Portugal, 1974 (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 14 junho 2023

Logo em Maio e Junho, os assuntos relacionados com as então colónias portuguesas eram os temas centrais nas discussões havidas durante as sessões do conselho de ministros, desde o I Governo Provisório. Aliás, compreende-se que assim tivesse acontecido, uma vez que a Guerra Colonial esteve na génese do Movimento das Forças Armadas (MFA). Cedo os “capitães” compreenderam que para acabar a Guerra em África impunha-se derrubar pela força o Governo de Marcelo Caetano. Por outro lado, depois da Revolução, concluíram que para terminar a Guerra era preciso descolonizar.

O reconhecimento da Independência de cada colónia seria, portanto, inevitável. Era o tópico principal em debate nas Forças Armadas e no Governo Provisório. As notas pessoais que Adelino Palma Carlos registava no seu caderno pessoal, (1) durante cada reunião do Conselho de Ministros, espelham essa imensa preocupação com as situações políticas e militares relacionadas com as colónias portuguesas, designadamente Guiné, Angola e Moçambique.

Ainda em 1974, devido a inconciliáveis discordâncias com o rumo político decidido no sentido da descolonização, tanto Adelino da Palma Carlos, como António Spínola renunciaram aos cargos que desempenhavam de Primeiro-ministro e de Presidente da República.

Como se sabe, o processo de descolonização prosseguiu com determinação e de forma rápida. Mário Soares nos Negócios Estrangeiros, António Almeida Santos no antigo Ministério do Ultramar (que passou a designar-se Coordenação Interterritorial), Vasco Gonçalves (a partir do II Governo Provisório) e Melo Antunes (membro da Comissão Coordenadora do MFA) cumpriram papeis primordiais.

Os conselhos de ministros eram muito longos. Por vezes, começavam pela manhã e prolongavam-se até à noite. Demoravam muitas essas horas. À mesa do Conselho, Álvaro Cunhal, ministro sem-pasta, tinha o costume de desenhar. A seu lado, sentava-se António Almeida Santos que observava com estupefação a facilidade e o prazer, bem visíveis, de Cunhal ao retratar figuras populares ao estilo neorrealista.

Um desses retratos, oferecido a Almeida Santos, é agora publicado pela primeira vez. (2)

Moral da história:

O desenho que Álvaro Cunhal fez, em 1974, durante o Conselho de Ministros e que no final ofereceu a António Almeida Santos, poderá representar uma camponesa serrana de Seia, onde os dois nasceram, respetivamente em 1913 e 1926.

A questão que se coloca é saber se desenhar ajuda a passar o tempo ou se, também, estimula o pensamento?

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com


(1) Notas publicadas por Helena Sanches Osório, em1988.
(2) Coleção particular do autor.