII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 17 julho 2024

Continuo o tema VIH/SIDA.

A partir de 1981, multiplicaram-se os casos de doentes graves com síndromes que refletiam fragilidade da imunidade (que fora adquirida sem se perceber a razão).

Se é verdade que os quadros clínicos traduziam a fraqueza do sistema imunitário (que deixara de proteger o organismo de infeções e de cancro) é preciso, também, realçar que a sua causa era, então, inteiramente desconhecida. Uma incógnita surpreendente. Inesperada. Imprevisível.

A primeiríssima preocupação era descobrir se essa nova síndrome seria uma infeção transmissível de pessoa a pessoa e, se assim acontecesse, como se transmitia.

Para criar estratégias de prevenção na perspetiva de poder ser evitada essa infeção era preciso ter resposta à questão: quais os modos de transmissão?

As pesquisas conduzidas em múltiplos centros científicos, sob coordenação da Organização Mundial da Saúde (OMS), iniciaram-se, desde logo. Para tal, foi criado um programa especial que juntou investigadores, médicos, biólogos e epidemiologistas, designadamente europeus e norte-americanos.

Poucos meses depois, percebeu-se que os novos casos estavam associados a relações sexuais, tal e qual como 100 anos antes acontecera com a sífilis.

Também cedo se reconheceu a possibilidade do sangue transmitir a síndrome (através de transfusões ou da utilização comum de objetos cortantes ou perfurantes, por exemplo), bem como das mães doentes poderem transmitir aos filhos durante a gravidez, o parto ou a amamentação (transmissão mãe-filho).

Estabeleceram-se, assim, três vias de transmissão: 1 relação sexual; 2 pelo sangue; 3 da mãe para o filho.

As investigações epidemiológicas da OMS demonstraram, inequivocamente, que os mosquitos não transmitiam esse agente. Se assim sucedesse, isto é, se a picada de mosquito tivesse a possibilidade de transmitir o agente da nova síndrome então tudo teria sido diferente porque ninguém pode evitar a picada de mosquitos (a não ser que viva com fatos de astronauta).

Se, como a febre amarela, o dengue ou o paludismo, os mosquitos fossem capazes de transmitir o novo agente as consequências teriam sido ainda mais devastadoras. Mas, a impossibilidade dessa hipótese foi verificada: a frequência da nova síndrome identificada na população não apresentava diferença em função da densidade de mosquitos existente nas várias regiões investigadas (como os mosquitos multiplicam-se na água, a síndrome teria que ser mais frequente junto dos rios e lagos, em comparação com zonas áridas).

A notícia que confirmou a impossibilidade dos mosquitos transmitirem o “agente mistério” foi logo festejada em jantar especial no Hotel 24 de Setembro de Bissau.

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXXI)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 10 julho 2024

Voltando à SIDA.

Apesar das investigações científicas indicarem que o começo da nova doença terá acontecido, provavelmente, nos anos 1930-1950, a verdade é que apenas a partir de 1981 constituiu motivo de preocupação, atendendo quer à intensidade das manifestações clínicas quer à dimensão explosiva da epidemia.

À gravidade dos casos clínicos em adultos, juntou-se, a nível mundial, a rapidez da sua propagação.

A esse propósito, de forma simbólica, costumo dizer que eu “estava em Lisboa na manhã do dia 1 de Novembro de 1755” para comparar a situação de “autêntico terramoto” que a Pandemia significou em 1981. Nessa altura, eu trabalhava como médico em Bissau, onde vivia juntamente com minha mulher e as nossas três crianças.

Tentarei descrever alguns dos cenários que testemunhei.

A Independência tinha tido lugar há poucos anos. Primeiro, Luís Cabral e, depois, Nino Vieira, tinham erguido o Estado a partir das infraestruturas deixadas pelo tempo colonial e dos apoios da cooperação internacional. As políticas públicas para a saúde obedeciam a um plano para dar resposta aos principais problemas: paludismo, tuberculose, sarampo e diarreias agudas.

Inesperadamente, no final de 1980, foram diagnosticados no Hospital Simão Mendes seis doentes adultos que viriam a morrer de diarreia crónica. Todos os médicos sabiam que a morte por diarreia era frequente em crianças, mas não em adultos (onde é uma doença autolimitada em consequência da proteção do sistema imunitário desenvolvido).

O que teria provocado a morte dos doentes? (Interrogação sem resposta até 1983).

