Diretora-Geral da Saúde, Hoje e Amanhã

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 02 março 2022

Desempenhar o cargo de Diretora-Geral da Saúde não é fácil. Antes de tudo devido a uma estranha sensação de responsabilidade que está sempre presente, mas difícil de explicitar. Também, porque essa responsabilidade está associada à emoção que resulta dos compromissos assumidos com a própria História do exercício do cargo.

Foi durante a Grande Epidemia de Peste do Porto, ocorrida no Verão de 1899, que o governo de José Luciano de Castro, no reinado de Carlos de Bragança, decidiu criar a Direção-Geral e nomear como primeiro Diretor-Geral João Ferraz de Macedo (1838-1907), com a incumbência precisa de preparar Lisboa para o eventual abalo que seria provocado pela epidemia de peste. Na altura, na Corte, admitia-se a possibilidade da propagação à Capital da doença que eclodira na Rua da Fonte Taurina, junto à foz do Douro. Problema que, no entanto, não se verificou, porque o então delegado de saúde do Porto, Ricardo Jorge (1858-1939), promoveu um cordão sanitário para cercar a Cidade de forma a impedir a exportação da doença para outras regiões do País. O sucesso do controlo da peste bubónica do Porto foi conseguido, apesar de alguns casos esporádicos terem ocorrido fora da cerca.

Mais tarde, logo a seguir à Proclamação da República, o médico António José de Almeida, então ministro do Governo Provisório[1],  nomeou Ricardo Jorge como Diretor-Geral de Saúde.

Prosseguiu a reorganização dos serviços de saúde pública, antes iniciada por Ricardo Jorge, que criara o Instituto Central de Higiene para desenvolver as pesquisas em bacteriologia, virologia e parasitologia, consideradas absolutamente indispensáveis em Saúde Pública.

Na Pandemia de 1918 foi, novamente, Ricardo Jorge a conduzir as frentes de prevenção e controlo no confronto com as sucessivas ondas da Gripe Pneumónica.

Em 1927, um ano antes de se aposentar, foi também ele que instituiu a obrigatoriedade de declaração médica para determinadas doenças como a varíola, escarlatina, difteria, febre tifoide, tifo exantemático, meningite, peste, cólera e a febre amarela. Com esta medida, fundou a primeira lista de doenças de notificação obrigatória para fins de vigilância epidemiológica. Um avanço extraordinário que conseguiu introduzir.

Ao longo dos anos, antes e depois da Revolução de 1974, sempre sob liderança do Diretor-Geral da Saúde, Portugal viria a resolver múltiplos problemas preocupantes que representaram ameaças à Saúde Pública como o paludismo, gripe Asiática, diarreias agudas, tuberculose, cólera, SIDA, além de muitas outras doenças infectocontagiosas.

O exercício do cargo de Diretor-Geral da Saúde pelos seus titulares tem demonstrado a importância de os mandatos não serem coincidentes com cada legislatura. Desta forma, não se verifica qualquer associação entre a nomeação do Diretor-Geral e a mudança de governo. Assim sucedeu, por exemplo, com Ricardo Jorge que, como se descreveu acima, se destacou ainda na Monarquia e que, já como Diretor-Geral, transpôs o período da I República para o Estado Novo. Arnaldo Sampaio, igualmente, manteve-se no posto antes e a seguir a Abril de 1974.

Assim tem acontecido, em termos históricos. Assim deve continuar a acontecer em nome da independência exigível para o desempenho de cargos públicos desta natureza.

Francisco George
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[1] Mais tarde seria Presidente da República entre 1919-1923.