África 1980 – Primeira Aventura

Foi em Outubro de 1980 que, pela primeira vez, aterrei em África. Com excepção de Ceuta, nunca tinha estado no Continente a que, todos nós, estamos tão ligados desde o tempo da fundação, dos Mouros e por aí fora. Séculos.

A Organização Mundial da Saúde tem a sua sede Africana em Brazzaville, capital da República do Congo (ex-colónia francesa). Ocupa as antigas casas dos engenheiros que construíram a grande barragem hidráulica no Haut de Joué, a cerca de 12 quilómetros do centro da Cidade.

Brazzaville, na época, era pequena. Sobressaía o ambiente tropical típico. Curiosamente, o magnífico rio Congo separa-a de Kinshasa, mesmo em frente, na outra margem, capital do então Zaire, ex Congo-Belga (actual República Democrática do Congo). Julgo que não haverá outro exemplo como este em que a geografia política juntou duas capitais de diferentes países que se olham, assim, face a face e de tão perto. Mas, se é verdade que a distância física é muito curta, em 1980 os dois Congos eram governados de forma bem diferente. Do lado de Brazzaville um regime “popular” conduzido por Denis Nguesso, na esfera de influência Soviética e do outro impunha-se a ditadura de Mobutu que se auto-intitulava o “pai da nação”.

As primeiras semanas foram aqui vividas. Todas as manhãs o autocarro da OMS fazia a ronda pelos hotéis para recolher os consultores que iriam trabalhar no Haut de Joué. Eu estava hospedado no Hotel Cosmos junto ao cais das barcaças e canoas que faziam a travessia do rio entre as duas margens. O apertado sistema de fronteiras, antes e depois do embarque e ao desembarcarem gerava algazarra com frequência. Apesar do ruído, os quartos do “coté fleuve” compensavam, uma vez que tinham uma vista soberba sobre Kinshasa.

Num dos primeiros dias, só, sem conhecer ninguém, resolvi sair depois do jantar. Foi a primeira grande aventura. Algumas centenas de metros depois de ter saído, ao caminhar em direcção ao centro, inesperadamente, três milicianos das brigadas revolucionárias, bem armados, com metralhadoras e balas em cinturões cruzados ao peito, escondidos nos ramos de uma enorme mangueira, saltaram e interpelam-me com determinação. Pediram-me a identificação e em tom decidido explicaram-me que estavam em missão de vigilância revolucionária, ao serviço do Governo do “Camarada Presidente” para impedir a entrada de indesejáveis no País. Naturalmente, fiquei em pânico, imaginei logo uma cena terrível. Em poucos instantes vi a minha vida numa imensa confusão. Percebi riscos iminentes. Sabia que não tinha passaporte comigo nem qualquer identificação (tinha entregue a documentação nos serviços da OMS para procedimentos administrativos).

Perante tamanho susto resolvi arriscar com força. Expliquei que compreendia aquelas acções devido a razões de segurança interna e que reconhecia a necessidade de defenderem o País. Disse que era médico e que, como funcionário da OMS, eles teriam que me respeitar ao abrigo dos acordos internacionais. Eles insistiam que eu tinha que provar a minha condição de médico e de explicar a razão de andar sem identificação… Foi então que me lembrei de apresentar a seguinte proposta: um deles acompanhar-me-ia à recepção do Hotel para consultar a minha ficha de registo preenchida à entrada. Assim sucedeu. Dois deles lá foram comigo e, em dialecto local, exigiram na recepção saber de mim, do número do meu passaporte, do dia da chegada, do voo que fizera, etc. Viram que a reserva tinha sido feita pelos serviços da OMS. Fiquei mais tranquilo. Apesar disso, foram inspeccionar o meu quarto e as minhas malas. Tudo verificaram. Examinaram minuciosamente livros e apontamentos. Observaram com lentidão papel a papel.

Pelas 2 horas da manhã acabaram o trabalho deles. Eu, nem sabia o que, no mês seguinte, me esperaria…

Francisco George
Verão 2011

 

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