O Tempo da Saúde Pública (I)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 4 outubro 2023

Atualmente, sobretudo depois da Pandemia de Covid-19, todos se pronunciam sobre a importância da Saúde Pública.  É bom que assim aconteça.

Por isso, considera-se oportuno dedicar as crónicas seguintes à própria Saúde Pública. Interpretar-se-ão as suas fontes e os principais conceitos que a fundamentam. As exposições serão, necessariamente, resumidas em palavras simples e claras.

Precise-se.

Cada pessoa está inserida na própria família e na comunidade onde reside ou trabalha, rodeada pelos respetivos ambientes. Ora, é precisamente esse conjunto que interessa à Saúde Pública. Tanto os membros que compõem o núcleo familiar (frequentemente constituído por três gerações), como as condições de vida em todas as suas dimensões, incluindo alimentação, emprego, rendimentos e habitação. Assim, a saúde do Povo, como noção social e em oposição a individual, resulta do bem-estar das famílias.

A ideia de Saúde Pública começou em meados do século XIX. Na altura surgiram eventos que estimularam a formatação do pensamento coletivo no sentido do direito à proteção da saúde a nível de comunidades e dos aglomerados populacionais, quer rurais quer urbanos.

Apontam-se, a seguir, os acontecimentos que assinalaram o começo da ideia de saúde focada na população:

1º O primeiro terá sido a Grande Fome na Irlanda de 1845-1849 provocada pela praga de um fungo que destruiu as plantações de batata, uma vez que a batata era a base alimentar da população. Motivou fome generalizada, doença, morte e emigração massiva, em particular para os Estados Unidos da América e para o Canadá. A crise constituiu um forte abalo social, traduzido pela redução de cerca de um quarto da população, durante aquele período. O irlandês Patrick Kennedy (1823-1858) foi, certamente, o mais célebre dos emigrantes ao ter iniciado a famosa dinastia de políticos democráticos nos Estados Unidos.

Foi nesse cenário de crise da população rural marcada pela pobreza-fome-doença que nasceu o desígnio de proteger a saúde das pessoas na perspetiva social. Coletiva. Comunitária.

2º Em Inglaterra, as condições de trabalho dos operários, em meio urbano, eram insalubres e geradoras de doença. Em 1845, Friedrich Engels descreveu pormenorizadamente a situação dos trabalhadores das empresas industriais de têxtil, no seguimento da sua estadia em Manchester. A sua obra documenta a necessidade inadiável de reformas destinadas a promover a saúde dos trabalhadores e das suas famílias no intuito da prosperidade.

3º A epidemia de tifo que ocorreu de entre os trabalhadores das minas de carvão da Alta Silésia (na Polónia) foi analisada pelo médico alemão Rudolf Virchow que concluiu pela necessidade de aumentar os salários dos mineiros a fim de controlar a epidemia. Só dessa forma seria possível elevar as condições de higiene dos doentes. Note-se que o tifo é uma doença transmitida por piolhos infetados pelo micróbio patogénico que está na sua origem. Fazer sair as pessoas da imensa pobreza onde estavam mergulhadas devido aos baixos salários era a solução indicada por Virchow, justamente considerado o fundador da Medicina Social.

Nota final: Atualmente, em muitos restaurantes irlandeses, as refeições servidas são acompanhadas de batatas cozinhadas de três maneiras diferentes como forma de homenagem às vítimas da Grande Fome de 1845.

(continua na quarta-feira)

Francisco George
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