No princípio do outono de 1976 iniciei os meus trabalhos como Delegado de Saúde no Concelho de Cuba. Anos inesquecíveis no Baixo Alentejo.
Portugal acabara de se libertar da Ditadura e de atravessar o período de governos provisórios. A Constituição da República, aprovada nesse ano, abriu uma época de esperança para todos e transmitiu novas energias.
Foi neste quadro que uma pequena equipa do então Centro de Saúde, provisoriamente instalado na Casa do Povo, lançou-se ao trabalho com ânimo redobrado e com a participação de cidadãos e famílias.
Uma das primeiras prioridades identificadas foi a necessidade de melhorar o abastecimento de água, quer na Vila quer nas sedes de freguesia ou, ainda, nos montes periféricos. A principal preocupação era promover a melhoria das frágeis infraestruturas de saneamento na perspetiva de cuidar da Saúde Pública e da preservação da qualidade do meio ambiente.
Para além da água potável, a ideia era reduzir a desordem na eliminação e no destino final de resíduos com a colaboração dos serviços da Câmara Municipal. Na altura, o Senhor Abrantes era o Presidente da Comissão Administrativa e logo assegurou o apoio possível. Mas, os recursos eram muito limitados e manifestamente insuficientes.
Era tempo de Cólera. Portugal estava confrontado com atividade epidémica de Cólera. Era, pois, preciso garantir a qualidade da água destinada ao consumo humano. Garrafas com solução de hipoclorito tinham sido enviadas pela Direção-Geral da Saúde. Também era preciso preparar os potes para serem cheios com “cloreto das lavadeiras” e, a seguir, mergulhados no fundo dos poços a fim de o cloro passar através das porosidades da cerâmica. Para tal, a localização dos poços em todo o espaço do Concelho fora assinalada em mapas militares.
A concretização do plano de luta contra a Cólera exigia a distribuição das garrafas com a solução de hipoclorito e a colocação dos potes na água dos poços.
Nestes trabalhos, relembro a importância desempenhada pelo Agente Sanitário do Centro de Saúde.
Um dia, depois de almoço “à do Jacinto” procurou-me. Estava ele em cima da motocicleta:
– Ó Doutor, monte a “cavalo” aqui atrás! Vamos a Albergaria dos Fusos aconselhar os habitantes a utilizarem as garrafas e a seguir colocar um pote a São Matias! Ora venha também, insistiu.
Olhei para ele desconfiado. Tirei as medidas ao banco da motocicleta e respondi-lhe:
– Porque não? Vamos! Cuidado com as curvas!
Francisco George
Setembro 2017