A Futura Lei para as Epidemias

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 18 maio 2022

Ultimamente voltou-se a debater a questão sobre a constitucionalidade da imposição do confinamento obrigatório por razões de controlo de epidemias. Este assunto regressou à agenda pública a propósito do Anteprojeto de Lei de Proteção em Emergência de Saúde Pública, recentemente divulgado pelo Gabinete do Primeiro Ministro. Ainda bem que assim acontece. Agora é possível equacionar o problema de uma forma participativa, aberta e responsável.

Aliás, por isso mesmo, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa já anunciou que antes da promulgação, a nova Lei será enviada para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional, a fim de se pronunciar sobre as medidas aí previstas e decidir se estão de acordo, ou não, com o articulado da Constituição da República.

Sobre o mesmo assunto, em declarações à TSF, Jorge Reis Novais, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, apontou a oportunidade, se necessário, em rever “cirurgicamente” o texto constitucional. A ideia é aprovar a futura Lei “limpa”, na perspetiva constitucional. Portanto, sem inconstitucionalidade alguma.

Tema que tem que ser encarado frontalmente, apesar de se reconhecer o melindre que sempre existiu para admitir situações de elevado risco para a Saúde Pública. Imagine-se um doente infetado com Ébola, recém-chegado a Portugal. Imagine-se, também, a identificação laboratorial de nova estirpe do coronavírus de rápida propagação. O que fazer?

Ora, a alínea h), do número 3, do artigo 27º da Constituição, claramente, estipula que “a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar” apenas é possível para permitir o “internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.”

A estreiteza da sua letra faz desta regra constitucional uma barreira ao controlo da propagação de doenças infectocontagiosas, quer em casos esporádicos quer em epidemias.

Nestes termos, a nova Lei não poderá prever medidas para interromper cadeias de transmissão de determinada doença contagiosa como o confinamento, por exemplo.

O respeito pela constitucionalidade das ações que serão preconizadas pela futura Lei teria que implicar a declaração de Estado de Emergência para possibilitar o confinamento de cidadãos com carater obrigatório, quarentena e até o internamento compulsivo de doentes portadores de doença infeciosa. Como, justamente, sucedeu na Primavera de 2020.

A outra hipótese, seria decidir pela revisão da Constituição, nomeadamente do número 3 do artigo 27º da Constituição que, hipoteticamente, poderia, ter nova alínea com a seguinte redação: a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, pode contemplar situações  para permitir a eliminação de risco de transmissão de doença infectocontagiosa com expressão epidémica e o internamento de portador de doença infectocontagiosa…

Se assim fosse acordado, então nada haveria a duvidar da redação do Anteprojeto: “a autoridade de saúde pode determinar o isolamento no domicílio, em local adequado de alojamento, estabelecimento de saúde ou estrutura de acolhimento e apoio, por um período que não ultrapasse 14 dias, com a finalidade de afastar o risco para a saúde pública, de pessoa afetada por doença que fundamenta a declaração de emergência de saúde pública.”

Francisco George
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