Uso Racional de Medicamentos[I]

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 06 julho 2022

Em Medicina, a utilização eficaz, cientificamente comprovada, de medicamentos para tratamento ou prevenção de doenças é relativamente recente.

Com exceção da vacina antivariólica, a preparação do primeiro medicamento, ainda hoje com indicações para ser receitado, foi a morfina (1805).

Já a história da famosa “Aspirina”, se bem que mais recente, é muito interessante. Começou a ser utilizada há 125 anos com composição idêntica à atual. A sua síntese remonta a 1897[2] e desde então foi comercializada pela Bayer com o apoio de uma inovadora campanha de marketing, para a época. A par de ser um excelente fármaco, a “Aspirina” é o medicamento mais consumido em todo o mundo. A descoberta do seu mecanismo de ação deve-se ao farmacêutico inglês John Vane (1927-2004) que, em 1982, recebeu o Prémio Nobel da Medicina por ter contribuído para a compreensão dos seus efeitos analgésico e anti-inflamatórios, incluindo os benefícios obtidos pelo seu uso regular na prevenção de enfartes do coração e de acidentes vasculares cerebrais.

Tanto a simples “Aspirina” como todos os medicamentos impõem uso racional. Criterioso. Se assim não suceder podem sobrevir danos colaterais, não só para o próprio consumidor, como para a comunidade.

Precise-se.

Antes de tudo, o exemplo dos antibióticos.

Como se sabe, a penicilina foi descoberta pelo médico escocês Alexander Fleming (1881-1955)[3] em 1928. Mas, só foi introduzida no mercado a partir de 1941 para a terapêutica de determinadas doenças de natureza bacteriana. Logo depois surgiram os seus derivados como a ampicilina, entre outros. A Indústria Farmacêutica conquistara novas fronteiras. Um sucesso. Acreditou-se em futuro livre de infeções provocadas por bactérias.

Um sonho de curta duração.

Curta duração porque, inesperadamente e depressa, verificou-se que os antibióticos deixariam de ser eficazes à medida que as bactérias passavam a adquirir alterações do respetivo património genético. Transformavam-se, assim, em bactérias, agentes das mesmas doenças, mas resistentes aos antibióticos. Intratáveis. Surgem dificuldades preocupantes no tratamento da tuberculose e de doenças antes curáveis. Infeções hospitalares e outras também associadas aos cuidados de saúde, resistentes aos antibióticos.

Ainda, os medicamentos antivirais, introduzidos mais recentemente para tratamento de doenças provocadas por vírus, enfrentam problemas de resistência, como ocorreu com a gripe em relação ao oseltamivir, por exemplo.

Igualmente, os medicamentos contra o paludismo, como a cloroquina (aprovada para terapêutica e profilaxia desde 1947) antes do final do Século já não tinha indicação devido à vasta propagação da resistência desenvolvida pelos protozoários causadores do paludismo.

Moral:

As bactérias mudam, uma vez resistentes irão transmitir a resistência a novas gerações de bactérias. As pessoas que adquirirem uma infeção provocada por bactéria resistente a certo antibiótico, mesmo que nunca tenham tomado esse antibiótico, o tratamento será ineficaz.

Os antibióticos devem ter uso racional em clínica, veterinária ou zootecnia!

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com


[1] Tema do Encontro recente promovido pelo Instituto Politécnico da Guarda.

[2] Foi o químico alemão Hoffmann (1868-1946) que sintetizou a “Aspirina” que viria a ser o primeiro medicamento apresentado sob a forma de comprimido.

[3] Recebeu o Premio Nobel em 1945.