Saber Comunicar

Artigo de opinião publicado no “Diário de Notícias” de 14 janeiro 2022

O médico de família, ao atender um doente, começa por elaborar a sua “história clínica” que tem um itinerário idêntico em todas as situações. Primeiro é o próprio doente que começa por relatar pormenorizadamente o início e características das queixas que motivaram a marcação da consulta; a seguir é o médico que recolhe as respostas às perguntas que formula sobre doenças anteriores e comportamentos, bem como sobre antecedentes familiares. A fase seguinte resulta da observação que inclui auscultação cardíaca e pulmonar, palpação abdominal, pulso, medição da tensão arterial e exames complementares. No final, o médico chega à presunção de diagnóstico e prescreve a medicação que julga pertinente. Termina ao transmitir, com clareza, as recomendações e conselhos que o seu doente deve ter em conta para melhorar. Obrigatório saber comunicar em clínica.

Em Medicina Interna é sempre assim. Sucessivas etapas são percorridas, em regra pela ordem indicada, até à solução do problema, sem excluir a monitorização dos efeitos da terapêutica indicada.

Em Medicina Comunitária (isto é, em Saúde Pública) a metodologia é, curiosamente, semelhante. O tradicional binómio médico-doente é trocado pela relação equipa-população. O papel de médico é, agora, desempenhado por uma equipa multidisciplinar e o doente é substituído pela população que integra determinada comunidade, região ou país. Portanto, um binómio mais vasto, visto que em lugar da saúde de uma pessoa, a ação é focada em relação à saúde de toda a população. É um processo organizado, esquematicamente, em três etapas interligadas: análise de risco, gestão de risco e comunicação de risco. Um percurso trifásico que tem como fim identificar, evitar, reduzir ou eliminar riscos para a população. A primeira etapa tem por base a descrição da situação na perspetiva da identificação e caracterização da ocorrência de fenómenos capazes de representarem riscos para a saúde pública (tanto na dimensão qualitativa como quantitativa). A segunda e terceira fases são, receptivamente a gestão de medidas de prevenção e a comunicação.

A exposição de uma população a riscos terá que ser devidamente comunicada. Constitui a oportunidade decisiva para alcançar resultados positivos na sequência das medidas adotadas para controlar o problema. Terá, para tal, que submeter-se a princípios e regras que assegurem informação clara e percetível para mobilizar a participação da população. A informação para ser socialmente aceite terá que ser emitida por fonte credível e ser baseada em comprovação científica. Comunicada rapidamente, mas de forma oportuna, coerente e consistente. Verdade incontestável. Transparência absoluta. Credibilidade irrepreensível. Primeiro os pares e logo a seguir a Imprensa.

A atividade viral evolui. A leitura da situação epidémica em janeiro de 2020 é distinta da verificada em 2021 e muito diferente da que ocorre em 2022. Mudanças constantes. Pelo lado do vírus surgem novas mutações e por parte das pessoas a proteção por anticorpos circulantes também muda quer em função da infeção quer da cobertura vacinal.

Em Portugal, durante os dois anos das diferentes ondas da Pandemia Covid-19, mesmo apesar de não terem terminado, já é possível concluir que aconteceram desacertos e inexatidões de comunicação, em particular sobre a vacinação em geral e em crianças em particular.

No panorama nacional, todos têm opiniões e todos falam. Mais ribalta para os que, preferencialmente, contrariam quem antes se pronunciou.

Sucedem-se novos conhecimentos. Antigos temas, apropriados há meses atrás, perdem atualização.

Frequente confusão de papeis. Políticos falam de assuntos científicos. Em sentido contrário, aparecem especialistas em ciências da saúde a anunciar questões políticas.

Gerar confiança impõe, antes de tudo, saber comunicar. Concertar conceitos e afinar holofotes. Comunicadores competentes. Conhecedores.

Obrigatório saber comunicar em Saúde Pública.

Francisco George