Opinião Pessoal (XVIII)

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 10 abril 2024

A seguir às crónicas sobre as mais frequentes infeções transmitidas por via sexual, de natureza bacteriana, parece-me oportuno tecer algumas considerações sobre prostituição. Começo por esclarecer que as referidas infeções podem ocorrer no decurso de cadeias de transmissão sem qualquer ligação à atividade da compra e venda de relações sexuais.

Pretendo, apenas, lançar ideias para reflexão posterior sobre uma realidade que existe desde há muitos séculos e que não pode ser ignorada.

Ora, como se sabe, o mercado de trabalho relacionado com o sexo é muito antigo. Está bem documentado por escritores e pelos cronistas. A este propósito, é curioso assinalar que aconteceram episódios na Idade Média, descritos por Fernão Lopes (1385-1460), durante o Cerco de Lisboa, em 1384, que, já na época, traduziam preocupações das autoridades em relação à prostituição. É verdade. As forças populares leais ao Mestre de Avis colocaram as prostitutas fora das linhas do cerco, a fim de serem poupadas as reservas de alimentos que escasseavam dentro das muralhas. Uma vez levadas para o exterior, na zona ocidental de Lisboa, foi criada uma nova área urbana que reservava uma rua dedicada à prática da prostituição. Foi uma medida, socialmente aceite, tomada em plena crise dinástica com Castela, durante a Revolução de 1383-1385.

Muito mais tarde, como se sabe, na capital, a prostituição passou a estar concentrada nas zonas antigas da cidade: Bairro Alto, Alfama e Mouraria.

Até 1963, as prostitutas mantinham a respetiva atividade de forma absolutamente legal, na condição de estarem matriculadas. Como tal, eram sujeitas a inspeções sanitárias regulares e a vigilância policial.

Mas, a partir desse ano (1963), o Governo de Salazar proibiu o exercício da prostituição e passou a equiparar as prostitutas aos vadios.

Atualmente, depois das alterações ao Código Penal, em 1982, a prostituição de rua não constitui crime nem para quem a pratica, nem para os utilizadores. Porém, a Lei criminaliza os promotores e organizadores da prática de prostituição por outra pessoa (crime de lenocínio).

Por outro lado, parece haver a perceção geral que a crise social e a pobreza podem estar associadas ao aumento da atividade de pessoas que recorrem à prostituição como fonte complementar de rendimento.

Os países da União Europeia não têm uma política comum para lidar, no plano jurídico ou regulamentar, com as realidades da prostituição (feminina ou masculina, hétero ou homossexual).

Há situações chocantes que são quase incompreensíveis. É o caso do Bairro Vermelho na zona antiga de Amsterdão onde as prostitutas se exibem atrás de montras de vidro para atraírem os transeuntes; uma vez as condições aceites (já com cortinados fechados) e concretizada a relação sexual com o cliente, segue-se a respetiva faturação dos serviços prestados na perspetiva do pagamento de impostos pela prestação de serviços ocorrida.

Entre nós, estou convencido que a prostituição continuará a existir em diferentes modalidades, quer em modelo outdoor quer indoor. Tal como no passado, será tolerada no plano social e justamente considerada legal.

Não tenho certezas sobre a oportunidade para a sua eventual regulamentação no futuro. Mas, não tenho dúvidas que seria bom discutir abertamente o tema.

Francisco George
franciscogeorge@icloud.com