A Era das Vacinas (I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 6 setembro 2023

Em artigo anterior focaram-se tópicos sobre as vacinas que evitaram doenças e mortes de milhões de pessoas. Retoma-se o tema, mas agora centrado na evolução histórica.

Muitos especialistas consideram que apenas a cloração dos sistemas de abastecimento de água para consumo humano terá alcançado efeitos comparáveis em termos de prevenção de doenças.

Vacinação e potabilidade da água são, assim, pilares principais da Saúde Pública. A primeira deve-se ao médico inglês Edward Jenner quando, em 1796, comprovou o efeito protetor da inoculação da vaccinia em relação à varíola; já a desinfeção da água pelo cloro, introduzida desde 1918, preveniu doenças de transmissão hídrica como a poliomielite, hepatite A, diarreias, a cólera…

A Era das Vacinas tem ciclos que são balizados pelo tempo e pela natureza do seu fabrico, em função dos avanços científicos e tecnológicos. Como denominador comum têm que ser seguras. Não faria sentido que uma vacina para prevenir determinada doença viesse a estar na origem de um problema que antes não existia. Por isso, a primeira regra é a segurança.

1. A Primeira Vacina. A mãe de todas as vacinas.

A Era das Vacinas começou com a imunização em relação à varíola. Jenner observou que as pessoas que adquiriam lesões benignas na pele (erupção e vesículas localizadas), por mugirem vacas doentes, não adoeciam com varíola, mesmo durante os períodos epidémicos. Atribuiu essa proteção à presença das lesões cutâneas que as pessoas adquiriam por terem estado, antes, em contacto direto com vacas doentes. A constatação da relação entre a existências sinais das erupções cutâneas localizadas e a prevenção da varíola foi, na época, absolutamente genial.  Como não podia levar as vacas doentes para Londres, imaginou que a extração do líquido das vesiculas das vacas para ser, depois, inoculado na pele das pessoas, iria provocar a tal lesão que evitava a varíola. O método expandiu-se por todo o mundo. Em Lisboa, logo durante os primeiros anos do século XIX as vacas doentes estavam em estábulos a fim de facilitar a obtenção da preparação do material extraído das vesículas para depois ser inoculado em pessoas. Curiosamente, é a única vacina obtida a partir de um agente diferente do causador da doença-alvo que se pretende evitar. Isto é, a vacina que viria a erradicar a varíola, em 1980, foi conseguida de um vírus da doença das vacas e não da varíola. Aliás, a própria expressão VACINA refere-se à doença das VACAS (vacas doentes com vaccinia) que era propositadamente transmitida por escarificação a seres humanos na perspetiva de os proteger para a varíola.  Este processo, ao ter eliminado a circulação do vírus da varíola no Planeta, constituiu o maior êxito da História Medicina. Mas, só muitos anos depois da administração maciça da vacina antivariólica foi, cientificamente, demonstrado que o mecanismo de proteção induzido pelos anticorpos específicos contra a vaccinia previnem a varíola devido à imunidade cruzada assim gerada. Por outras palavras, as pessoas eram vacinadas contra a varíola através da administração do vírus causador de uma doença das vacas (vaccinia).

Por proposta de Pasteur, em homenagem a Jenner, qualquer imunização para prevenir uma doença passou a ser designada como vacinação, apesar de não recorrer à vaccinia.

Francisco George