Uso Racional de Medicamentos (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 13 julho 2022

Tratar e curar doenças terá sido, desde sempre, uma preocupação principal em todas as comunidades humanas, mesmo nas chamadas sociedades primitivas.

Porém, são recentes os efeitos positivos dos medicamentos, traduzidos pela redução da morte associada à doença e pelo prolongamento da esperança em viver.

Sobre o tema, a Escola Superior de Saúde do Politécnico da Guarda organizou um seminário científico sobre o uso racional de medicamentos. Encontro muito oportuno. Debateu-se a importância da preservação dos antibióticos. Considerou-se indispensável promover a literacia sobre o assunto, nomeadamente nos programas escolares de todos os níveis. Uma exigência, em nome do interesse público.

Foram as grandes descobertas da farmacologia do Século XX que impulsionaram decisivos avanços da Medicina quer em terapêutica quer em prevenção. A vida de crianças, mulheres e homens, em todas as idades, passou a ser diferente. Antes de tudo, muito mais longa. Mais saudável. Mais produtiva. Mais próspera. Mais segura. Mais confiante, também.

Além dos antibióticos, dois exemplos permitem imaginar a insegurança anterior ao ano indicado:

1921, ano da descoberta da insulina.  Tudo se passou na Universidade de Toronto. O Serviço Universitário tinha como professor titular, John Macleod (1876-1935), que promoveu a constituição de uma pequena equipa em ambiente que viria a ser mirabolante (mas com final feliz). Macleod decidiu atribuir um espaço e recursos ao cirurgião Frederick Banting (1891-1941), a fim de poder conduzir pesquisas sobre o funcionamento do pâncreas. Para tal, também autorizou que o jovem recém-bacharel, Charles Best (1899-1978)[1], fosse apoiar Banting. Permitiu, ainda, a cedência de cães para experimentação.

Ora, foram os dois, Banting e Best, que, pela primeira vez, descobriram que os extratos da substância que isolaram dos ilhéus do pâncreas, depois de injetada, fazia baixar o açúcar no sangue de um cão diabético. Pouco depois, foi o jovem diabético, Leonard (14 anos), o primeiro doente a receber insulina[2]. Que vitória!

Logo a seguir, contaram com a colaboração de James Collip (1892-1965), especialista em bioquímica, para melhorar o processo de obtenção da insulina.

Em 1923, a atribuição do Prémio Nobel, apenas a Macleod e Banting, viria a aumentar a disputa de protagonismo entre eles devido à exclusão de Best e Collip.

1960 fica na história como o ano da aprovação da pílula anticoncecional que foi preparada, entre outros, pelo biólogo norte-americano Gregory Pincus (1903-1967). O novo método, baseado na inibição hormonal da ovulação, mas com manutenção da menstruação, foi um êxito. Um bem para a Humanidade, ao separar o sexo e a conceção. Libertação. Revolução.

A primeira pílula, autorizada nos EUA, foi a “Enovid”. Assinale-se, como bom exemplo de filantropia, que as investigações médicas foram financiadas pela milionária Katharine McCormick (1875-1967). Depois multiplicaram-se outras pílulas de composição ainda mais segura. Apesar da resistência da Igreja Católica a grande maioria das mulheres em idade fértil aderiu com entusiamo à pílula como método racional de planeamento da família.

Moral: usar, sempre, todos os medicamentos de forma racional.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com


[1] Charles Best foi escolhido ao acaso entre três candidatos…

[2] Assim batizada porque é proveniente dos ilhéus do pâncreas.