Simultaneamente, verificou-se o aumento inesperado de casos com acentuado emagrecimento, clinicamente inexplicável e o recrudescimento das incidências da tuberculose, pneumonias e de outras doenças que habitualmente não eram observadas em adultos (como herpes zoster e micoses).

Próximo do Natal de 1981, nunca esquecerei o dia em que um guineense, funcionário público, bateu à porta da minha casa. Estava desesperado. Agitadíssimo. Era um jovem (teria 35 anos) que me dizia estar muito aflito porque sentia “bichos a morderem a garganta” e que não podia comer. Com lanterna e espátula examinei a orofaringe do doente e de imediato percebi que era uma infeção por fungos muito semelhante à que habitualmente ocorre em crianças (designada por “sapinhos”), visto que as defesas imunitárias ainda não estão plenamente desenvolvidas. Eram três as diferenças que marcavam o quadro do doente que procurou o meu conselho: 1 era adulto e, como tal, devia ter as defesas normalmente ativas; 2 as manifestações de candidíase oral eram muito extensas, invadindo o esófago; 4 eram resistentes ao tratamento comum.

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXX)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 3 julho 2024

Há 40 anos, a identificação, em Portugal, dos primeiros casos de SIDA irá ser assinalada com iniciativas promovidas pela Direção-Geral da Saúde. Ainda bem que assim sucede. É preciso falar mais sobre a infeção e a doença.

Saber da origem viral e como se transmite é condição principal para a prevenção da SIDA.

Durante estes 40 anos foram alcançados imensos sucessos traduzidos na transformação de uma doença aguda grave (como causa frequente de morte dos doentes) em doença crónica que, em consequência do tratamento medicamentoso inovador, deixou de encurtar a vida dos infetados.

Quer a minha idade quer a minha carreira colocaram-me, por mero acaso, no epicentro da Pandemia VIH. Tudo aconteceu de forma inesperada, em 1980. Surpreendeu os cientistas que, até então, não admitiam a possibilidade de aparecer uma doença que não existia anteriormente. É verdade, ao contrário da gripe, ninguém tinha antecipado a hipótese de surgir uma doença de expressão pandémica com a magnitude e gravidade da nova infeção viral. Sublinho, NOVA, uma vez que antes não se conheciam casos clínicos dessa doença.

Porém, ainda hoje, pouco se sabe como emergiu, quando e qual foi, verdadeiramente, a origem do vírus. Terá sido a partir de mutações ocorridas em vírus que circulavam em macacos ou em outros animais? Ao certo ainda ninguém demonstrou, no plano científico, o que aconteceu.

Também não se percebeu quando ocorreu a nova doença. Mas, se é exato que a epidemia explosiva foi só reconhecida em 1981, também é verdade que há razões para admitir que o seu início remonta aos anos de 1930 a 1950 (como casos esporádicos).

Preciso.

Há duas situações descritas, corretamente estudadas por cientistas, que fazem crer que a “doença mistério”, com as mesmas características de imunodeficiência, começou antes de 1980, em África. Uma delas, refere-se a um jovem marinheiro inglês de 25 anos de idade que estivera na África Austral e que viria a morrer em 1959 com um quadro clínico grave de pneumonia e de cancro (sarcoma de Kaposi), tendo sido autopsiado sem conclusão diagnóstica, na altura. Mais tarde, o médico do doente, ao lembrar-se dessa autópsia, foi investigar as peças congeladas e, com espanto, identificou o material genético do vírus da SIDA.

Um outro caso analisado foi a de uma criança que morreu de varicela (doença benigna), em 1976, filha de um viajante norueguês que tinha estado em África, dez anos antes. Posteriormente, os investigadores admitiram que a causa da morte foi SIDA transmitida pela mãe (que, tal como o pai, morrera de doença compatível com deficiência imunitária).

Mas, o “Grande Terramoto” com epicentro em África só viria a sentir-se depois de 1980.

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXIX)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 26 junho 2024

Ainda sobre História relato outras memórias que me marcaram desde a adolescência. Refiro-me a uma visita que fiz ao Palácio de Sintra. Teria na altura 11 anos de idade.

Impressionaram-me os sulcos marcados no pavimento da sala que serviu de prisão ao rei Afonso VI que tinha sido deposto por um golpe palaciano liderado pelo seu próprio irmão, Pedro (cinco anos mais novo do que ele). Essas marcas eram o resultado dos movimentos de andar para trás e para diante, durante 9 anos, de Afonso (que coxeava) que aí esteve impiedosamente detido, até à sua morte em 1683.

Só mais tarde percebi os contornos dos acontecimentos ocorridos no Portugal restaurado.

Preciso.

