Opinião Pessoal (XIX)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 17 abril 2024

A proximidade ao dia 25 de Abril faz-me reviver lembranças com emoção. Essas memórias interpretam eventos passados que agora originam sentimentos mistos de alegria e amargura.

Então, aconteceram muitos triunfos, mas, também, alguns fracassos. Mas, no conjunto, foi excelente.

A verdade inquestionável traduz-se no imenso júbilo que a Liberdade espontaneamente despertou. Uma enorme explosão nacional de contentamento a refletir a esperança de uma vida melhor. Mais prosperidade coletiva.

Por outro lado, passado tanto tempo, olhar para trás para recordar os últimos 50 anos, produz a ideia que o resultado final podia ter sido mais perfeito, uma vez que a esperança erguida em 1974 não foi inteiramente concretizada.

Na minha visão pessoal, tentarei explicitar algumas reflexões a esse propósito.

Em primeiro lugar, reconheço como positiva a forma como foram alcançadas tantas metas pelos sucessivos governos provisórios que, afinal, cumpriram o Programa do MFA. Apesar da instabilidade política vivida nos dois primeiros anos, espelhada pela nomeação de dois presidentes, três primeiros-ministros e seis governos provisórios, foi possível construir o regime democrático, promover a Independência das colónias Africanas, eleger livremente deputados à Assembleia Constituinte e assegurar a entrada em vigor de nova Constituição de 1976, logo seguida pela eleição de novo Presidente da República por sufrágio direto e universal.

Foram apenas dois anos. Um período curto, mas simultaneamente fascinante que exigia estar sempre a ouvir os noticiários pelos transístores portáteis. Os acontecimentos que se sucediam de hora a hora eram, muitas vezes, quase tão quentes como brasas (11 de Março e Verão de 1975), mas a entrada no regime constitucional foi pacífica.

Desde a aprovação da Constituição e até hoje, multiplicaram-se 24 governos constitucionais, quase sempre formados ou pelo Partido Socialista ou pelo Partido Social Democrata. É certo que o país mudou. Portugal é outro. Mais moderno. Mais europeu.

Mas, apesar dos avanços económicos e políticos indiscutíveis, persistem problemas por resolver na dimensão social. O mais importante e ao mesmo tempo o mais intolerável é a pobreza. Porém, há outros setores que, em 2024, continuam a apresentar circunstâncias preocupantes.

Refiro-me à Saúde, à Escola Pública, à Habitação e à Justiça.

Preciso.

A agudização da crise do Serviço Nacional de Saúde no período pós-pandemia.

A Educação a viver tempos difíceis, incluindo a falta de professores e a interrogação sobre a qualidade do ensino.

A reconhecida dificuldade que grande parte da população tem em pagar rendas de casa ou as prestações referentes a empréstimos bancários, sem esquecer a situação das famílias mais pobres retratada pela impossibilidade de consumirem a energia necessária.

As demoras inexplicáveis da Justiça que parece estar concebida em dois sistemas: um para ricos e outro para pobres.

Como é possível explicar tantas falhas?

A reflexão séria sobre estas questões e a assunção de erros cometidos por determinados governantes seria um exercício de indiscutível oportunidade. Só assim será possível voltar a acreditar. Regressar à época da esperança e da confiança no nosso modelo político democrático.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com