Em Primeira Tertúlia

Capa da publicação “Era uma vez Jorge Sampaio”
Capa da publicação “Era uma vez Jorge Sampaio”

Pela mão de Manuel, meu irmão mais velho, iniciei, muito timidamente, a minha presença em tertúlias promovidas e animadas por Jorge Sampaio. Na altura, na viragem dos anos 50 para os 60, participavam os seus amigos de Campo de Ourique que com ele tinham estado no Liceu Pedro Nunes e depois na Universidade. As reuniões tinham lugar em mesas de café ao Jardim da Parada. Quase sempre na mesma mesa. No mesmo canto. Lá estavam, unidos por inquestionável cumplicidade, em conversas e análises políticas que pareciam não ter fim. Para além de Jorge, os irmãos Fernando, Nuno e Emília Brederode Santos, Manuel e Carlos Plantier.

Separavam-me dos membros do grupo 8 anos de idade. Tinha eu 13 anos. Compensava esta diferença com redobrada atenção durante as reuniões, sem descanso, na perspetiva de seguir os assuntos em debate. Como “aprendiz” de político, fui aconselhado a ler a célebre história do deputado Pacheco que chegou a Primeiro Ministro sem nunca ter falado no Parlamento, como Eça relatou na sua “Correspondência de Fradico Mendes”. A seguir, mais e mais livros. “Capitães da Areia” e muitos outros com destaque para o neo-realismo.

Apesar da distância do tempo, mais de 60 anos, lembro-me bem de alguns dos temas marcantes e do papel de liderança, muito naturalmente assumido, por Sampaio. Os assuntos, incluindo os associados à vida académica, denunciavam a injustiça social do tempo de Salazar. Todos os acontecimentos que abalavam o regime eram motivo de satisfação, mesmo que temporária. Fonte de ainda mais energia para continuar.

Logo nos primeiros dias de 1960, foi a espetacular fuga de Álvaro Cunhal do Forte Peniche. A evasão coletiva dos dirigentes comunistas, ao ser conhecida, avivou o ambiente da Tertúlia. Depois, no começo do ano seguinte, a audácia de Henrique Galvão, ao tomar de assalto o paquete Santa Maria, expõe com imenso destaque na imprensa internacional as injustiças do regime de Salazar. Regozijo na Tertúlia. Nova esperança.

Antes do final de 1961, novo abalo com a invasão de Goa. Pandita Nehru expulsa os portugueses do Estado da India. Vassalo e Silva, irmão de Maria Lamas, recusa obedecer a Salazar e decide render-se. O início do fim do Império.

Na época, o Jornal “República” lança uma campanha de subscrição nacional para adquirir nova rotativa. Muito participada.

Nesse tempo, os antigos estudantes da Casa do Império, em Lisboa, Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Eduardo Mondlane abrem frentes de guerra pela Independência das colónias. A Tertúlia compreende, naturalmente, o imperativo na descolonização. Todos em oposição à Guerra Colonial.

Às primeiras horas de 1962, Humberto Delgado e Varela Gomes assaltam a Infantaria de Beja. Um desastre. Novas análises na Tertúlia. A espontaneidade explica o insucesso da operação.

Neste ano, o Dia do Estudante, celebrado a 24 de Março, é proibido por Salazar que manda a polícia invadir a Universidade. O então Reitor, Marcelo Caetano, demite-se. Sampaio lidera o Movimento Estudantil. Adquire amplo reconhecimento na Academia e na vida política nacional.

Em 1969 volta a confrontar Marcelo Caetano à frente da CDE. As reuniões de Sampaio na Sede do Campo Grande são inesquecíveis. Pereira de Moura e José Manuel Tengarrinha, também muitos outros, estão a seu lado. Mário Soares isola-se para liderar “outra” Oposição, com rótulo de mais moderada.

Quem lidou com Jorge Sampaio viria a reconhecer a sua firmeza, determinação, princípios defensores de mais justiça social e solidariedade. Humanismo associado à cultura da verdade.

Setembro, 2021
Francisco George