Afonso nasceu em 1643, filho de João IV e Luísa de Gusmão. Uma doença febril adquirida durante a infância deixou-o deficiente. No âmbito das regras da Monarquia, uma vez que o príncipe herdeiro, Teodósio, tinha morrido prematuramente, o seguinte na linha de sucessão ao trono era Afonso que, apesar de ser mental e fisicamente deficiente, viria a ser aclamado rei depois da morte de João IV (1656).

Há muitos documentos que testemunham que a Corte de Afonso VI era uma barafunda. Os seus amigos eram “pouco recomendáveis” por serem autênticos bandidos organizados em gangues que semeavam o terror nas ruas da capital. Antes de ser coroado, Afonso encontrava-se entre eles e depois, irrefletidamente, a partir de 1662, levou-os consigo para a Corte. Uma desgraça.

O país vivia problemas graves, incluindo crises de fome e guerras com Castela e com a Holanda. A restauração terminaria com a Batalha de Montes Claros, em 1665.

Afonso VI casou com Maria Francisca de Saboia, em 1666. As desavenças da rainha com o seu marido e com a Corte, levam Pedro a querer o trono do irmão e a cunhada. Para tal, manda encarcerar Afonso e consegue a anulação do casamento de Francisca com quem viria a casar.

Conclusões:

1. Maria Francisca de Saboia, provavelmente, terá sido a única aristocrata, a nível mundial, a ter sido rainha por duas vezes, consorte de dois reis diferentes.

2. Pedro II de Bragança foi, talvez, o único monarca que conquistou, duplamente, o trono e a rainha ao seu antecessor (Afonso VI).

3. Como médico, pelas descrições da doença e sequelas de Afonso, admito que foi meningite.

4. Aconselho a visita ao Palácio. Uma viagem no tempo.  Porém, reparemos que, na época dos Braganças, o Palácio era em Cintra e não em Sintra porque o nome da vila passou a ser escrito com “S” quando terminou a dinastia brigantina, em 1910. No ano seguinte a reforma republicana da ortografia terminou com nomes derivados de divindades, como era a situação de Cintra que estava associada a Cyntia, deusa grega da Lua.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXVIII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 19 junho 2024

Sou daqueles que gosto de conhecer a História do nosso país porque admito que a interpretação da realidade presente está, inevitavelmente, associada à evolução de eventos passados relativos a múltiplas dimensões (culturais, sociais e económicas).

Ora, Portugal foi fundado, há 881 anos, em ambiente de sucessivas batalhas havidas contra Leão, Castela e os Mouros. A ambição, a audácia e a espada de Afonso Henriques foram decisivas para ter sido reconhecido como rei de Portugal por Afonso VII de Leão e Castela, em 1143. Foi inaugurada, assim, a primeira dinastia portuguesa até à coroação de João, Mestre da Ordem de Avis, em 1385.

Afonso Henriques nascera em Guimarães, em 1111, era filho de Henrique de Borgonha e de Teresa de Leão (titulares do condado Portucalense). Muitos historiadores descrevem a personalidade de Afonso Henriques caracterizada por espírito insubmisso, pela sua rebeldia e pelo ânimo inquieto (como escreveu Alexandre Herculano).

Em 1146, Afonso Henriques casou com Matilde de Saboia (1125-1158) que, curiosamente, entre nós, é mais conhecida como Mafalda. A primeira rainha de Portugal durante a sua curta vida (33 anos) teve sete descendentes. O quinto a nascer foi Sancho (1154-1211) que viria a suceder a seu pai, em 1185, como segundo rei.

Como se sabe, o novo reino ergueu-se de batalha em batalha, de conquista em conquista.  A expansão territorial alcançada viria a completar o nosso atual retângulo até às praias algarvias. Neste âmbito, em 1147, a tomada de Lisboa aos mouros, após um cerco de cinco meses, representou um notável marco. Para tal, Afonso Henriques teve o apoio de cruzados ingleses que estavam em Portugal a caminho da Terra Santa (Palestina).

Afonso Henriques morreria em 1185, em Coimbra. Todo o seu reinado foi assinalado por constantes guerras: ora contra cristãos leoneses e castelhanos ora para expulsar os muçulmanos. Antes e depois de ser rei foi sempre um temido guerreiro. A administração do país que criou foi sendo adiada porque, para ele, era preciso, primeiramente, ganhar as lutas e os combates. Conquistar era a sua grande prioridade.

A sua vida de combatente destemido e ousado foi um fascínio.

