O Tempo da Saúde Pública (II)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 11 outubro 2023

Na semana anterior enumeraram-se três eventos ocorridos no século XIX que chamaram a atenção para a necessidade dos governantes tudo fazerem no sentido da proteção da saúde das populações. Hoje, continuar-se-á esse mesmo tema, com a menção de outros quatro acontecimentos da mesma época, igualmente marcantes e que também contribuíram para assinalar o começo do Tempo da Saúde Pública.

4º Em Inglaterra, em 1848, em plena era da rainha Victória, durante o governo liberal de Lorde John Russel foi aprovada a primeira Lei de Saúde Pública (designada como Public Health Act) que estabeleceu a coordenação nacional da saúde simultaneamente com a adoção do regime laboral de 10 horas diárias de trabalho para os operários da indústria. A Lei, representou, na altura, um importante avanço na perspetiva da promoção e conservação da saúde, sobretudo dos mais pobres. 

5º Em Londres, durante as epidemias de cólera de 1848-1849, o médico John Snow, demonstrou que a doença tinha transmissão hídrica ao mesmo tempo que propôs um novo método de pesquisa baseado na informação geográfica referente à residência dos doentes e dos óbitos com critérios clínicos correspondentes à doença em investigação. O método de Snow para descobrir a origem das doenças fez erguer a Epidemiologia como nova disciplina fundamental em Saúde Pública.

6º Nessa altura, as epidemias devidas a doenças infectocontagiosas constituíam a causa principal de doença e de morte. Para além da tuberculose, a cólera, varíola, a febre amarela e o tifo adquiriam especial gravidade. Os médicos de então admitiam que muitas das epidemias eram importadas por via marítima nas cidades portuárias. Por isso, na tentativa de impedirem a sua ocorrência e propagação foram criados postos destinados à quarentena de tripulantes e viajantes. Em Portugal, eram designados como “lazaretos”. O mais célebre era na margem Sul do Tejo, ao Porto Brandão, onde Rafael Bordalo Pinheiro esteve internado quando chegou a Lisboa de uma viagem vindo do Brasil, tendo escrito um interessante livro sobre a sua forçada privação de liberdade ao regressar a casa.

7º Meados do século XIX coincide, no tempo, com a Revolução Industrial, baseada na utilização de combustíveis fosseis como o carvão mineral, os derivados do petróleo e o gás natural.

Acontece, porém, que o uso destes combustíveis produz gases com efeito de estufa como o dióxido de carbono e o metano, em consequência direta do fomento da industrialização e da agropecuária.

Esse efeito de estufa, ao impedir a dissipação do calor da crosta terrestre resultante da irradiação solar, está na origem do aquecimento global que, por sua vez, está relacionado com a aceleração da transição climática.

Eis, esquematicamente, a perigosa cascata: utilização de combustíveis fosseis na Revolução Industrial/poluição/aquecimento global/alterações do clima.

Conclusão: A Saúde Pública edifica-se no seguimento da ocorrência de crises que ocorreram por volta de 1850, nomeadamente: a Grande Fome na Irlanda; a insalubridade das condições de trabalho da classe operária em Manchester; a epidemia de tifo nos mineiros polacos; a publicação da primeira Lei de Saúde Pública; a descoberta do método epidemiológico; a propagação descontrolada de epidemias e, por fim, a poluição provocada pela atividade humana devido ao uso de combustíveis fósseis.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.pt