Interpretar Linhas Vermelhas para Cuidados Intensivos

Artigo de opinião publicado em 28 Novembro 2021 no “Diário de Notícias”

Os dois principais indicadores para avaliar a evolução da propagação, magnitude e intensidade da Pandemia são a ocupação de camas hospitalares devida a casos de Covid-19 e, muito em especial, o número de doentes admitidos em camas de unidades de cuidados intensivos.

Ora, como se sabe, as decisões tomadas por gestores (e governantes) a nível central e por administradores hospitalares, em cada serviço, resultam da leitura, entre outros, desses dois indicadores que, no conjunto, constituem um “painel de bordo” que assinala as circunstâncias a cada momento.

Tanto a ocupação de camas em cada hospital, como o movimento de admissões e altas em unidades de cuidados intensivos são em permanência monitorizados. Como tal, os sinais, podem traduzir a normalidade esperada para essa unidade ou, pelo contrário, a aproximação a “linhas vermelhas” (previamente definidas) que representa motivo de preocupação. Por isso, a vigilância ininterrupta da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde é um processo indispensável para, se necessário, serem introduzidas medidas e para tudo ser feito, em tempo útil, a fim de ser evitada a ultrapassagem dessas linhas.

Convém, portanto, saber interpretar este indicador, uma vez que tem sido repetidamente citado pelos epidemiologistas da DGS e do Instituto Ricardo Jorge (nomeadamente por Baltazar Nunes).

Há, para isso, que atender ao número de camas de cuidados intensivos, em pleno funcionamento, para perceber a respetiva movimentação diária de doentes admitidos e altas e, ainda, a comparação com dias ou semanas anteriores.

Ora, o limite “vermelho” é de 255 camas ocupadas por doentes Covid-19. Linha que foi expressamente calculada para o conjunto das cinco regiões do Continente. Menos de 255 doentes em tratamento intensivo traduz uma situação de ausência de pressão e, portanto, da manutenção regular do funcionamento do Sistema. Pelo contrário, um número superior representa “pressão” alarmante e exige (além de comunicação imediata à Ministra da Saúde) a adopção urgente de correções.

Como se imagina cada cama de cuidados intensivos requer a presença em regime de 24 horas, 7 dias da semana, de médicos intensivistas, enfermeiros e outros técnicos especialistas, além de uma bateria de equipamentos complexos como ventiladores.

Hoje, estas unidades estão disponíveis em todo o País. O Serviço Nacional de Saúde tem conseguido gerir o parque de camas de cuidados intensivos de forma admirável. Um sucesso, reconheça-se. Inúmeros relatos comprovam a indiscutível eficácia, sobretudo para resolver estados graves de insuficiência respiratória. Evitam, muitas vezes, a precipitação do final da vida causada pelo Covid-19, sem discriminação alguma. O acesso é ditado por decisão exclusivamente baseada em critérios clínicos, quer para doentes ricos ou pobres, bem como de todas as nacionalidades, etnias, cor da pele ou confissões religiosas. Inclusão exemplar. Um orgulho.

Porém, sublinha-se que nem sempre assim aconteceu. No plano histórico, a Medicina Intensiva, em Portugal, começou de forma bem diferente. Em 1968, António Oliveira Salazar foi internado no Hospital da Cruz Vermelha. A gravidade da sua doença levou os médicos a requererem a aquisição no estrangeiro de um ventilador destinado apenas para o então Presidente do Conselho. Rapidamente, um aparelho de origem sueca do último modelo da marca Engstrom chegou, sem barreiras, a Lisboa e logo colocado, directamente, no quarto onde Salazar estava internado (em próximo trabalho o tema irá ser desenvolvido).

Francisco George
Especialista em Saúde Publica
Novembro, 2021

Unidade de Cuidados Intensivos
A primeira Unidade de Cuidados Intensivos foi criada só para Salazar (foto Museu CVP)