Frederico George (1915-1994) – Tio & Homem de Belas Artes

Irmão muito próximo de meu Pai, Frederico George nasceu em 1915 na casa de Campo de Ourique no número 75 da Rua Coelho da Rocha. Foi o último filho de meus avós Albert e Joaquina. Antes dele tinham nascido Helena, Alberto, Elizabeth, Ema e Carlos.

Frederico, como professor da Faculdade de Arquitetura aposentara-se em 1985. Desde então, minha Tia Margarida (Maya, como todos a conheciam) costumava insistir com meu Tio para viajarem a fim de poderem passar temporadas em ambientes exóticos. Quanto mais longínquo fosse o país, maior era esse prazer. Ora, nesse tempo, como os sobrinhos viviam nos trópicos, o itinerário da deslocação era mais fácil e dispensava hotéis. Assim sucedia e ainda bem. Foi muito bom para todos nós.

Juntos, percorremos a Guiné-Bissau, incluindo Bijagós, a Gâmbia, o Senegal e, depois, o Zimbabué.

Havia tempo para prolongadas conversas, sempre em redor dos mesmos temas, em especial agradavam-me as múltiplas explicações pormenorizadas sobre a nossa família inglesa, sobre arte e arquitetura. Eu, em geral, sentia muito prazer em ouvir respostas às perguntas que formulava, tal como gostava de ouvir a sua opinião sobre os mais diversos assuntos culturais.

Frederico George não gostava de falar de política. Para ele a democracia era natural. Relatava o funcionamento do sistema político em Inglaterra com notável orgulho. Tinha vivido em Londres, com seu irmão Alberto, pouco antes dos grandes bombardeamentos nazis. Detestava ditaduras.

Uma vez contou-me que tinha estado por alguns minutos com António Oliveira Salazar numa visita discreta que decidira fazer para verificar os trabalhos preparatórios da Exposição do Mundo Português, em 1940. Foi nesse dia que encontrou Salazar. Meu Tio Frederico, pacientemente, relatou ao Presidente do Conselho os detalhes dos painéis que estava a pintar. No final do esclarecimento, cumprimentaram-se sem calor nem elogios. Nada mais do que isso em ambiente frio e distante.

Lidei sempre muito de perto com meu Tio e meus primos Elsa e Pedro, mas foi só quando ele viajava para nossa casa em África, depois da sua aposentação, que fiquei a conhecê-lo verdadeiramente. Passei a perceber e a admirar a sua serenidade, a paciência, o gosto que demonstrava ter pelo ensino, a delicadeza dos seus gestos e, no fundo, a sua imensa classe. Falava muito sobre seus mestres, seus pares e dos seus alunos. Dedicara a sua vida a ensinar, a pintar e conceber projetos de arquitetura.

Frederico casara duas vezes. A primeira com Maria Luiza Conceição Silva, filha do Mestre pintor António Tomás Conceição Silva e a segunda com Maria Margarida, viúva de Fernando Mascarenhas, Marquês de Fronteira.

Por essa razão, internamente, entre família, a Tia Maya era, com carinho, tratada por “MARQUESA”. Não só não se importava, como até exibia um certo orgulho com tal tratamento, mesmo que dito em tom de gracejo.

Quando me perguntam como era meu Tio na intimidade, respondo sempre que era um artista e que como poucos, sentia as cores das plantas que, para ele, representavam um fascínio: as folhas, o porte das árvores e arvoredos, as cores das pétalas ou dos frutos. Tudo isso o encantava. Tudo isso era transcrito para a tela com imensa imperturbabilidade e rapidez porque trazia com ele uma maleta de madeira com pinceis e tintas. Sentava-se, acomodava-se e começava a pintar na explanada, no jardim ou na varanda. Produzia imenso. Em poucos minutos desenhava, primeiro a lápis e depois com pincel compunha o colorido que o impressionava mais (por vezes uma só pétala no meio de verdes de diferentes tons).

Aquela expressão artística traduzida pelo gosto em pintar de meu Tio, contrastava com a ausência de qualquer sensibilidade para as artes de meu Pai. Se bem que irmãos muito chegados em idade e em companheirismo, meu Pai era muito diferente. Não tinha qualquer aptidão para as Belas Artes. Quando eu colocava essa questão, para tentar perceber a génese de pessoas tão diferentes, sendo irmãos, meu Tio respondia-me que como era o mais novo costumava acompanhar seu Pai a visitar as exposições, enquanto meu Pai ficava em casa a estudar os livros de medicina. Era desta forma que explicava o seu gift e a admiração que tinha pelo irmão. Aliás, passavam a vida a dizer bem um do outro: Frederico nas Belas Artes e Carlos nos Hospitais Civis de Lisboa. Diria antes, uma questão de orgulho recíproco.

Lisboa, outubro 2017

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