A Minha Tia com 111 anos (1)

Filha de Laura Correa e António Thomaz Conceição Silva, Suzana nasceu a 23 de abril de 1905.

Está, portanto, muito próxima dos 111 anos de idade.

O Pai (1869-1958), contemporâneo de Columbano e José Malhoa, foi um dos fundadores da Sociedade de Nacional e Belas Artes (1901). Dedicou-se à pintura clássica naturalista, à cerâmica e ao ensino das artes. Tem como principal amigo Albert George (1870-1940). Curiosamente, um filho e uma filha de Antonio Thomaz casam, respetivamente, com filha e filho de Albert George. Passam a ser a mesma família.

Aliás, a fotografia de 1953 traduz essa relação à mesa do Mestre Conceição Silva (no topo) na casa de Vila de Frades (Vidigueira). Suzana, a filha que agora caminha para os 111, está sentada à sua direita. Mais tarde, no fim do ano de 1961, esta mesma casa serviu de refúgio a Humberto Delgado durante o célebre Assalto a Beja.

Suzana estudou piano. No Conservatório foi aluna de Alexandre Rey Colaço. Tinha as pautas de Mozart como preferidas. Associava à beleza da música o seu estilo próprio. Induzia um requinte fantástico. Era um fascínio vê-la sentada ao piano a lançar pela sala os sons ímpares compostos por Wolfgang Amadeus. Era, todavia, a dança que mais a entusiasmava. A dança moderna das escolas de Isadora Duncan e depois de Martha Graham.

“Antepassada dela própria”, Suzana viveu a crise da Monarquia, o Regicídio, a fuga da Família de Bragança, a Rotunda, logo seguida pela Proclamação de Relvas na Varanda, esteve com António José de Almeida e Afonso Costa, viu partir os contingentes Portugueses em 1914-18, assistiu às duas ondas da grande epidemia da “Pneumónica”, ao assassinato de Sidónio, presenciou, depois, os regimentos de Gomes da Costa a implantarem pela força o “Estado Novo” (1926), sofreu com a proximidade da Guerra Civil de Espanha, amargurada, testemunhou a época marcada pela Ditadura Nacional, sentiu com desconfiança a “neutralidade” durante a II Guerra que não agradeceu a Salazar, considerou injusta a Guerra Colonial, exaltou a coragem de Humberto Delgado, não confiou na abertura de Marcelo, aplaudiu a Madrugada de Abril, louvou os sucessivos Governos Provisórios, observou a aprovação da Constituição de 1976, tal como a adesão ao Tratado da nova Europa, percebeu as crises financeiras e sociais e não terá apreciado as intervenções estrangeiras das finanças. Agora, tudo indica, tem esperança renovada.

Suzana reside, ainda, na Casa que seu Pai tinha alugado à Rua da Escola Politécnica, bem perto do Largo do Rato. Um espaçoso atelier assinala o ambiente de Belas Artes que marca a sua vida. Sala de trabalho, primeiro do Mestre, por ali, depois, passaram Sá Nogueira, Jorge Vieira, Daciano Costa, António Sena da Silva e tantos outros.

Atualmente, prestes a completar 111 anos de idade, Suzana permanece na casa de sempre, recebe uma pensão do Estado de 400 euros mensais.

Diminuída, naturalmente, devido a idade muito avançada, Suzana já não toca as teclas do seu piano. Já não dança. Mas mantém a relação de afeto com a Filha. No dia 23 de abril completará 111 anos de vida. Será, então, uma das 8 mulheres com mais idade em Portugal. Que capicua! Que classe! Que orgulho para sua Filha, antes de mais, mas, também, para todos. A beleza dos acordes da música. A vida.

Francisco George
Janeiro, 2016

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(1) Publicado no jornal “Público” de 10/02/2016

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