Vacinar & Proteger (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” de 24 dezembro 2021

Em Portugal, tal como sucede em outros Estados Membros da União Europeia, a introdução de uma nova vacina impõe imenso rigor quer pela própria Indústria Farmacêutica quer pelas Entidades Reguladoras.  Exatidão como primeira regra. Segurança absoluta. Compreende-se que assim seja visto que a vacina tem como fim prevenir doenças em pessoas sem essa doença. Não faria qualquer sentido que eventuais efeitos secundários colocassem em risco a saúde de quem é vacinado. Por isso, a demonstração da eficácia e segurança das vacinas é ainda mais exigente do que a necessária para autorizar a colocação no mercado de novos medicamentos. São competências exclusivas da agência europeia do medicamento (EMA) e, a nível nacional do INFARMED.

Neste âmbito, importa conhecer e, sobretudo, entender os resultados dos estudos de risco-benefício, na perspetiva de serem socialmente aceites. Para tal, terão que ser apresentados publicamente de forma simples. Em síntese, bem descritos e de modo acessível à generalidade da população. A este respeito, realce-se que a comunicação deve ser rápida e consistente, emitida por fonte geradora de credibilidade inquestionável.

Recentemente, a propósito da vacinação contra a Covid-19, em geral e em particular em crianças com idades entre os 5-12 anos, esses princípios não foram inteiramente observados. Comentadores políticos e líderes de partidos, nesta matéria, nem sempre respeitaram o interesse público ao colocarem em dúvida a fundamentação à tomada de decisão. Algumas vezes falam do que não percebem e com manifesta falta de isenção em prejuízo para a Saúde Pública. Juntam ignorância à demagogia que, por falta de coerência científica, podem originar hesitações aos pais e mães sobre a importância da vacinação dos filhos. Quase se instalou um clima de incerteza.

A comunicação sobre assuntos relacionados com a saúde deve ser precisa e cuidada. Deve ter como finalidade elucidar a população sobre os benefícios em vacinar crianças, uma vez que são muito superiores aos riscos.

O exemplo da balança de dois pratos ajuda a clarificar a metodologia da análise risco-benefício sobre a bónus em vacinar o grupo etário 5-12. Num prato, enumeram-se (calculam-se) os riscos que os ensaios clínicos evidenciaram e no outro o conjunto dos benefícios que a vacinação assegura. Aqueles demostraram ser irrelevantes quando comparados com os ganhos traduzidos pela redução de doença, de hospitalizações e de casos graves que, a somar aos resultados pedagógicos e psico-sociais, colocam a decisão indiscutível pelos benefícios que a vacinação garante. Aliás, não seria sensato deixar de proteger 640 mil crianças e facilitar, assim, a circulação do vírus num grupo populacional sem defesas.

Como se escreveu em texto anterior, a vacinação protege, visto que previne casos graves de Covid-19, reduz a probabilidade de morte causada pela doença, para além de outros benefícios para as crianças, em particular nos planos emocional e escolar.

Se o vírus muda, a vacina terá também que mudar. É isso mesmo que sucede com o vírus da gripe e com a respetiva vacina que nunca é igual à do ano anterior, uma vez que tem composição diferente todos os anos (a atividade gripal está associada às semanas frias do ano em cada Hemisfério).

Como o coronavírus não tem essa característica tão dependente da sazonalidade, a questão da vacina para a Covid-19 poderá estar adaptada às sucessivas mutações que ocorrem de forma imprevisível e não relacionadas com a estação do ano.

Adaptar a vacina às variantes será o rumo a seguir.

Uma, duas, três, quatro, n doses necessárias para assegurar proteção, desde que essa necessidade seja ditada por razões estrita e comprovadamente científicas.

Francisco George
Ex Director-Geral da Saúde
Dezembro 2021