Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” 26 junho 2024
Ainda sobre História relato outras memórias que me marcaram desde a adolescência. Refiro-me a uma visita que fiz ao Palácio de Sintra. Teria na altura 11 anos de idade.
Impressionaram-me os sulcos marcados no pavimento da sala que serviu de prisão ao rei Afonso VI que tinha sido deposto por um golpe palaciano liderado pelo seu próprio irmão, Pedro (cinco anos mais novo do que ele). Essas marcas eram o resultado dos movimentos de andar para trás e para diante, durante 9 anos, de Afonso (que coxeava) que aí esteve impiedosamente detido, até à sua morte em 1683.
Só mais tarde percebi os contornos dos acontecimentos ocorridos no Portugal restaurado.
Preciso.
Afonso nasceu em 1643, filho de João IV e Luísa de Gusmão. Uma doença febril adquirida durante a infância deixou-o deficiente. No âmbito das regras da Monarquia, uma vez que o príncipe herdeiro, Teodósio, tinha morrido prematuramente, o seguinte na linha de sucessão ao trono era Afonso que, apesar de ser mental e fisicamente deficiente, viria a ser aclamado rei depois da morte de João IV (1656).
Há muitos documentos que testemunham que a Corte de Afonso VI era uma barafunda. Os seus amigos eram “pouco recomendáveis” por serem autênticos bandidos organizados em gangues que semeavam o terror nas ruas da capital. Antes de ser coroado, Afonso encontrava-se entre eles e depois, irrefletidamente, a partir de 1662, levou-os consigo para a Corte. Uma desgraça.
O país vivia problemas graves, incluindo crises de fome e guerras com Castela e com a Holanda. A restauração terminaria com a Batalha de Montes Claros, em 1665.
Afonso VI casou com Maria Francisca de Saboia, em 1666. As desavenças da rainha com o seu marido e com a Corte, levam Pedro a querer o trono do irmão e a cunhada. Para tal, manda encarcerar Afonso e consegue a anulação do casamento de Francisca com quem viria a casar.
Conclusões:
1. Maria Francisca de Saboia, provavelmente, terá sido a única aristocrata, a nível mundial, a ter sido rainha por duas vezes, consorte de dois reis diferentes.
2. Pedro II de Bragança foi, talvez, o único monarca que conquistou, duplamente, o trono e a rainha ao seu antecessor (Afonso VI).
3. Como médico, pelas descrições da doença e sequelas de Afonso, admito que foi meningite.
4. Aconselho a visita ao Palácio. Uma viagem no tempo. Porém, reparemos que, na época dos Braganças, o Palácio era em Cintra e não em Sintra porque o nome da vila passou a ser escrito com “S” quando terminou a dinastia brigantina, em 1910. No ano seguinte a reforma republicana da ortografia terminou com nomes derivados de divindades, como era a situação de Cintra que estava associada a Cyntia, deusa grega da Lua.
Francisco George
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