Relatos Incompletos dos Anos 60 (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 23 novembro 2022

Como, aqui, já se viu, António Oliveira Salazar começou os anos 60 atormentado.  Mesmo muito amargurado. As suas angústias intensificam-se ao ter sabido, no dia 19 de dezembro de 1961, que o governador Vassalo e Silva assinou a rendição incondicional das Forças Armadas Portuguesas, desobedecendo às suas ordens. Seguiu-se, imediatamente, a reintegração dos territórios de Goa, Damão e Diu na Índia. Nos meios políticos e diplomáticos internacionais houve manifestações de aprovação e simpatia a Nehru, quase unânimes, incluindo por parte dos chamados “aliados ocidentais” de Portugal. Nehru, colocou, assim, fim a 450 anos de presença de Portugal na Índia e conseguiu isolar Salazar.

Passados apenas 13 dias, acontece o assalto ao Quartel de Infantaria 3, de Beja, realizado por Humberto Delgado e Varela Gomes. Foi outro imenso abalo para o regime logo às primeiras horas do Ano Novo de 1962. Delgado fica em Vila de Frades, escondido pelo seu amigo José Luís Conceição Silva, à espera de informações provenientes de Beja. Ao mesmo tempo, Varela Gomes, à frente de um grupo de civis, assalta o Regimento. No final da troca de tiros, Varela cai ferido e a operação fracassa. Insucesso para a Oposição, só compensado pela propaganda internacional dos acontecimentos mencionados pela Imprensa de todo o mundo.

Nesse mesmo ano, surgem os movimentos de libertação em Angola, Moçambique e Guiné. Salazar promove a célebre resposta “para Angola, rapidamente e em força” para tentar manter o Império. Para tal, manda mobilizar tropas para as colónias. Cada vez mais solitário no plano internacional, insiste em enviar soldados portugueses lutarem contra a História. Testemunha, incomodado, a independências de novos estados africanos, quer anglófonos quer francófonos, nomeadamente: Gana logo em 1957; Guiné Francesa em 1958; Senegal em 1960; Mali em 1960; Congo em 1960; Gabão em 1960; Nigéria em 1960; Mauritânia em 1960; Níger em 1960; Costa do Marfim em 1960; Camarões em 1960; Togo em 1960; Benim em 1960; Tanzânia em 1961; Serra Leoa em 1961; Quénia em 1963; Zâmbia em 1964… Afinal, nessa época, a França era governada pelo presidente Charles de Gaulle e a Inglaterra pelo primeiro-ministro Macmillan, ambos conservadores, que conduziram a descolonização com tranquilidade. Que diferença!

Este cenário de sucessivas independências, em catadupa, conduz Salazar a procurar apoios nos regimes de apartheid de minoria branca da Rodésia e da Africa do Sul.

Para além da política, os anos 60 eram vividos, igualmente, com poesia, em especial pela juventude. Era o tempo das festas e bailes nas sociedades recreativas, nos salões dos bombeiros ou nas garagens das famílias abastadas. A música dominante era francesa com as vozes de Reggiani, Aznavour, Yves Montand, Brel, Françoise Hardy e Sylvie Vartan. Todavia, no mesmo período, irrompem com grande esplendor, sobretudo entre jovens, as bandas de rock britânicas dos Beatles, dos Rolling Stones e, depois, The Animals que interpretam a famosa adaptação House of the Rising Sun, que foi cantada ao vivo, em Lisboa, no Monumental, por iniciativa de Vasco Morgado.

Todos com enormes sucessos, traduzidos pelas vendas de discos, impulsionadas pelas constantes emissões das estações de rádio.

Moral da história:

Nem sempre, os países aliados apoiam políticas contra a História…

Francisco George
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