Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 3 maio 2023
(conto baseado em acontecimentos verídicos)
Era uma vez, Pedro Silva que nascera em 1940, em Lisboa. Ao terminar o curso de Medicina, em 1963, Pedro resolveu não apresentar a tese final na Reitoria da Universidade na intenção de não concluir formalmente a licenciatura. Isto é, acabara o curso sem poder ser inscrito na Ordem dos Médicos. Era quase médico sem poder exercer medicina. Mas, era isso mesmo que ele pretendia porque os médicos logo que acabavam a Faculdade eram imediatamente mobilizados para a Guerra Colonial. Pedro não queria ir para África. Em vez disso, para não cumprir o serviço militar obrigatório, pensou que era preferível não ser incorporado e emigrar para o estrangeiro. Assim aconteceu. No seu automóvel atravessou a fronteira do Caia, em Elvas, tendo dito aos agentes que “ía comprar chocolates” a Badajoz… Claro que não regressaria. À semelhança de outros colegas seus, instalou-se em Genebra, na Suíça, onde não teve dificuldade em obter autorização de residência e de trabalho. Continuou a ler e dava aulas para poder viver o dia a dia.
Na altura, os portugueses aí residentes eram cada vez mais numerosos. Promoviam encontros e debates sobre política nacional e internacional. Era o tempo da intensa propaganda difundida pelos comunistas que exaltavam os feitos da URSS, mas também de outros que rejeitavam as teses ditadas por Moscovo. Porém, estavam todos unidos pelo envolvimento na luta contra o regime ditatorial de Salazar e, especialmente, contra a continuação da colonização. Consideravam urgente a criação de condições para a Independência das colónias, nos termos preconizados pela ONU.
Muitos dos membros do Grupo escreviam textos de reflexão e análise política. Para tal, fundaram a revista “Polémica”. Uns assinavam com o próprio nome, outros com pseudónimos. Carlos Almeida, Manuela Pinto Nogueira, Eurico Figueiredo, Maria Emília Brederode, António Barreto e Medeiros Ferreira, entre outros, destacavam-se. Os dois últimos viriam a ser ministros de governos do Partido Socialista, depois de 1974. Também Manuel Lucena, em Paris e José Cutileiro, em Londres, mantinham ligações próximas aos seus amigos da “Polémica”.
Entretanto, os serviços centrais da PIDE, à António Maria Cardoso, em Lisboa, tinham classificado Pedro Silva, não só como refratário, mas, também, como refugiado politicamente ativo no núcleo oposicionista de Genebra. Reforçaram a vigilância aos familiares mais próximos e até à namorada que era médica no Hospital Dona Estefânia.
Um dia, Pedro Silva alugou um apartamento com magnífica vista para o Lago na ideia de casar com Luísa, com quem namorava desde o terceiro ano da Faculdade. Por isso, escreveu-lhe uma carta de amor que terminava com o pedido de casamento. Prometia viverem felizes na nova casa que acabara de arrendar em Genebra.
No entanto, Pedro não recebeu qualquer resposta de Luísa. Admitiu que era sinal de recusa para casarem. Não podia visitá-la pela sua condição de refratário, uma vez que, pela certa, seria detido à entrada.
Anos passados, depois de 1974, Pedro regressou a Portugal. Propositadamente não procurou Luísa. Ambos tinham reorganizado as suas vidas.
Um dia, por mera curiosidade, foi consultar a sua ficha da PIDE, na Torre do Tombo. Encontrou aí a carta do pedido de casamento com carimbo vermelho de intercetada por segurança do Estado!
Como reagir?
Francisco George
franciscogeorge@icloud.pt