Quando eu passava em Coimbra, sobretudo na altura das minhas deslocações oficiais, tinha o costume de parar na baixa para visitar o túmulo de Afonso Henriques no Mosteiro de Santa Cruz. Este tributo que gostava de prestar gerava no meu pensamento uma estranha emoção que nunca consegui nem explicar nem conter. Os poucos momentos que aí estava eram suficientes para idealizar a imensa energia que o nosso primeiro monarca terá conseguido mobilizar para construir o novo Estado.

Sobre Afonso Henriques gosto especialmente dos versos, em duas quadras, que Fernando Pessoa nos deixou na “Mensagem”, publicada em 1934:

Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como bênção!  

Conclusão: Em próxima deslocação a Coimbra aconselho os leitores a visitarem o Mosteiro de Santa Cruz, edificado em 1131 por iniciativa dos dois primeiros reis. Os túmulos de Afonso Henriques e de seu filho Sancho aí se encontram por vontade expressa deles.

(continua)

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com

Opinião Pessoal (XXVII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 12 junho 2024

Agora, 80 anos passados do Desembarque, estando eu assolado por notícias preocupantes sobre as guerras na Europa e no Médio Oriente, resolvi resumir o caminho que aqui nos trouxe, a partir dos horrores que aconteceram durante a II Guerra Mundial, entre 1939 e 1945.

Como eu e o meu irmão gémeo (idêntico) nascemos dois anos depois, compreende-se que o tema da Guerra tenha sido motivo de frequentes conversas em nossa casa a propósito de questões associadas a assuntos políticos ou militares. Meu Pai era filho e neto de ingleses e, por isso, viveu com elevada emoção aquele tempo de Guerra. Costumava relatar todos os detalhes das diferentes etapas da Guerra para nos explicar a importância que teve para todos nós a derrota da Alemanha. Dizia-nos que na altura costumava acompanhar as emissões da BBC e que frequentava o pequeno teatro no “quarteirão inglês”, à Estrela, para ver os documentários filmados sobre o BLITZ que aí eram regularmente projetados. Não escondia a sua preferência por Montgomery, Winston Churchill e Clement Attlee. Já perto da Vitória dos Aliados, enaltecia o êxito do marechal Zhukov que fez capitular Hitler, em Berlim, no final de Abril de 1945. Descrevia-nos o conceito de heroísmo dos soldados Aliados e dos partisans franceses na perspetiva da Libertação das nações. Nunca mais esquecemos os seus ensinamentos.

Por outro lado, a decisão tomada pelo Presidente Truman dos EUA em lançar bombas atómicas para conseguir precipitar a rendição do Japão foi sempre muito criticada. Como se sabe, primeiro, em Hiroshima, a 6 de Agosto (bomba de urânio) e três dias depois uma outra explosão atómica à base de plutónio, em Nagasaki, provocaram instantaneamente 120 mil mortes, sem contar com os efeitos radioativos que durante semanas, meses e anos atingiram muitos milhares de pessoas. Um imenso pavor.

Os cenários de hoje, 80 anos depois da Normandia, representam novas ameaças. Mas, de dimensão global, sublinho.

Preciso.

Nos últimos dois anos, incessantes disputas belicistas constituem motivo de inquietação, uma vez que os armamentos atuais estão preparados para lançarem (por terra, mar e ar) inúmeras ogivas nucleares. Confirmadamente. Há que equacione a possibilidade de eclodir uma III Guerra Mundial. Os conflitos entre a Rússia e a Ucrânia ou entre Israel e as populações da Palestina (e do Irão) poderão servir de ignição para tal.

Na minha opinião, baseada só em presunções, os Portugueses não gostam de conflitos armados. Tanto mais que uma nova Guerra da Europa conduziria a uma devastação inimaginável, atendendo ao imenso poder de destruição massiva das armas atómicas existentes, muito mais poderosas do que as explosões de 1945.

Devem ser um alerta não só para todos os povos europeus como, também, a nível mundial, em termos de sobrevivência coletiva para “os dois lados”.

Estou em crer que há ainda tempo para serem aproximadas soluções imediatas na perspetiva da Paz.

É preciso substituir armas por acordos. É preciso impedir a destruição do Planeta e de quem o habita, uma vez que explosões nucleares poderão, em pouco tempo, tudo e todos destruir.

Mais do que nunca, estou convencido que seriam necessários outros líderes mundiais, mas com a dimensão de António Guterres. Diria, desde já, em Moscovo, Kiev, Washington, Telavive, Gaza, Teerão, Berlim, Paris e Bruxelas.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com