Portugal, 1974 (I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 7 junho 2023

A História da República, em 1974, aclama acontecimentos exaltantes e de tamanha grandeza que a prosa não consegue descrever com a necessária atração.

Sem prejuízo de outros retratos objetivos, baseados em rigorosa análise histórica, relatam-se aqui episódios dispersos que podem alcançar alguma satisfação à curiosidade de leitores interessados pelas narrações e testemunhos da época.

Em Maio, as primeiras escolhas políticas recaem em democratas conservadores.  Foi o caso da nomeação de Adelino Palma Carlos para Primeiro-ministro por proposta insistente do Presidente António Spínola. Adelino era um conhecido professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, contemporâneo e amigo de Marcelo Caetano (ambos com idades próximas). Desde cedo aderiu à Maçonaria Portuguesa, tendo mesmo sido grão-mestre do Grande Oriente Lusitano. Aliás, foram os dirigentes maçónicos que logo sugeriram o seu nome a Spínola. Tinha sido Diretor da Faculdade e Bastonário da Ordem dos Advogados. Nos tribunais, Palma Carlos não hesitava em defender os políticos opositores à Ditadura do Estado Novo, perseguidos pela PIDE.

Foi primeiro-ministro do I Governo Provisório durante dois meses, a partir de 16 de maio. Como se sabe, o ambiente político da altura era muito especial. Sempre quente. Instável. Complexo, sem dúvida, mas exaltante.

A antiga amizade que unia Marcelo e Adelino facilitou a comunicação entre eles, mesmo depois da inesperada substituição ocorrida. Trocam cartas para combinarem o destino de documentação existente em São Bento, incluindo associada a livros de cheques que tinham ficado por resolver. Com a posterior publicação dessa correspondência ficou a saber-se que o Presidente do Conselho dispunha de uma conta no Banco Espírito Santo destinada a fins assistenciais de ações de benemerência (como pequenos donativos). Curiosamente, essa conta era abastecida regularmente pela Fundação Calouste Gulbenkian.

Ora, imediatamente antes da entrada em funções de Adelino Palma Carlos, na véspera, foi publicado o Decreto-lei 203/1974 de 15 de Maio que transforma o Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA) em Lei, publicada no então “Diário do Governo”. No capítulo da política social prevê “o lançamento das bases para a criação de um serviço nacional de saúde ao qual tenham acesso todos os cidadãos”. Melo Antunes e os outros membros da Comissão Coordenadora do MFA, conheciam a precariedade da situação de Saúde Pública. Sabiam do atraso de Portugal em relação à Europa. O país ainda vivia o tempo das epidemias de cólera. A mortalidade infantil era 4 vezes superior à da Suécia. A esperança de vida ao nascer era inferior em 7 anos quando comparada com a da Suécia. Em 1974, 1 em cada 4 portugueses não atingia 55 anos de idade.

Em resumo, em Portugal, os cidadãos morriam cedo e tinham esperança de viver mais curta em comparação com outros países europeus. Viviam com pouca qualidade e morriam prematuramente devido a causas evitáveis.

Moral

A construção do Serviço Nacional de Saúde foi prevista pelo MFA e inscrita como prioridade no Programa apresentado em 25 de Abril. Os capitães sabiam que era inadiável. Agora, na preparação das celebrações dos 50 anos, o Serviço Nacional de Saúde deve continuar a ser prioridade, ao lado da Escola Pública e da Justiça. Era essa a ambição do MFA.

Francisco George
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