Opinião Pessoal (XIV)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 13 março 2024

Tendo eu entrado na Faculdade de Medicina de Lisboa em 1966 e terminado o curso em 1973 (há mais de 50 anos!), compreende-se que para um médico de formação humanista seja muito penoso ver as imagens emitidas diariamente por todas as estações de televisão sobre a evolução dos acontecimentos em Gaza e na Ucrânia. Os horrores, refletidos pelas incessantes matanças de civis e combatentes, são ateados por governantes belicistas. Obstinados, recusam dialogar e negociar. Desconhecem a importância da diplomacia. Fazem Guerra. Inexplicavelmente, recusam construir Paz. Mandam avançar canhões, tanques e mísseis. Morte e destruição. Muito sofrimento.

Escrevo sobre este tema depois de ter visto um magnífico documentário produzido, em 2023, para a Netflix intitulado “Segunda Guerra Mundial: na Linha da Frente”. Os conteúdos dos seis episódios da minissérie espelham a sucessão, bem organizada, de imagens reais de arquivo, mas devidamente restauradas e coloridas com recurso às novas ferramentas tecnológicas. A narração está a cargo do ator inglês John Boyega que, para além de competente, é absolutamente imparcial. O impressionante realismo faz reviver o tempo de 1939-1945.

Admito que no fim fiquei abalado. Emocionado. Mas, igualmente, muito revoltado.

Para quem não conseguir ver toda a série, recomendo, pelo menos, o sexto episódio sobre as derradeiras semanas da Guerra, em 1945. Este último segmento começa com o cerco dos Aliados a Berlim, logo seguido da queda de Hitler quando o Exército Soviético ultrapassa as últimas defesas alemãs. O documentário termina com as imagens arrasadoras das duas bombas atómicas que os americanos lançaram sobre Hiroshima (6 agosto de 1945) e em Nagasaki, três dias depois.

As filmagens realizadas em Dachau devem ser vistas com redobrada atenção, apesar da intensa comoção que provocam, porque fazem perceber que a extrema desumanidade aconteceu na Alemanha. Existiu mesmo e há relativamente pouco tempo.

Estou consciente que a objetividade histórica dos acontecimentos relatados é motivo de perturbação para todas as pessoas. Todas, sublinho. Mas, também estou em crer que é preciso reviver essa época na perspetiva de ser gerada a ideia do “nunca mais”.

Em termos de ficção, gostaria de imaginar os nossos principais líderes do Ocidente a verem esse documentário. A seguir, iria também apreciar a reação de cada um deles. Vem este pensamento a propósito de ter sido anunciada a decisão da União Europeia em aumentar a produção de mais armas, mais munições e mais bombas.

Será que não percebem que os cenários da II Guerra não podem regressar?

Será que não percebem a grandeza da Paz?

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com