Opinião Pessoal (IV)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 3 janeiro 2024

Conheci de perto Francisco Cambournac (1903-1994). Era um médico e cientista muito respeitado a nível internacional. Tinha sido diretor da Organização Mundial da Saúde para a Região Africana. Em 1983, acompanhei-o nas matas da Guiné-Bissau a ensinar os novos técnicos de laboratório a diagnosticar paludismo. Mesmo sem a ajuda de corantes treinava os guineenses na observação ao microscópio de lâminas com uma gota de sangue para poderem identificar a presença dos parasitas vivos dentro dos glóbulos vermelhos. Cambournac tinha 80 anos e eu 36. Ao percorrermos as picadas através dos mangais, por vezes ele parava para tirar do bolso uma luneta telescópica para espreitar uma ave que tinha visto ao longe. Sabia o nome comum e em latim da espécie que logo reconhecia. Foi o único sábio que conheci.

Nos dias de hoje, relembro as suas conversas sobre a erradicação do paludismo em Portugal.

Vem este tema a propósito da atual crise climática e do aquecimento global que resumi em crónicas anteriores. Isto, porque a invasão de novos mosquitos capazes de transmitirem doenças é facilitada não só pelas condições climáticas favoráveis à reprodução destes artrópodes (o aumento da temperatura transforma regiões temperadas em subtropicais) e, também, a maior mobilidade de viajantes e mercadorias (como pneus). A crescente resistência dos mosquitos aos inseticidas é outra preocupação afim.

Foi assim que o mosquito Aedes aegypti surgiu no Funchal, em 2005, causando em 2014 uma epidemia de dengue que motivou elevados prejuízos da economia regional pela crise de turismo que originou.

Desde 2017, os sistemas de vigilância de vetores identificaram a espécie Aedes albopictus em Penafiel e, no ano seguinte, em Loulé. Em 2022, foram reconhecidos esses mosquitos no Alentejo e, em Setembro de 2023, foi confirmada a sua presença no município de Lisboa. Por isso, a DGS e o Instituto Ricardo Jorge tomaram medidas para reforçar a vigilância entomológica (aumento da captura de mosquitos em armadilhas a fim de serem analisados) e a vigilância epidemiológica pelos serviços de saúde pública, visto que há riscos potenciais de emergência de doenças de transmissão vetorial como chikungunya, dengue ou zika. Mas, não de paludismo, como veremos.

(continua quarta-feira)

Francisco George
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